domingo, 30 de dezembro de 2007

tentação tentada

Porque hoje é sábado (o último do ano, aliás), porque eu amo a prosa da Adélia e porque o jogo da sedução é necessário e delicioso:

Isto implica o esforço natural e necessário de conseguir e manter o amor: um decotezinho mais brejeiro, batom Anaconda de brilho, um puxadinho de nada a lápis crayon no cantinho dos olhos, fazer aquela cara que eu sei fazer, pondo minha alma todinha num certo modo de baixar e levantar os olhos, primeiro oblíquo, depois direto. Porque eu gosto da humanidade, em particular da representação masculina da humanidade. É muito divertido comerciar com os homens, estimulante como nenhuma outra coisa é. Eles ficam encantadores, querendo pegar a gente em falso. Isso o homem comum. Imagine os santos! Fico em estado de loucura, tentação tentada. Tem coisas que eu faço bem. Posso fazê-las mesmo? Tudo é de Deus, menos o pecado. Você que me escuta e tem coração maldoso, ri pra dentro pensando que eu sou fácil. Não sou. Eu sou muito pedregosa, caçadeira de chifre na cabeça de cavalo, caçadeira de indaca. Invez de casar e cuidar dos filhos, pôr espinafre moído na sopa deles pra eles ficarem fortes, pregar com linha dupla os botões na camisa do meu homem, eu fico teologando em latim, fico querendo um Romeu constantemente na minha janela, falando e tocando violão pra mim como se eu fosse a única mulher desta terra e a mais bonita, sem a qual homem algum pode viver. Ó meu Deus, no fundo é só isso mesmo que eu quero, é só por isso que tantas vezes uso Seu Santo Nome, em socorro do meu humano amor. É usá-lo em vão? Eu quero a santidade na reunião de literatos discutindo a metáfora. Eu pressinto que pode.

Adélia Prado

incomensurável. mesmo.

(…) deitaram-se lado a lado na cama. Ele olhava-a. Ela estava de costas, com a cabeça enterrada no travesseiro, o queixo ligeiramente erguido e os olhos cravados no tecto, e, nessa extrema tensão do seu corpo (ela fazia-o sempre pensar na corda de um instrumento de música e ele dizia-lhe que ela tinha "a alma de uma corda"), viu de súbito, num instante só, toda a sua essência. Sim, acontecia-lhe por vezes (eram momentos miraculosos) captar de súbito, num único dos seus gestos ou dos seus movimentos, toda a história do corpo e da alma dela. Eram instantes de clarividência absoluta, mas também de emoção absoluta; porque esta mulher amara-o quando ela nada era ainda, estivera pronta a sacrificar tudo por ele, compreendia às cegas os seus pensamentos, de tal maneira que ele podia falar-lhe de Armstrong ou de Stravinski, de insignificâncias ou de coisas sérias, enquanto ela continuava a ser sempre para ele o mais próximo de todos os seres humanos…

Depois, imaginou que este corpo adorável, que este rosto adorável, estavam mortos, e disse a si próprio que não poderia sobreviver-lhe um dia que fosse. Sabia que era capaz de a proteger até ao último suspiro, que era capaz de dar a vida por ela.

Mas esta sensação de amor asfixiante não passava de um fraco clarão efémero, porque o espírito dele estava totalmente ocupado pela angústia e pelo medo. Estava deitado ao lado de Kamila, e sabia que a amava infinitamente, mas estava mentalmente ausente como se a acariciasse a uma distância incomensurável, de várias centenas de quilómetros."

Milan Kundera in A Valsa do Adeus

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

ah, o teu nome

O meu mundo tem estado à tua espera; mas
não há flores nas jarras, nem velas sobre a mesa,
nem retratos escondidos no fundo das gavetas. Sei

que um poema se escreveria entre nós dois; mas
não comprei o vinho, não mudei os lençóis,
não perfumei o decote do vestido.

Se ouço falar de ti, comove-me o teu nome
(mas nem pensar em suspirá-lo ao teu ouvido);
se me dizem que vens, o corpo é uma fogueira -
estalam-me brasas no peito, desvairadas, e respiro
com a violência de um incêndio; mas parto
antes de saber como seria. Não me perguntes

porque se mata o sol na lâmina dos dias
e o meu mundo continua à tua espera:
houve sempre coisas de esguelha nas paisagens
e amores imperfeitos - Deus tem as mãos grandes.

Maria do Rosário Pedreira

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

lindo e simples

Mais um Natal. Ganhei presentes lindos, mas os melhores e mais especiais foram os abraços, carinhos e afetos que passei ao lado dos amigos e família. Momentos únicos ao lado de seres fundamentais na minha vida. E agora, a ordem é descansar, esvaziar a mente e não pensar muito. Viver o hoje, simplesmente. Com certeza este periodo de "ócio criativo" vai me fazer um bem enorme e voltarei renovada para 2008.

Férias de trabalho e da vida maluca de Sampa, mas nunca de poesia. E se tem um poeta que eu gosto muito e leio sempre é o Manoel de Barros. Me encanto pela forma como ele brinca com as palavras, tratando cada uma delas com uma delicadeza e simplicidade ímpar.

"Que a palavra parede não seja símbolo
de obstáculos à liberdade
nem de desejos reprimidos
nem de proibições na infância,
etc. (essas coisas que acham os
reveladores de arcanos mentais)
Não.
Parede que me seduz é de tijolo, adobe
preposto ao abdomen de uma casa.
Eu tenho um gosto rasteiro de
ir por reentrâncias
baixar em rachaduras de paredes
por frinchas, por gretas - com lascívia de hera.
Sobre o tijolo ser um lábio cego.
Tal um verme que iluminasse."

Manoel de Barros

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

lábios em silêncio

Três presentes de fim de ano

I
Querida, mando-te
uma tartaruguinha de presente
e principalmente de futuro
pois viverá uma riqueza de anos
e quando eu haja tomado a estígia barca
rumo ao país obscuro
ela te me lembrará no chão do quarto
e te dirá em sua muda língua
que o tempo, o tempo é simples ruga
na carapaça, não no fundo amor.

II
Nem corbeilles nem
letras de câmbio
nem rondós nem
carrão 69
nem festivais
na ilha d’amores
não esperes de mim
terrestres primores.
Dou-te a senha para
o dom imperceptível
que não vem do próximo
não se guarda em cofre
não pesa, não passa
nem sequer tem nome.
Inventa-o se puderes
com fervor e graça.

III
Sempre foi difícil
ah como era difícil escolher
um par de sapatos, um perfume.
Agora então, amor, é impossível.
O mau gosto
e o bom se acasalaram, catrapuz!
Você acha mesmo bacana esse verniz abóbora
ou tem medo de dizer que é medonho?
E aquele quadro (objeto)? Aquela pantalona?
Aquela poesia? Hem? O quê? Não ouço
a sua voz entre alto-falantes, não distingo
nenhuma voz nos sons vociferantes...
Desculpe, amor, se meu presente
é meio louco e bobo
e superado:
uns lábios em silêncio
(a música mental)
e uns olhos em recesso
(a infinita paisagem).

Carlos Drummond de Andrade

sábado, 22 de dezembro de 2007

só um pouquinho familiar

O herói

O herói da ausência tem olhos cheios de noite. Quando se vê desolado sobre a página, sai em busca de sentido e claridade sem saber se volta para casa ferido de vida ou de morte. Seus olhos estão deitados no infinito, suas mãos tateiam a poeira das belezas transitórias. Sua voz guarda no âmago poder de ocultação e desvelo (como todas as verdades) e esse movimento governa o princípio que desencadeia as ações fabulosas, suas glórias e fracassos. Noite após noite ele cumpre seu rito sob as luas bordadas no céu das gregas calendas. Só irá consagrar-se na hora inebriante em que florir sua pálpebra.

Contador Borges


quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

desejo, désir, wish, voglia

O Natal e o ano novo estão aí, mas este ano eu resolvi fazer diferente: não desejarei aos meus amigos o que eu quero pra mim. Por que você haveria de desejar o mesmo que eu, se somos tão diferentes, tão complexos, cada qual com suas necessidades e anseios? Por isso eu escolhi este texto para os meus votos de final de ano. Com desejos universais e válidos pra qualquer ser pensante que tem sangue correndo nas veias.

***

Eu desejo que desejes ser feliz de um modo possível e rápido,
desejo que desejes uma via expressa rumo a realizações não utópicas,
mas viáveis, que desejes coisas simples como um suco gelado
depois de correr ou um abraço ao chegar em casa,
desejo que desejes com discernimento e com alvos bem mirados.

Mas desejo também que desejes com audácia,
que desejes uns sonhos descabidos
e que ao sabê-los impossíveis não os leve em grande consideração,
mas os mantenha acesos, livres de frustração,
desejes com fantasia e atrevimento,
estando alerta para as casualidades e os milagres,
para o imponderável da vida, onde os desejos secretos são atendidos.

Desejo que desejes trabalhar melhor, que desejes amar com menos amarras,
que desejes parar de fumar, que desejes viajar para bem longe
e desejes voltar para teu canto, desejo que desejes crescer
e que desejes o choro e o silêncio, através deles somos puxados pra dentro,
eu desejo que desejes ter a coragem de se enxergar mais nitidamente.

Mas desejo também que desejes uma alegria incontida,
que desejes mais amigos, e nem precisam ser melhores amigos,
basta que sejam bons parceiros de esporte e de mesas de bar,
que desejes o bar tanto quanto a igreja,
mas que o desejo pelo encontro seja sincero,
que desejes escutar as histórias dos outros,
que desejes acreditar nelas e desacreditar também,
faz parte este ir-e-vir de certezas e incertezas,
que desejes não ter tantos desejos concretos,
que o desejo maior seja a convivência pacífica
com outros que desejam outras coisas.

Desejo que desejes alguma mudança,
uma mudança que seja necessária e que ela não te pese na alma,
mudanças são temidas, mas não há outro combustível para essa travessia.
Desejo que desejes um ano inteiro de muitos meses bem fechados,
que nada fique por fazer, e desejo, principalmente,
que desejes desejar, que te permitas desejar,
pois o desejo é vigoroso e gratuito, o desejo é inocente,
não reprima teus pedidos ocultos, desejo que desejes vitórias,
romances, diagnósticos favoráveis, mais dinheiro e sentimentos vários,
mas desejo, antes de tudo, que desejes, simplesmente.

Martha Medeiros

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

deviam ensinar no colégio

Li o textinho abaixo no blog Doutro lado do mar e fiquei encantada. Ainda que aprender na prática seja fundamental, acho que deveria haver dentre as disciplinas escolares uma intitulada "Vida & Relacionamentos"- iria evitar alguns sofrimentos e lágrimas desnecessárias. E este texto poderia ser o primeiro ensinamento, vejam só:

Daquilo que sei...

Amor é base, afeto conseqüência, felicidade possível (pulverizada em momentos), vida movimento e crescimento, viver - plantio opcional e colheita inevitável, bom humor essencial, encontros reconhecimentos, nunca meras coincidências, causa e efeito não é conversa mole não, comprometimento indispensável, responsabilidade um princípio e afinidade para ser levada muitíssimo a sério, portanto, pessoas, vamos procurar nossa turma!

Simples e genial, não?! E pensar o quanto eu sofri com as equações de Física e Matemática... pra que Meu Deus, por quê?

sábado, 15 de dezembro de 2007

e os dedos da memória, cruéis

VIDA (SEM ESQUECER A MORTE DE CADA DIA)

Dora Ferreira da Silva

Escoam-se
areias na ampulheta
pranto
riso quase sereno.
Um destino ressoa
alada música
Appassionata.


É preciso tempo
o vagar dos crepúsculos
o começo
a promessa
o findar das estações
um olhar calmo sobre a vida
formas
contornam sensações
o céu infinito
explode cósmica
ternura.
Nada indiferente
sob a lua seus enigmas -
naufrágio das coisas
no azul.


Vivos e mortos
perambulam nas estradas
um sorriso nos lábios.
O que dizem
no silêncio
agora pleno
da alma?
Appassionata.


O gesto preserva a
emoção e o brusco
perpassar de folhas mortas.
Gemem pássaros noturnos
fiéis da madrugada
até que o horizonte desperte
em sua luz dourada.


Dedos da memória
afagam e são cruéis
tudo ressurge e se transfigura
no que poderia ser
se a chuva desabasse.
Só os relâmpagos
ao longe
de raios mudos.
A noite se expandia
se expande
ou tudo invadirá
com seus negros andrajos?
Olho sem ver
a paisagem
árvores dobradas pelo vento
ouço uma voz distante
não sei o que diz.
Apenas um manto me aquece
na noite gélida
mas pulsa o coração
da trêmula
Appassionata.


É preciso desdobrar
asas de amor conhecimento
liberar o tato
de todas as coisas
que esperam.
Pois o eco fugiria
das palavras vãs
sem pólen
os pássaros voltariam
aos ninhos de sombra
se teu coração
recuasse
e os cabelos
não soltasses
Appassionata.


A nudez do sono
frêmitos do vento
um perfil vizinho
jamais decifrado
carícias da alma
aquecendo o corpo
o poema lembrado
na neblina do outrora
os lábios unidos
no mais leve dos beijos
a flama e o desejo
a carne fremente
Appassionata.


O tempo findando
e agora tão próximos
corpo e alma
num limiar
agônico.
Silêncio esvaecido
de uma vida inteira
de busca
e o achado se perdendo
na mais fria madrugada
mas o grito irrompendo
tudo resume
Appassionata.


Vida longa
atenta aos sinais
rente aos vestígios de deuses forasteiros
é preciso
ser viva e morta
rolar nos gramados
amar as flores
nada aprisionar
retendo na avareza.
Amar em silêncio
com a maior leveza
sem pedir em troca o amor.
É preciso ter um corpo
é preciso ter alma
Appassionata.

Sobre a autora
Dora Ferreira da Silva é poeta e tradutora. Seu livro de poemas Hídrias recebeu o Prêmio Jabuti em 2005.

ERRATA: Dora faleceu em 07 de abril de 2006 (um dia antes do meu aniversário!), aos 86 anos. Obrigada, amigo SRD, pela correção.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

tua violenta ternura

Lindo isso aqui:

“Esse incessante morrer/que nos teus versos encontro/é tua vida, poeta,/e por ele/te comunicas com o mundo em que te esvais.//Debruço-me em teus poemas/e nele percebo ilhas/em que nem tu nem nós habitamos/(ou jamais habitaremos)/e nessas ilhas me banho/num sol que não é dos trópicos,/numa água que não é das fontes/mas que ambos refletem a imagem/de um mundo amoroso e patético.//Tua violenta ternura, tua infinita polícia,/tua trágica existência/no entanto sem nenhum sulco/exterior-salvo tuas rugas,/tua gravidade simples,/a acidez e o carinho simples/que desbordam em teus retratos,/que capturo em teus poemas,/são razões por que te amamos/e por que nos fazes sofrer(...)Não é o canto da andorinha, debruçada nos telhados da Lapa,/anunciando que tua vida passou à toa,à toa/Não é o médico mandando exclusivamente tocar um tango argentino,/diante da escavação no pulmão esquerdo e do pulmão direito infiltrado(...)Não são os mortos do Recife dormindo profundamente na noite(...)és tu mesmo, é tua poesia,(...)é o fenômeno poético, de que te constituíste o misterioso portador”.

Assim expressou-se Drummond quando Manuel Bandeira completou 50 anos (Ode no Cinqüentenário do poeta Brasileiro-poema do livro SENTIMENTO DO MUNDO). O ano era 1940, marcado pela segunda guerra mundial. O novo livro de Drummond trazia a necessidade de darmo-nos as mãos e sermos no futuro uma lembrança,como um retrato na parede, porque o amor resultou inútil e olhos não choram. Porque chegara um tempo em que não adiantava morrer. A vida? Uma ordem. Vida apenas, sem mistificação.

Fonte: http://moisesneto.com.br/estudo23.html

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

vai 2007, vai

Dezembro é um mês pesado, difícil de carregar. Para mim, significa arrumar todos os eventos, comunicações e demais pendências que já dizem respeito a 2008, sem esquecer das que ainda estão em andamento em 2007. É pensar em tudo que se viveu em 2007 e fazer um balanço das coisas boas e ruins. Como diz a portuguesa Mafalda Veiga, guardar só o que é bom de guardar. É ter tempo e grana para comprar "mimos" - presentes dão a conotação de algo muito caro e eu não estou nessa fase, infelizmente - para os mais queridos. É pensar em algo mirabolante e engraçado para o "amigo da onça" da empresa. É lembrar de ligar para os seres especiais que estão longe, mas que fizeram a diferença este ano. É arranjar tempo para encontrar todos os amigos que estão por perto e dar aqueeele abraço apertado em cada um deles. Graças a Deus e a alguns bloqueios afetivos superados, este foi o ano da consolidação das amizades de ontem e da concretização de novos laços. É fazer listas com tudo de bom em 2007 (filmes, discos, momentos, palavras, livros, etc) e coisinhas interessantes que precisam ser feitas em breve. É torcer muito para que o ano que chega seja radiante, em todos os sentidos.

Este foi um dos anos mais intensos. Vivi intensamente cada minuto e não me arrependo de nadinha, nadinha. Faria tudo de novo, talvez aproveitando mais e me estressando menos. Criando menos expectativas, a gente pode ser muito mais feliz. Aprendi isso. E um pouco mais.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

amanhã

Todo espírito preocupado com o futuro é infeliz. O mais corriqueiro dos erros humanos é o futuro. Ele falseia a nossa imaginação, ainda que ignoremos totalmente onde nos leva. Quando pensamos no futuro, nunca estamos em nós. Estamos sempre além. O medo, o desejo, a esperança jogam-nos sempre para o futuro, sonegando-nos o sentimento e o exame do que é, para distrair-nos com o que será, embora o tempo passe e já não sejamos mais.

Michel Eyquem de Montaigne

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

razão e sensibilidade

Semaninha mega tensa e que culminou no afastamento temporário desta que vos escreve.

Afe. Ninguém merece encontrar pessoas que entram na sua vida e se revelam loucas, psicóticas mesmo. Babado forte, espero que acabe logo e a santa paz volte a reinar. Dentro e fora de moi.

E enquanto isso, na terra do Nunca... rs

Post abaixo foi escrito há algum tempo e como eu estou sem tempo nem cabeça e já me disseram que abandono de blog é crime inafiançável, aí vai:

Sensibilidade: eis um atributo que admiro muito. Principalmente no sexo oposto. Não falo de homem molenga, fraco ou afetado. Não. É o cara que sabe ver uma obra de arte e entender seu valor, capta rápido uma tirada mais sarcástica e subliminar, prefere o humor inglês ao americano. Aprecia uma boa música, gosta de ler (prosa e poesia). Vê além do que está visível aos olhos. E não tem medo de verbalizar isso e parecer cafona. Não vê problema de chorar quando está triste - ou feliz demais. Eles não são chatos, são apenas sensíveis. Mas também sabem pegar, beijar e fazer todo o serviço direitinho. Claro, como tudo que é bom, são poucos os exemplares existentes.

Será que é pedir muito? Espécie em extinção? Entrega em casa?

domingo, 2 de dezembro de 2007

amor de longo alcance

Durante anos, separados pelo destino, amaram-se a distância. Sem que um soubesse o paradeiro do outro, procuravam-se através dos continentes, cruzavam pontes e oceanos, vasculhavam vielas, indagavam. Bússola da longa busca, levavam a lembrança de um rosto sempre mutante, em que o desejo, incessantemente, redesenhava.

Já quase nada havia em comum entre aqueles rostos e a realidade, quando enfim, numa praça se encontraram. Juntos, podiam agora viver a vida com que sempre haviam sonhado.

Porém cedo descobriram que a força do seu passado amor era insuperável. Depois de tantos anos de afastamento, não podiam viver senão separados, apaixonadamente desejando-se. E, entre risos e lágrimas, despediram-se, indo morar em cidades distantes.

(Marina Colasanti, in Contos de Amor Rasgados)

um bom presente de natal, pq não?

Esta dica de leitura saiu no jornal Valor Econômico desta semana. Lançamento irônico, bem humorado e inteligente:

"35 Segredos para Chegar a Lugar Nenhum" - Ivana Arruda Leite (org.)
Bertrand Brasil, 170 págs., R$ 27,00

Autores da nova e da novíssima geração, como Xico Sá, Marcelino Freire, José Roberto Torero, Andréa del Fuego e Ivana Arruda Leite estão neste divertido "35 Segredos para Chegar a Lugar Nenhum - Literatura de Baixo-Ajuda" com textos que satirizam os livros de auto-ajuda. A irreverência já começa com um prefácio de Machado de Assis "psicografado". Seguem várias receitas, como uma "para mulheres medíocres capturarem homens idem", de Ana Elisa Ribeiro; o criativo "Livros de Auto-Ajuda: Como Largar Este Vício", de André Laurentino; "Como Aprimorar uma Habilidade Ancestral: a Mentira", de Maria José Silveira; e o "Horóscopo Terrorista", de Santiago Nazarian. Afinal,exercitar o bom humor é uma atividade que vai ajudá-lo(a) a ser feliz...

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

os meus, os teus, os nossos

Geórgica

Se gostas de maçãs, colhe maçãs
Do teu próprio pomar.
Guarda republicana há sempre em toda a parte
Onde não temos nada,
E a força é cega por definição.
Ora no teu pomar
Podes serenamente
Gozar o transitório paraíso.
Na pequenina haste
Que um dia tu plantaste
Nasceram frutos túmidos e doces
Que são teus.
Colhe, pois, esses frutos.
Não faças como o Adão e como a Eva, uns brutos
Que comeram maçãs, mas do pomar de Deus.

Miguel Torga

E eu, cada dia mais e mais apaixonada pela poesia portuguesa. Se você também gosta, compartilhe comigo. Poemas, ao contrário dos frutos, podem e devem ser trocados.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

divina graça de parar o tempo.

A querida Ju já escreveu: "parei de tentar entender o mundo. vou vivendo". Eu resolvi fazer o mesmo. Chega de tentar entender o porque das coisas, o porque das afinidades e dos abismos que se formam entre as pessoas. Eu quero sempre tentar achar explicação pra tudo, mas esqueço que para algumas coisas simplesmente pode não haver uma resposta, uma razão. Principalmente nas coisas do amor. Como já disse a poeta portuguesa Inês Pedrosa, no excerto que reproduzo abaixo:

“Tudo o que há para saber do amor é deslumbrada aceitação. Não se aprende a amar, Camila; não há vontade democrática capaz de espalhar a paixão pelas bolsas de pobreza onde ela não chega, nem fábricas capazes de a produzir em peças, para montagem, construção ou exportação. Não há nada de justo nesse sentimento: a justiça, aliás, não passa de um espetáculo de ordenação do mundo, um circo que inventamos para substituir a irracional lei do coração. Não procures explicação para a minha vida, nem a tomes com pena ou escândalo; quando eu ficar tão velha que pareça louca, lê nestes cadernos que eu fui feliz. Não te preocupes como ou quanto, nem caias na tentação de distinguir amor e paixão: a pouco e pouco, fui vendo que essas divisões são armadilhas que se montam para que o pano caia sobre os nossos olhos e a imortalidade desapareça do nosso horizonte. O amor, Camila, consiste na divina graça de parar o tempo. E nada mais se pode dizer sobre ele”.

(In: Nas tuas mãos, de Inês Pedrosa, p. 24-25)

Parece escrito pra mim mesmo. Tanto que está até identificado nominalmente.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

notícias populares

Acabei de chegar do show da Ana Carolina no Credicard Hall (o show foi na noite de domingo). Se foi bom? Foi maravilhoso. Muito mais do que eu imaginava. Tão bom quando as nossas expectativas são superadas. Aninha é linda, cantou muuuito e me encantou mais ainda. Se antes já era fã, agora então... sou muito mais. Teve quase todas as músicas fodásticas (só faltou Vestido Estampado), teve 3 bis, um cenário show de bola... e eu lá, muito perto do palco. Imagens congeladas que guardarei para sempre. Chico Buarque, sinto dizer que Ana empatou com você na listinha VIP de shows inesquecíveis da minha vida.

E como se não bastasse a alegria e a excitação causadas pelo espetáculo, tem que ter uma pitadinha a mais de emoção. Como disseram a Fer, a Lu e a Rô, ótimas companhias, só eu mesmo para passar por situações tão surreais. Conheço gente no meio da rua, voltando do supermercado e cheia de sacolas, faço grandes amigos pelo orkut e vejo pessoas inesperadas num Credicard Hall lotadaço, onde a probabilidade de se encontrar alguém conhecido é relativamente pequena. Então eu vi uma pessoa que fez parte de um passado muito recente, e que às vezes ainda insiste em ser presente, sabe-se lá Deus por que. Pois é, digníssimo X e sua senhora estavam no show. Pegaram a fila algumas pessoas depois de nós. Se foi bom ou ruim rever? Ainda não sei dizer. Foi inesperado, assustou no começo, depois passou e eu curti o show. Ahh, curti muito mesmo. Agora me diz, precisava? O destino deve estar tirando uma com a minha cara... Só pode ser isso.

Fotos exclusivas no meu orkut: http://www.orkut.com/Profile.aspx?uid=1532815861486952004

domingo, 25 de novembro de 2007

e agora, José?

«(...) que fazer dos caminhos que se nos abrem?
Como avançar, sem barco ou rumo, em direcção a que
porto? E que nos espera no regresso ao lugar de
onde ninguém deve partir se não tiver, no bolso, a carta
de chamada, o endereço, a voz acolhedora de um deus?»

«PARTIDA» de Nuno Júdice («As Coisas mais Simples» Ed. Dom Quixote)

sábado, 24 de novembro de 2007

strawberry fields forever

Clarice Lispector já avisou: ‘Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos.’

O verão está aí, hoje está um dia lindo e azul e eu deixo o desejo de um final de semana repleto de coisas boas e que os momentos felizes sejam de fato felizes, intensos e verdadeiros. Com morangos salpicados no açúcar ou no chantilly. :-)


MORANGOS

Nunca houve morangos
como os que tivemos
naquela tarde tórrida
sentados nos degraus
da porta-janela aberta
de frente um para o outro
seus joelhos encostados nos meus
os pratos azuis em nossos colos
os morangos brilhando
na luz quente do sol
nós os mergulhamos em açúcar
olhando um para o outro
sem apressar a festa
para chegar ao fim
os pratos vazios
deitados sobre a pedra juntos
com os dois garfos cruzados
e me aproximei de você
dócil naquele ar
nos meus braços
abandonado como uma criança
da sua boca ávida
o gosto de morangos
na minha memória
inclina-se de volta
deixe-me amá-lo

deixe o sol bater
sobre o nosso esquecimento
uma hora de tudo
o calor intenso
e o relâmpago de verão
nas colinas de Kilpatrick

deixe a tempestade lavar os pratos

Edwin Morgan

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

é a poesia que nos move.

O corpo, ainda corpo,
sabe de cor
a dor. Dizer adeus,
carpir, esconder,
bater palavras contra o muro.

Ruas de São Petersburgo
sob a neblina - o corpo
sabe de cor
onde se morre.

Mas, por entre o estridor
de soldados e funcionários,
cava uma saída:

o próximo poema
(promessa de delicadeza e silêncio)

- ouve cantar uma cereja.

Eucanaã Ferraz

isso é globalização.

Diretamente do Jornal Nacional da vida real:

Brasil e Líbano pretendem estreitar os laços - todos eles. Laços de fita de cetim, aqueles bem belos, sabe?

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

oh happy days

"Riso: uma convulsão interior, que produz uma distorção da expressão facial e que é acompanhada por sons desarticulados. É contagioso e, embora intermitente, incurável."

Bierce, Ambrose

Dias felizes, repletos de ataques de riso incontroláveis, com algumas das pessoas mais importantes na minha vida, e programinhas muito bacanas. Teve partida de tranca até altas horas da madrugada, teve o casamento da Tati, teve passeinhos leves no shopping, teve visita a um apartamento que abriga a decoração mais bizarra e obscura que se pode imaginar, teve praia, teve comida farta e deliciosa, teve baladinha com a Sil e a Lu, que conheci e já gostei assim de cara... ah, teve um monte de coisa boa. Adorei o feriado. E a semana promete ser agitada porque tenho evento na quinta-feira. Trabalho grande, que exige concentração e muitas horas extras. Portanto, não estranhem se não aparecer nos blogs ou mesmo aqui. É sumiço temporário em virtude do acúmulo de trabalho. Boa semana pra todo mundo!

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

os efêmeros somos nós.

O texto abaixo foi extraído do blog da Marcia Tiburi, filósofa que participa do Programa Saia Justa (no GNT toda quarta às 22h30). O programa é ótimo e ela também. É a reflexão dela depois de assistir à peça "Os Efêmeros", que ainda rendeu um videozinho muito bacana, mostrado no Saia.

Para refletir no feriado... beijo a todos!

Os Efêmeros

“Ando em busca d’Os Efêmeros. Encontro-os por todos os lados. Passantes calmos ou afoitos, vendo-se ou vendo-me. Os efêmeros são os vivos, os que podemos ver, e os fantasmas que vemos mesmo que não existam, e os que existem e não podemos ver. Qual a cegueira que nos toca, que nos impede a mira? O que eu veria se destapasse os olhos? Veria os efêmeros, os que se escondem, atrás de suas próprias nucas, e à sua frente perdidos de si mesmos em busca de si mesmos por meio de outros, e os outros? Outros, os desistentes e os insistentes, os efêmeros com seus sapatos, saias, bolsos, máquinas de fotografar, sombras; lêem livros, fazem teatro, assistem, esperam, comem, andam, olham, chegam, vêem, vão, os efêmeros estão por todos os lados, simples, complexos, apressados, com seus trejeitos, sorrisos, fome, seus objetos de espera, de sedução, repetem a vida, repetem a morte em vida, repetem a vida em vida, a armadura que sustenta toda vertigem. Os efêmeros formam atalhos, desvios, andam, andam, seguem lemingues sempre prontos ao abismo lento ao qual demos o nome de esperança. Os efêmeros são feitos de sinais, filigranas, fascínio, atenção, esperas, pés no chão, amor, prazer, conversas, ordens, são antípodas, são a nossa imitação.
Os efêmeros nos perguntam e não respondem, os efêmeros só esperam que os ajudemos a atravessar a grande vertigem. Sempre a espera do grande contentamento invisível.
Desnudemos os olhos. Queremos nossos olhos nus para que os efêmeros passem em seu cortejo triunfal em paz. Os efêmeros somos nós.”

Marcia Tiburi

O blog: http://bloglog.globo.com/marciatiburi/

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

a vida é dura.

Este último final de semana foi "cinema em casa" total: revi 2 filmes ótimos: Fale com ela, do Almódovar e Brilho eterno de uma mente sem lembranças, com Jim Carrey - único filme que ele parece um cara normal e não faz caretas como o Máscara. O primeiro fala de amizade, amor incondicional e entrega, princípios e decisões e acidentes que mudam sua vida para sempre. É um filme lindo, com a fotografia e as cores que só Almodóvar conhece. Certamente um dos filmes que encabeça minha listinha VIP de filmes perfeitos.

O segundo não é assim o top, na minha opinião. Deveria ser um pouco mais curto. Mas é sempre bom rever porque fala de uma história de amor que terminou, de um casal que decide simplesmente apagar as lembranças que tinham um do outro, para evitar o sofrimento e a dor da perda. Quando o cara percebe que está destruindo tudo de ruim e também tudo de melhor que viveu com a menina, resolve voltar atrás e parar o processo. Talvez seja tarde demais - ou não. Talvez seja a oportunidade para começar tudo de novo, reescrever uma história que pode ter um novo final. Feliz, lógico.

Mas na verdade o que eu queria mesmo era falar do filme O cheiro do ralo, que eu também vi neste mesmo final de semana- este, inédito para mim. Gente, que filme é esse? Bizarro, escatológico e muito bom!!! Começa com a câmera seguindo uma bunda. E conta a história de Lourenço (Selton Mello), que trabalha comprando objetos antigos das pessoas. E tem prazeres, fantasias e pensamentos muito peculiares. Como disse o diretor no extra do dvd, o filme fala sobre o "lado B" que todos nós temos, mas poucos acabam verbalizando... E, ligado a isso, fala também sobre a moral de cada um. Tanto que Lourenço pergunta para um dos caras que passam pela sua loja: "Até onde vão teus princípios?"

Anotei algumas outras frases bem interessantes:

"Cheiro estranho. Deve ser do ralo."

"Não se deve alimentar o monstro, senão ele cresce."

"Você fala demais para um leigo."

"O lixo é o troco."

"Deus criou o mundo, mas foi o homem que deixou ele confortável."

"Estive no inferno e lembrei de você."

"Hoje, eu sou mais eu."

"O canário é belga?"
"Pode ser."

"A vida é dura".

Lourenço repete a frase acima muitas vezes durante o filme. Quando não queria comprar algum objeto, simplesmente dizia para a pessoa que estava querendo vender: "Isso não me interessa. É, a vida é dura. E agora sai que vou chamar o próximo". Belo ensinamento o do Lourenço. Toda vez que penso no que aconteceu e nas coisas que li e vivenciei pós-rompimento, eu lembro que a vida é dura mesmo. E nem por isso a gente vai parar a história. Pelo contrário, quer mais é seguir em frente. E que venham novos amores e novas experiências. Cada dia que passa só reafirmo a certeza que a atitude foi a mais correta, a mais sensata, a melhor coisa a fazer. Só tenho a dizer que "Hoje, eu sou mais eu". E ainda: "Estive no inferno e lembrei de você". Pois é, o filme é bom mesmo, os diálogos também... hehehe

Voltando... Filme incrivelmente irônico, inteligente e bem feito. Os tipos que passam para vender seus objetos, um melhor e mais bizarro que o outro. E ainda tem o Selton Mello, que continua uma graça mesmo fazendo um personagem tão "exótico"... rs

terça-feira, 13 de novembro de 2007

tudo tem um lado bom...

... até a televisão. Se você gosta de MPB e tem TV a cabo em casa, a próxima semana será de puro deleite. Só coisa maravilhosa em 2 canais que gosto muito: GNT e Canal Brasil.

A seguir, alguns programas que selecionei e pretendo assistir:

Marília Gabriela entrevistará Roberta Sá e Fabiana Cozza, duas das maiores revelações musicais da nova música tupiniquim. As duas cantam samba, mandam super bem.
Dias: 18/11, às 22h10 e 20/11, às 22h30. No GNT.

GNT.DOC: Vinícius
O documentário presta uma homenagem a Vinicius de Moraes a partir de um pocket-show apresentado pelos atores Camila Morgado e Ricardo Blat. Através de raras imagens de arquivo, o longa registra a vida do poeta, marcada por muitas paixões, nove casamentos e amizades duradouras.
Dia 21/11, às 23h30. No GNT.

Os próximos programas, só no Canal Brasil:

Curta na Tela: Clássicos
Vinícius de Moraes - Música, Poesia e Amor (1974)
Curta com Vinícius e Toquinho. O poetinha recorda grandes sucessos e outras parcerias importantes em sua carreira: Tom Jobim, Baden Powell e Edu Lobo.
Dias: 26/11, às 19h e 27/11, às 14h.

Faixa Musical
Chico e As Cidades (1999) - IMPERDÍVEL!-
No especial, Chico encanta mais uma vez ao interpretar seus grandes sucessos, como "Construção", "Cotidiano" e "Olhos nos Olhos". O documentário traz momentos íntimos e de rara beleza, em que Chico faz declarações apaixonadas e bem humoradas sobre futebol, Tom Jobim e o ofício de escrever e compor.
Dias 22/11, às 22h.

Mais informações e horários, consulte os sites dos canais. Quero ver tudo. Não perco por nada. Se você for legal, estiver em SP e não tiver tv a cabo, avisa. Quem sabe eu abra a casa e cobre uns ingressos. hehehe

domingo, 11 de novembro de 2007

mudando o disco

Se tem uma coisa que eu não suporto é gente que se torna repetitiva, fala sempre as mesmas coisas, e não percebe o quanto isso é chato para as pessoas que convivem com ela.

E, de repente, pelo momento de turbulência atual (que já estou vivendo há um bom tempo, é verdade) eu posso estar fazendo igualzinho, repetindo sempre a história de amor + apego + carência + deu + no + que + deu + lamentos + lamentos. Por isso, ainda que eu queira colocar mais coisas pra fora, porque ainda há muito que passei e que senti que pode ser verbalizado, vou tentar me conter e sair da rota do sentimentalismo barato. Afinal, a idéia deste blog nunca foi ser um mural de recados, muito menos o muro das lamentações de um amor imenso e não-correspondido.

Portanto, ficamos combinados, o tópico relacionamentos vai dar uma trégua aos parcos leitores. Sim, há muitos outros temas que povoam esta cabecinha, e que podem e devem parar aqui. Em breve, estrearemos uma nova -e espero- atraente programação.

sábado, 10 de novembro de 2007

no stress, yes good vibes.

Uma coisa que sempre me intrigou desde que mudei pra Sampa, alguns anos atrás, foi a quantidade de gente chorando que se vê nas ruas. É muito, mas muito comum mesmo, deparar-se com um ser de nariz vermelho e olhos inchados. 99,9% dos casos, mulher, claro. E aí eu fico me questionando o que pode ter acontecido, qual a história de vida daquela pessoa, e quase sempre acabo montando um curta-metragem imaginário na minha cabeça.

E hoje eu vi uma cena bem triste no metrô. Várias pessoas discutindo com uma mulher que, pelo que pude perceber, pois peguei a história já no final, estava brigando com um senhor porque ele estava atravancando a passagem dela. Foi deprimente ver a mulher sair chorando, com os gritos de "Vai, sua estressada" ecoando pela estação.

Eu tenho vários momentos de stress total e absoluto. Seja por questões pessoais ou profissionais. Muitas vezes a mente trabalha tanto -e pra piorar, pode até ser contra você- que a sensação é de que a cabeça pode explodir a qualquer momento. Dizem que dor-de-cabeça acontece também porque você fica brigando com seus próprios pensamentos. O racional e o emocional, o sim e o não, o ficar e o partir, armam um verdadeiro campo de batalha lá dentro.

Não, eu não quero acabar como a mulher do metrô. E por isso, eu tenho tentado me controlar, ser mais calminha, menos ansiosa, menos sangria, como diz a Sil. E cuidar dos meus pensamentos e da minha saúde. Isso sim é fundamental. O resto, infelizmente, é resto.

O que é a angústia?

"Um rapaz fez-me essa pergunta difícil de ser respondida. Pois depende do angustiado. Para alguns incautos, inclusive, é palavra de que se orgulham de pronunciar como se com ela subissem de categoria - o que também é uma forma de angústia. Angústia pode ser não ter esperança na esperança. Ou conformar-se sem se resignar.

Ou não se confessar nem a si próprio, ou não ser o que realmente se é, e nunca se é. Angústia pode ser o desamparo de estar vivo. Pode ser também não ter coragem de ter angústia - e a fuga é outra angústia. Mas angústia faz parte: o que é vivo, por ser vivo, se contrai.

Esse mesmo rapaz perguntou-me: você não acha que há um vazio sinistro em tudo? Há sim. Enquanto se espera que o coração entenda".

Clarice Lispector in A descoberta do mundo

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

ele, again.

Fala Caio, fala:

"... Não compreendo como querer o outro possa tornar-se mais forte do que querer a si próprio. Não compreendo como querer o outro possa pintar como saída de nossa solidão fatal. Mentira: compreendo, sim. Mesmo consciente de que nasci sozinho do útero de minha mãe, berrando de pavor para o mundo insano, e que embarcarei sozinho num caixão rumo a sei lá o quê, além do pó. O que ou quem cruzo esses dois portos gelados da solidão é mera viagem: véu de maya, ilusão, passatempo. E exigimos o eterno do perecível, loucos".

Caio Fernando Abreu

Isso é lindamente cruel e verdadeiro, ou eu que estou sensível?

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

acabou. boa sorte.

Corazón Espinado. Já ouviu falar? E expectativas desleais? Junte tudo, acrescente doses salutares de amor, paixão, carência, afinidades várias e sintonia perfeita. Não, a mistura não deu certo. Faltou uma coisinha bem importante: os destinos não se cruzam. As vidas não se mesclam. Cada um na sua, mas com alguma coisa em comum? Isso só funciona na publicidade. Na vida real é um pouco diferente. Como diz a música, "bom encontro é de 2."

Dica de uma mocinha um pouco mais experiente do que antes, depois de tudo: Não tente trazer a pessoa para sua vida. Não force a barra. A pessoa tem que vir sozinha, porque quer, não porque você a trouxe, seja por joguinhos ou manipulações várias. Isto porque trazer a pessoa desta forma só causa angústia, ansiedade e medo de perder. Porque ao mesmo tempo que você tem o pouco que ela lhe dá, você não tem nada.

Não queira amá-la mais do que você deve amar a si mesmo. Cure as suas carências primeiro, para depois ir buscar o outro. Resolva antes os seus problemas - ninguém resolverá eles por você. Não adianta procrastinar projetos e atitudes que só cabem à você, ou então entregar esta responsabilidade à outra pessoa. Não há salvadores, somos todos carentes e em busca de algo que preencha o vazio. Como diz uma frase que gosto muito: "Ninguém liberta ninguém. As pessoas se libertam em comunhão".

A pessoa que veio e deixou esse coraçãozinho dilacerado veio porque eu quis assim - em nenhum momento eu a culpo por coisa alguma. Acá, os ganhos foram imensos, porque a partir do momento que descobri alguém tão parecido comigo, pude olhar de fora e perceber minhas próprias fragilidades, medos e necessidades. E agora há toda uma reorganização interna necessária para o bom andamento das coisas daqui pra frente. Ainda bem que as quartas-feiras estão aí, há amigos por perto e uma esperança incansável, ineroxável mesmo.

Se você ler isso, pessoa nefasta, obrigada, sempre. O sofrimento foi grande, mas o aprendizado também. Não guardo mágoas - apenas o gosto acre de fracasso na boca e a saudade de tudo, inclusive e principalmente do que poderíamos ter vivido. Como diz a Clarice, "Sentia sua falta como se lhe faltasse um dente da frente: excrucitante." É quase isso. Dizem que passa, que um dia a ferida fecha e você segue sua vida. Prefiro não fazer planos nem criar expectativas sobre nada. O tempo se encarregará e mandará as respostas. E aquilo que chamamos destino mostrará os caminhos.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

porque a vida segue.

E tem gente que não gosta de Martha Medeiros. Eu aprecio muitas coisas que ela escreve, assumo que gosto e me identifico um monte:

Gostar de alguém é função do coração, mas esquecer, não. É tarefa da nossa cabecinha, que aliás é nossa em termos: tem alguma coisa lá dentro que age por conta própria, sem dar satisfação. Quem dera um esforço de conscientização resolvesse o assunto (...).

***
Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo. É o arremate de uma história que terminou, externamente, sem nossa concordância, mas que precisa também sair de dentro da gente.

***
Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.

Martha Medeiros

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

bora brincar?

1. Pegue um livro próximo (PRÓXIMO, não procure);

2. Abra-o na página 161;

3. Procure a 5ª frase completa;

4. Poste essa frase em seu blog;

5. Não escolha a melhor frase nem o melhor livro;

6. Repasse para outros 5 blogs.

Maitê, guria que conheci no mundinho dos blogs e fica aqui, colocou essa meme no seu blog… Como eu gosto muito de inventar umas regrinhas e brincar com as formas de postar e pensar, aí vai a minha contribuição:

"Durante esse tempo, milhões de coisas aconteceram no mundo e eu, coitadinha, esperando cartas".

Livro Correspondências - Clarice Lispector. Carta de Bluma Wainer endereçada à Clarice.

sob a areia, faça chuva ou faça sol.

Algumas pérolas praianas:

- Traz o caju amigo, por favor?
- Ele vai emprestar o guarda-chuva "pá nóis"? Pessoa levemente atordoada; de um lado uma louca tempestade e do outro.... afe.
- Homem Beterraba é o que há. Definitivamente o melhor da praia.
- Após várias demonstrações bizarras, decidimos contatar as marcas de moda praia e pedir que a sunga branca seja abolida do vestuário masculino. Sim, há exceções, mas a maioria diz o contrário, portanto é melhor tirar do mercado. E pronto.
- Sangria: muito mais comum que se imagina. Cuidado: quando menos se espera, ela se instala. E haja floral para acalmar o ser humano.
- Síndrome de Stendhal: a inquietação diante da beleza. Doença psicossomática que causa aceleração cardíaca, tonturas, confusão e até mesmo alucinações quando o indivíduo é exposto a artes, especialmente quando a arte é particularmente bela ou se existe uma grande quantidade de obras de arte em um único local. Sim, as praias do litoral norte são um local propício para um ataque da síndrome. Dica: não olhe muito para os lados. Tem casais belos e felizes aos montes por lá, tem gente que abusa da capacidade de ser bonito. Afe 2.

Participações especiais de Fred Mercury, Jean Reno e seu barco (ele, Jean, em ótima forma, diga-se de passagem), o fofo do Edgar Piccoli e Fred Flinstone e seu amiguinho gay. E, claro, em homenagem ao Dia dos Mortos, os respectivos falecidos não foram esquecidos. Mas falamos só um pouquinho deles.

Teve muito mais, algumas coisas impublicáveis, outras eu não lembro mais. Mas foi bom, viu!? São Pedro foi 50% legal com a gente. Mas as cias eram 100% e por isso valeu muito muito. Amei.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

chama o intervalo, por favor. rápido.

Acabou a Mostra de Cinema de SP. Eu não vi nada. Há uns anos que vejo pelo menos um ou dois, justamente nesse, que fiz o maior estardalhaço que ia e tal, a coisa não acontece. Afe.

Será falta de tempo e acúmulo de trabalho dois argumentos justificáveis? Não sei. Mas são os únicos que tenho. Não houve nada assim magnífico durante este mês que se fue, apenas essas duas coisinhas. Uma em excesso, outra em falta.

Enfim, c´est la vie, agora é esperar os filmes mais legais chegarem por aqui e torcer para que seja rápido. E nós voltamos à nossa programação normal com títulos de posts também normais, alguns bem banais, é verdade.

Mas antes, faremos apenas uma breve pausa para o feriado. Diz a previsão do tempo que eu estarei numa praia com o sol brilhando. Mesmo que ele apareça pouco, estarei em ótima companhia e precisando mais do que nunca pensar na vida, nas coisas, nos meus projetos. Nunca 3 dias de ócio criativo foram tão aguardados como esses.

***

“Acordo com um ferro no coração. Qualquer movimento pode reabrir a ferida. O melhor é ficar quieto, aproveitar estes minutos, sentado na varanda, com vidros que me isolam do mundo a olhar o areal imenso e o mar branco lá ao fundo. Nada mexe e eu não me mexo. Se houvesse um sentido era este.”

(Pedro Paixão - Em teus braços morreríamos)

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

plus ça change

"O amor nos tira o sono, nos tira do sério,
tira o tapete debaixo dos nossos pés,
faz com que nos defrontemos com medos e fraquezas
aparentemente superados, mas também com insuspeitada
audácia e generosidade. E como habitualmente tem um fim
- que é dor - complica a vida.
Por outro lado, é um maravilhoso ladrão da nossa arrogância.
Quem nos quiser amar agora terá de vir com calma,
terá de vir com jeito.
Somos um território mais difícil de invadir,
porque levantamos muros,
inseguros de nossas forças disfarçamos a fragilidade
com altas torres e ares imponentes.
A maturidade me permite olhar com menos ilusões,
aceitar com menos sofrimento,
entender com mais tranqüilidade,
querer com mais doçura.
Às vezes é preciso recolher-se".

(Lya Luft)

Filme: Plus ça change. Direção: Christopher Tuckfield, Austrália.

o livro secreto

Fragmentos de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, livro que amo e que será a próxima leitura desta que vos fala:

"O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e inda mais alegre no meio da tristeza! Só assim de repente, na horinha em que se quer, de propósito - por coragem. Será? Era o que eu às vezes achava. Ao clarear do dia."

"...existe uma receita, a norma de um caminho certo, estreito, de cada pessoa viver - e essa planta cada um tem - mas a gente mesmo, no comum não sabe encontrar; como é que sozinho, por si, alguém ia poder encontrar e saber? Mas esse norteado tem. Tem que ter. Se não a vida de todos fica sendo sempre o confuso dessa doidera que é."

"Na própria precisão com que outras passagens lembradas se oferecem, de entre impressões confusas, talvez se agite a maligna astúcia da porção escura de nós mesmos, que tenta incompreensivelmente enganar-nos, ou, pelo menos, retardar que perscutemos qualquer verdade".

"O senhor... Mire e veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam. Verdade maior."

Filme: O Livro Secreto. Direção: Vlado Cvetanovski. França/ Macedônia, 2006.

domingo, 28 de outubro de 2007

um dia depois do outro

O fim de semana foi ótimo, obrigada. E olha que ele ainda não terminou. São apenas quatro da tarde de um domingo ensolarado e azul e ainda há coisas boas por vir antes de deitar a cabeça no travesseiro.

E, no fim das contas, me pego pensando que a gente não deve esperar muito da vida, não. Não precisamos muito mais que isso aqui:

À sombra de um jatobá
Toquinho

Raios de sol na varanda,
Verde cobrindo o jardim.
Poder sentir a vida espreguiçar
Com o cheiro da madrugada,
Dama-da-noite, jasmim.
Olhar no céu estrelas pra contar.

Ter meus amigos comigo,
Quem amo me amando, sim.
Longe do amor de quem nos finge amar.
Ver na manhã de um domingo
Meu filho sorrir pra mim.
Depois dormir à sombra de um jatobá.

Poucas coisas valem a pena,
O importante é ter prazer.
Longe de mim a inveja
E a maldade escondidas na vida.
Hoje estamos nós em cena
E não há tempo a perder,
Pois tudo acaba mesmo sempre em despedida.

Filme: Um Dia depois do Outro, Direção Amos Gitai, Israel, 1998.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

coisas da vida, meu amor

Por que tem vezes que a vida real se parece demais com a poesia - ou será o contrário?

Los formales y el frío

Quién iba a prever que el amor ese informal
se dedicara a ellos tan formales

mientras almorzaban por primera vez
ella muy lenta y él no tanto
y hablaban con sospechosa objetividad
de grandes temas en dos volúmenes
su sonrisa la de ella
era como un augurio o una fábula
su mirada la de él tomaba nota
de cómo eran sus ojos los de ella
pero sus palabras las de él
no se enteraban de esa dulce encuesta

como siempre o como casi siempre
la política condujo a la cultura
así que por la noche concurrieron al teatro
sin tocarse una uña o un ojal
ni siquiera una hebilla o una manga
y como a la salida hacía bastante frío
y ella no tenía medias
sólo sandalias por las que asomaban
unos dedos muy blancos e indefensos
fue preciso meterse en un boliche

y ya que el mozo demoraba tanto
ellos optaron por la confidencia
extra seca y sin hielo por favor

cuando llegaron a su casa la de ella
ya el frío estaba en sus labios los de él
de modo que ella fábula y augurio
le dio refugio y café instantáneos

una hora apenas de biografía y nostalgias
hasta que al fin sobrevino un silencio
como se sabe en estos casos es bravo
decir algo que realmente no sobre

él probó sólo falta que me quede a dormir
y ella probó por qué no te quedás
y él no me lo digas dos veces
y ella bueno por qué no te quedás

de manera que él se quedó en principio
a besar sin usura sus pies fríos los de ella
después ella besó sus labios los de él
que a esa altura ya no estaban tan fríos
y sucesivamente así
mientras los grandes temas
dormían el sueño que ellos no durmieron.

Mario Benedetti

Filme: Coisas da vida, meu amor. Direção: Yee Tung-Shing. Hong Kong, 1993.

só por hoje

E então eu conheci a poesia do uruguaio Mario Benedetti. Não me pergunte como; na maioria das vezes o poema cai na minha mão como um presente. Leio um trecho, uma frase, e se me agrada vou em busca de mais textos do mesmo autor. Foi assim com Mario. Li, conheci, gostei, pesquisei e gostei mais ainda.

E como hoje é um daqueles dias que, meio pelo cansaço, meio pelas atribulações do trabalho e otras coisitas más, você sente que está tudo meio nublado, lanço esse aqui, pra começar:

Alegría de la tristeza:

En las viejas telarañas de la tristeza
suelen caer las moscas de sartre
pero nunca las avispas de aristófanes

uno puede entristecerse
por muchas razones y sinrazones
y la mayoría de las veces sin motivo aparente
sólo porque el corazón se achica un poco
no por cobardía sino por piedad

la tristeza puede hacerse presente
con palabras claves o silencios porfiados
de todas maneras va a llegar
y hay que aprontarse a recibirla

la tristeza sobreviene a veces
ante el hambre millonaria del mundo
o frente al pozo de alma de los desalmados

el dolor por el dolor ajeno
es una constancia de estar vivo

después de todo / pese a todo
hay una alegría extraña / desbloqueada
en saber que aún podemos estar tristes

Mario Benedetti

Filme: Só por hoje. Direção: Roberto Santucci. Brasil, 2007.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

um certo olhar

Eu sou apaixonada por boas histórias. Li essa abaixo num blog muito bacana, mas cujo autor infelizmente parou de escrever em março de 2007.

Compartilho:

"Não gosto de literatura, odeio escrever, nunca vou ao cinema -- não sei como tudo isso se juntou. No começo de 82 fui fazer uns biscates em Buenos Aires e li nos classificados que procuravam alguém para auxiliar um velho. Achei gozado o que pediam no anúncio: "Dá-se preferência a quem não goste de filmes." Fui ver. Parece que em Buenos Aires são poucos os que não apreciam perder tempo no escuro do cinema. Cheguei lá; a mulher dele -- que no começo pensei ser a secretária -- , uma japonesa, me recebeu. Fui levado à sala dele. Idoso mesmo, uns oitenta e tantos, por aí. E cego. Achei gozado um cego numa sala cheia de livros. A japonesa confirmou meu desapego pelo cinema ("Desprezo", insisti) e me explicou: eu iria receber para ler livros técnicos sobre os fundamentos do cinema -- enquadramento, planos, fotografia. Depois de aprender o necessário, iria acompanhar o velho a uma antiga sala de cinema no bairro de Palermo. Minha tarefa era, portanto, ir descrevendo as fitas para ele, utilizando os jargões que guardaria do aprendizado. No começo foi complicado, mas logo me acostumei. "Travelling até uma casa amarela", eu dizia. "Corta para plano médio de uma moça de olhos grandes, grandes e cor de caramelo fervido. Fade." E o velho de olhar grudado na tela, como se enxergasse. Pareciam até brilhar, aqueles globos brancos. Lembro que o único atrito aconteceu na vez em que acabei me entusiasmando com uma cena e fiz sem querer um comentário sobre o cenário -- então o velho me cortou, a voz mais rouca do que de costume: "Quero seus olhos. Não sua opinião." No mais, tudo correu na mais perfeita normalidade. Depois o estado de saúde dele foi piorando, as sessões acabaram e em quatro ou cinco semanas eu deixava Buenos Aires, com um bom dinheiro no bolso. Meses depois recebi um bilhete da japonesa, dizendo que ele havia morrido e deixado uma carta de agradecimento para mim -- que seguia em anexo. Mas era uma longa carta, e eu já disse que não tenho paciência para isso de literatura. Joguei a carta fora sem ler e segui minha vida."

É difícil imaginar alguém que não goste de cinema, mas de qualquer forma eu achei esta história fascinante. Rende até filme. Argentino, claro. ;-)

Apesar da vida curta e do abandono precoce, tem mais aqui:
http://blogdebolso.aomirante.com/

Filme: Um certo olhar, Inglaterra e Canadá, 2006. Direção: Marc Evans.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

um outro tempo, um outro lugar

Chico Buarque teve muitos tempos difíceis no começo da carreira. Para quem não sabe ou mesmo pra quem quer relembrar, a história recente do nosso Brasil foi marcada pela ditadura militar, AI-5, torturas, nenhuma liberdade de expressão, torturas e mais torturas. Nesse cenário bem nebuloso e sombrio, o muso Chico Buarque, ainda rapazinho, recém-casado e com Marieta grávida da primeira filha, foi aconselhado pelo mestre Vinícius de Moraes a dar um tempo fora do Brasil, e foi o que fez em janeiro de 1969. Bem, essa história é relativamente conhecida. O mais doido disso tudo é que, já na Itália, Chico viu que o sonho de uma carreira internacional não seria tão fácil quanto ele pensara. Os shows foram ficando escassos e era preciso trabalhar. Desistir? Voltar pro Brasil? Não tão cedo. Foi então que ele se uniu ao amigo Garrincha, que também passava uma temporada lá. E na maior humildade do mundo...


Ele conta a história numa entrevista ao jornal Estado de S. Paulo:

(...) "Nós estávamos um pouco desamparados em Roma. Eu não estava trabalhando muito, estava vivendo um pouco de expectativa de voltar para o Brasil, e Garrincha estava lá fazendo alguns bicos como jogador, participava de algumas peladas porque ele gostava e ao mesmo tempo porque ele precisava, era um dinheirinho que entrava. Ele estava duro e eu também estava duro, então foi uma convivência muito especial, diferente de qualquer outra que possa ter. Ele era um sucesso formidável, íamos em lugares com arquibancadas improvisadas e tal, porque os jogadores não eram exatamente o Jordan e outros marcadores que teve, eram times amadores. Fazia umas três a quatro jogadas e saía aclamado de campo. Era impressionante a popularidade do Garrincha, lembra Chico, o motorista orgulhoso. A gente saía de carro e eu levava ele pra essas peladas. Era impressionante como, sete anos depois da Copa de 62, todo mundo ficava atrás: Garrincha! Garrincha! E eu era o chofer dele. (...) Eu via nele um sujeito muito sensível, a gente falava muito de música. Fiquei muito impressionado que Garrincha pudesse gostar de João Gilberto. E ele adorava João Gilberto. Nós falávamos de tudo, não era só de futebol. E falávamos tomando cerveja, tomando garapa. Ele bebia, e eu não posso falar nada porque eu bebia junto. Mas ele estava muito bem de espírito, nunca vi o Garrincha bêbado. Bebia bastante mas estava sempre alegre, não tinha aquela coisa depressiva do alcoolismo."


Sim, Chico foi o motorista do Garrincha. Não sei precisar por quanto tempo. Mas ele continuou compondo, claro. Foram seis discos neste período de 1968 a 1970. Só pra ter uma idéia, é dessa época "Ela desatinou", "Olê, Olá", "Apesar de você" e tantas outras. Esta última virou um dos hinos contra a opressão.

Podia até faltar luxo e fartura à mesa, mas inspiração, esta estava sempre com ele. Muso é muso mesmo, não tem jeito. Faz coisas belas até nos momentos mais críticos.

Filme: Um outro tempo, um outro lugar. Direção: Michael Radford. Grã-Bretanha, 1982.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

amor pulsa mais rápido que sangue

"Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe.

Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.

Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não. Só um minuto de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também."

[Miguel Esteves Cardoso]

Li o texto acima em uma comunidade de poesia que participo. Sim, há vida inteligente no orkut. Bem, fiquei um pouco confusa com algumas afirmações, triste com outras, mas o fato é que o texto fez pensar, rendeu devaneios para a semana inteira, e isso é bom. E lembrei de um excerto de Rubem Alves que gosto muito:

"Compreendi que a vida não é uma sonata que, para realizar sua beleza tem de ser tocada até o fim. Dei-me conta, ao contrário, de que a vida é um álbum de minissonatas. Cada momento de beleza vivido e amado, por efêmero que seja, é uma experiência completa que está destinada à eternidade. Um único momento de beleza e de amor justifica a vida inteira."

[Rubem Alves]

Filme: Amor pulsa mais rápido que sangue. Diretor: Hideki Kitagawa. Japão, 2007.

todas as belas promessas

"Sei que se eu abandonar o que foi uma vida toda organizada pela esperança, sei que abandonar tudo isso - em prol dessa coisa mais ampla que é estar vivo - abandonar tudo isso dói como separar-se de um filho ainda não nascido, só prometido, e isso machuca. Mas sei que ao mesmo tempo quero e não quero mais me conter. É como na agonia da morte: alguma coisa na morte quer se libertar e tem ao mesmo tempo medo de largar a segurança do corpo. Sei que é perigoso falar na falta de esperança, mas ouve - está havendo em mim uma alquimia profunda, e foi no fogo do inferno que ela se forjou. E isso me dá o direito maior: o de errar. "

Clarice Lispector


Filme: Todas as belas promessas. Diretor: Jean Paul Civeyrac, França, 2003.

domingo, 21 de outubro de 2007

memória para uso diário

"Um refúgio? Uma barriga? Um abrigo onde se esconder quando estiver se afogando na chuva, ou sendo quebrado pelo frio, ou sendo revirado pelo vento? Temos um esplêndido passado pela frente? Para os navegantes com desejo de vento, a memória é um ponto de partida."

"A memória guardará o que valer a pena. A memória sabe de mim mais que eu; e ela não perde o que merece ser salvo."

Eduardo Galeano


Para quem não conhece o cara, aí vai:

Eduardo Hughes Galeano (Montevidéu, 3 de setembro de 1940) é um jornalista e escritor uruguaio. Suas obras já foram traduzidas em diversas línguas. Costuma escrever seus livros no formato de pequenas histórias que contempla desde assuntos políticos relevantes na história da América Latina até assuntos simples, como o cotidiano e o futebol. Galeano é comparado a John Dos Passos e Gabriel García Márquez. Uma de suas obras de maior relevância política e importância é "As Veias Abertas da América Latina".

Ahh, o filme:

Memória para uso diário. Brasil, 2007. Direção: Beth Formaggini.

sábado, 20 de outubro de 2007

desejo e reparação

Tarde

É isto que me cabe.
Dentro disto é necessário caber
até que tudo acabe.

Mas há nisso uma espécie de prazer,
uma volúpia esguia,
impalpável, difícil de dizer,

feito uma melodia
que se escutou e depois se esqueceu,
porém retorna um dia,

inconfundível: sim, este sou eu,
e eis aqui o palácio
que construí, e agora é todo meu:

um só andar, um passo
de frente e um de fundo. É um bom começo.

Paulo Henriques Britto

(do poema Balanços)

Filme: Desejo e Reparação - Inglaterra, 2007. Diretor Joe Wright.

ação entre amigos*

Tenho percebido uma coisa muito boa que está acontecendo há algum tempo, mas com certeza se solidificou neste ano: eu pertenço a alguns grupos de amigos, e sinto que "faço parte" de todos eles. Não apenas estou lá presente como sou convidada, sou bem-vinda, solicitada, enfim, sou amada. Isso não é nem um pouco banal para alguém que nunca se sentiu totalmente aceita em grupo algum, sempre precisou cavar um espacinho para fazer amigos e ser mais uma na turma. E de repente, no alto dos quase 30, eu sou bem feliz por estar em 6 grupinhos muito especiais, que reúnem pessoas ainda mais especiais, cada um a sua maneira. Os 6 grupos não conversam em si, o que é ainda mais legal porque eu vou acumulando muita gente querida nesta caminhada.
A todos os seres que fazem parte disso (eles certamente sabem quem são), OBRIGADA.

* A partir de hoje, os posts terão títulos de filmes da Mostra Internacional de Cinema, que começou hoje em São Paulo. Até quando eu quiser e achar que vale a pena, filmes novos e antigos estrelarão os posts. A única regra que não pode ser quebrada: tem que ter passado na Mostra de Cinema. Pra começar, Ação entre amigos, filme brasileiro do Beto Brant, de 1998.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

fabuloso destino

Diálogo extraído de "O Fabuloso Destino de Amèlie Poulain", que certamente ganha disparado na lista dos Top10 dos filmes da minha vida:

Amèlie - Sabe a garota do copo de água?
Homem de Vidro - Sei.
Amèlie - Se parece distante, talvez seja porque está pensando em alguém.
Homem de Vidro - Em alguém do quadro?
Amèlie - Não, um garoto com quem cruzou em algum lugar, e sentiu que eram parecidos.
Homem de Vidro - Em outros termos, prefere imaginar uma relação com alguém ausente a criar laços com os que estão presentes.
Amèlie - Ao contrário, talvez tente arrumar a bagunça da vida dos outros.
Homem de Vidro - E ela? E a bagunça na vida dela?

É, faz pensar mesmo. Não apenas este diálogo, mas o filme todo. A gente pára e pensa nas nossas relações, nas coisas e pessoas que consideramos importantes, na maneira como levamos a vida. Nos pequenos prazeres que fazem cada ser diferente, único e especial. E em todas as sutilezas da vida, porque pra mim esse é filme é feito basicamente disso. Momentos, pessoas, sentimentos e sensações que só você tem, porque viveu, presenciou, fez parte da "cena". E eu sei que um dia ainda andarei por aquelas bandas de Montmartre, insuportavelmente feliz, se possível na primavera, se possível com um "Nino" a tiracolo. Só questão de tempo. ;-)

ah, o amor

Delícia de poema... adorei!

Vamos brincar, amor? Vamos jogar peteca
Vamos atrapalhar os outros, amor, vamos sair correndo
Vamos subir no elevador, vamos sofrer calmamente e sem precipitação?
Vamos sofrer, amor? Males da alma, perigos
Dores de má fama íntimas como as chagas de Cristo
Vamos, amor? Vamos tomar porre de absinto
Vamos tomar porre de coisa bem esquisita, vamos
Fingir que hoje é domingo, vamos ver
O afogado na praia, vamos correr atrás do batalhão?
Vamos, amor, tomar thé na Cavé com madame Sevignée
Vamos roubar laranja, falar nome, vamos inventar
Vamos criar beijo novo, carinho novo, vamos visitar N. S. do Parto?
Vamos, amor? Vamos nos persuadir imensamente dos acontecimentos
Vamos fazer neném dormir, botar ele no urinol
Vamos, amor?
Porque excessivamente grave é a Vida.

Vinícius de Moraes

Poema copiadinho, assim de leve, do blog da Dri. A menina manda tão bem que há algumas coisas que fica impossível não tomar pra si. Valeu, Dri!

Este poema me fez lembrar Ivan Lins cantando:

"Lembra de mim
Nós dois na rua provocando os casais
Amando mais do que o amor é capaz
Perto daqui
Há tempos atrás"

domingo, 14 de outubro de 2007

venter auribus caret

"O Nunca Mais não é verdade.
Há ilusões e assomos, há repentes
De perpetuar a duração.
O Nunca Mais é só meia-verdade
Como se visses a ave entre a folhagem
E ao mesmo tempo não."

Hilda Hilst

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

a seguir, cenas inéditas.

Em breve, nas telas do nosso Brasil varonil, 2 filminhos que têm motivos de sobra para eu sair da minha corrida rotina e ir ao cinema...

EBA 1
Aos poucos o elenco de Sex And The City, o filme, vai se formando. Agora foi a ganhadora do Oscar de Atriz Coadjuvante deste ano, Jennifer Hudson, que confirmou sua participação na adaptação do seriado. Jennifer fará a assistente de Carrie Broadshaw, personagem de Sarah Jessica Parker na história. Estão confirmadas, ainda, no elenco, as protagonistas Kim Cattrall, Cynthia Nixon e a bela Kristin Davis. Chris Noth também vai reprisar seu papel de Mr. Big. As filmagens começam na semana que vem.

EBA 2
Pedro Almodóvar vai filmar novamente com sua principal atriz, Penélope Cruz, depois de Volver (2006), Tudo Sobre Minha Mãe (1999) e Carne Trêmula (1997). A produção começa a ser rodada apenas no ano que vem, depois que Penélope terminar seu filme com Woody Allen (que está sendo rodado em Barcelona) e sua participação no musical Nine, do norte-americano Rob Marshall (de Chicago).

Li no blog de cinema do jornal A Tribuna: http://www.cineblogat.globolog.com.br/?opr=455

Amo muito tudo isso: as meninas do Sex and the City com os dilemas sentimentais e profissionais (que, pensando bem, são mais universais do que parecem) e a deliciosa mistura de Almodóvar com Penélope... Quem viu os últimos filmes dele sabe o tempero e o talento que a moça tem. É fato, ela está incrivelmente melhor em Volver. O que só me deixa com mais vontade ainda de ver este novo filme... pena que as filmagens começam só ano que vem, ou seja, senta e espera que o filme mesmo deve ficar pronto lá pra 2009...

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Soneto puro

Fique o amor onde está; seu movimento
nas equações marítimas se inspire
para que, feito o mar, não se retire
das verdes áreas de seu vão lamento.

Seja o amor como a vaga ao vago intento
de ser colhida em mãos; nela se mire
e, fiel ao seu fulcro, não admire
as enganosas rotações do vento.

Como o centro de tudo, não se afaste
da razão de si mesmo, e se contente
em luzir para o lume que o ensolara.

Seja o amor como o tempo — não se gaste
e, se gasto, renasça, noite clara
que acolhe a treva, e é clara novamente.

Lêdo Ivo In Antologia Poética

pensamiento

Neste momento, Marina de la Riva -poderosa, como sempre- deve estar entrando no auditório da Livraria Cultura do Conjunto Nacional, para mais um show da programação do Corredor Literário da Paulista. Mesmo teatro onde assisti, no último sábado, à gravação do programa "No divã do Gikovate", programa de rádio do famoso terapeuta e psicanalista e que é gravado ao vivo uma vez ao mês. Muito bons - o Flavio, o programa e o teatro, que não conhecia.

Boas vibrações pra você, menina. Que seja tão bom quanto aquele lá. Perfeito, como deve ser. Todos afinadíssimos e felizes. Desta vez não vai dar. Até pensei em ir, but... it´s too heavy.

Marina de la Riva é brasileira, de ascendência cubana. Linda, talentosa e com muita presença de palco. E canta, viu. Como canta. Sambas, boleros e mais.

Conheça e se apaixone: http://www.marinadelariva.com/

palavras, apenas.

Tu sabes que as palavras não estão em nenhum lugar
embora possam vir de uma região subterrânea
ou da parte mais alta da cabeça como ondas
que às vezes são de areia ou de cal mas outras de
[ um sangue negro ou verde

Quer escrevas quer não escrevas
estás sempre à beira de
uma zona inexplorável
mas que uma palavra a única e que tu não
[ esperavas e esperavas
faz estremecer como a possibilidade iminente
de uma actualidade de palavra viva
O teu corpo estremece antes e depois
porque o inviolável transgride os limites
da precária segurança desse frágil suporte
que poderia estalar e desagregar-te
Mas perante a palavra que vai à tua frente
tu sentes o glorioso frémito
da queda na brancura ou num deserto fulminante

Antonio Ramos Rosa, IN A Imobilidade Fulminante (1998)

maktub. ou acaso. ou nada disso.

Cada vez mais fica a certeza límpida e clara de que nada, nada nessa nossa vidinha - feita de momentos breves, fugazes e belos - acontece por acaso.

Mas aí de repente eu li isso aqui e fiquei bem confusa... quem puder me ajudar a entender, por favor, o faça. Mas faça rápido, sim!? rs

"Só o acaso pode ser interpretado como uma mensagem. Aquilo que acontece por necessidade, aquilo que é esperado e que se repete todos os dias, não é senão uma coisa muda. Somente o acaso tem voz. Tentamos interpretar o acaso como as ciganas lêem no fundo de uma xícara o desenho deixado pela borra de café! O acaso tem suas mágicas, a necessidade não. Para que algo seja inesquecível, é preciso que os acasos se juntem desde o primeiro instante, como os passarinhos sobre os ombros de São Francisco de Assis."

Milan Kundera

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

capisce?

(...) "A solução, concordo, não está na temperança. Nunca esteve nem vai estar. Sempre achei que os dois tipos mais fascinantes de pessoas são as putas e os santos, e ambos são inteiramente destemperados, certo? Não há que abster-se: há que comer desse banquete. Zézim, ninguém te ensinará os caminhos. Ninguém me ensinará os caminhos. Ninguém nunca me ensinou caminho nenhum, nem a você, suspeito. Avanço às cegas. Não há caminhos a serem ensinados, nem aprendidos. Na verdade, não há caminhos. E lembrei duns versos dum poeta peruano (será Vallejo? não estou certo): “Caminante, no hay camino. Pero el camino se hace al andar".

Zézim, vou te falar um lugar-comum desprezível, agora, lá vai: você não vai encontrar caminho nenhum fora de você. E você sabe disso. O caminho é in, não off. Você não vai encontrá-lo em Deus nem na maconha, nem mudando para Nova York, nem."

Caio Fernando Abreu, IN Carta ao Zézim

sábado, 6 de outubro de 2007

sobre a vida...

Pode parecer piegas, pode parecer qualquer coisa de bom ou mau, mas é fato: eu amo a vida. Amo ser quem sou, amo meus amigos, meu trabalho, minha família. Enfim, todo o pacote agrada. Podia ser melhor? Sim, claro, sempre queremos mais. E este "impulso vital" é necessário e muito bem-vindo. É ele que faz a gente continuar na batalha, seguir em frente e lembrar do Gonzaguinha: "É a vida, é bonita, é bonita e é bonita".

Lembro também dessas figuras aqui:

"Na vocação para a vida está incluído o amor, inútil disfarçar, amamos a vida. E lutamos por ela dentro e fora de nós mesmos. Principalmente fora, que é preciso um peito de ferro para enfrentar essa luta na qual entra não só o fervor mas uma dose de cólera, fervor e cólera. Não cortaremos os pulsos, ao contrário, costuraremos com linha dupla todas as feridas abertas."
[Lygia Fagundes Telles]

“Vim para amar e ser desamado, vim para experimentar dúvidas e contradições. São as contingências do existir. Que importa o mundo e suas ilusões defuntas? A vida, quero vivê-la.”
[Murilo Mendes]

"A vida é maravilhosa, mesmo quando dolorida. Eu gostaria que na correria da época atual a gente pudesse se permitir, criar, uma pequena ilha de contemplação, de autocontemplação, de onde se pudesse ver melhor todas as coisas: com mais generosidade, mais otimismo, mais respeito, mais silêncio, mais prazer. Mais senso da própria dignidade, não importando idade, dinheiro, cor, posição, crença. Não importando nada".
[Lya Luft]

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

eventos

Ou eu estou muito por fora, ou boas iniciativas culturais como o Corredor Literário não são divulgadas como deveriam.

Acabo de saber que esta semana inteira foi de eventos em 6 espaços, todos na Av. Paulista. Eu sou relativamente bem informada, moro em Sampa, perto dos locais, e não fiquei sabendo de nada. Caraca. Ódio master. Perdi palestra do Daniel Piza, perdi debate sobre a obra do Almódovar e Marina Colasanti - e a relação de ambos com as histórias de contos de fada, perdi um monte de coisa legal. Ah, magoei.

Tudo bem, o evento vai até 14/10. Mas nesta mesma semana que inclui o feriado, estará acontecendo em Santos a Fenalba - 6ª Feira Nacional do Livro da Baixada Santista, também com ciclo de palestras e debates.

Isso é sacanagem. Da grossa. Porque 2 eventos literários na mesma semana e na mesma região, me diz? Alguém já inventou uma fórmula pra estar em 2 lugares ao mesmo tempo? :-/

Para quem se interessar...

Corredor Literário: http://www.corredorliterario.com.br/
Fenalba: http://www.fenalba.com.br/

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

paixão antiga...

... sempre mexe com a gente. Calma. Falo de cinema, arte que amo, assim como música e literatura. Já fui mais cinéfila, hoje falta tempo, grana, cia, um monte de coisa. Não, eu não gosto de enfrentar a sala escura sozinha. Até vou, mas odeio. Gosto de comentar o filme, de dividir a pipoca e o guaraná, de ter com quem trocar uma idéia antes, durante e após o evento. Claro, continuo gostando muito de cinema, principalmente o europeu, argentino e oriental. Brasileiro também, às vezes. Americano, alguns. E vou sempre que posso.

Os últimos vistos foram:

O GRANDE CHEFE The Boss of It All. Dinamarca, 2006. Direção: Lars von Trier.
Com: Jens lbinus, Peter Gantzler e Fridrik Thor Fridriksson. 99 min. 16 anos. Dono de uma empresa de tecnologia quer vender a companhia, mas se depara com dificuldades ao lembrar que criou um chefe fictício para respaldá-lo nas decisões. Para resolver o impasse, ele contrata um ator para se passar pelo chefe.

A VIDA SECRETA DAS PALAVRAS La Vida Secreta de las Palabras. Espanha, 2005.
Direção: Isabel Coixet. Com: Sarah Polley, Tim Robbins e Javier Cámara. 115 min. 14 anos. Durante as férias num pequeno povoado, enfermeira introvertida cuida de um homem que sofreu graves queimaduras numa plataforma petrolífera.

Ambos muito bons. O primeiro é bem hilário, o segundo é triste de doer. Não é o momento de encarnar Merten ou Rubens Ewald agora, estou com pressa e corro um sério risco de falar besteira. Mas, se a minha humilde opinião servir pra alguma coisa, a dica é: veja os dois. E depois me conte o que achou. Ambos ainda em exibição em SP.

E está chegando a Mostra Internacional de Cinema de SP. Começa dia 19 de outubro e vai até 01 de novembro. O povo enlouquecido atrás de ingressos, as filas homéricas no Conjunto Nacional, os tipos mais bizarros nos cinemas. Eu tenho consciência de que não verei nem a metade dos mais bacanas. Parei de desejar o impossível e sofrer com isso. Lição que aprendi com a Ju, amiguinha cinéfila e cia para os 2 filmes acima. Quero ver uns 2 ou 3. Já ficarei bem satisfeita com eles. E com a cia que vier, e com a pipoca gostosa, e com a pizza que a gente come depois do cine. Acho que não é pedir muito, né?!

para ler, escutar e gostar

Você já leu a Revista Piauí? Eu nunca li a da banca, mas a da internet conheci outro dia e gostei bastante. Tá, eu não li muita coisa, mas me apaixonei por uma seção com poesias em áudio do Eucanaã Ferraz.

Para ouvir, acesse: http://www.revistapiaui.com.br/artigo.aspx?id=363

As duas que mais gostei:

VINHETA
Ame-se o que é, como nós, efêmero. Todo o universo podia chamar-se: gérbera. Tudo, como a flor, pulsa e arde e apodrece. Sei, repito ensinamento já sabido e lições não dizem mais que margaridas e junquilhos. Lições, há quem diga, são inúteis, por mais belas. Melhor, porém, acrescento, se azuis, vermelhas, amarelas.

INTERVALO
É o que lhe digo: a medida. Quantos de nós entre nós se tantos os vazios a preencher entre querermos e a distância? A delicadeza dá dois passos. A vontade avança. A dúvida recua. Quantos de você entre você e Camus, entre você e a casa, entre você e quase, entre você e o nó que lentamente vai desatando entre você e nós? Há muitos entre nós: que somos, que não somos, que seríamos, entre a sua voz e ouvi-la entre a vertigem de tocar, por sobre o Saara, as mãos e o jardim que nelas se abre, agora que não há senão um sim e um sim, e temos sede, e rimos alto entre livros, arrebatamentos, amendoeiras e a impressão de que, sem deixar traço, todos desapareceram.

Poesias belíssimas. E em áudio soam ainda melhores.

Eucanaã é poeta, carioca, de 1961. Mais aqui: http://eucanaaferraz.com.br/

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Sobre as memórias

Memória é onde se guardam as coisas do passado. Há dois tipos de memória: memórias sem vida própria e memórias com vida própria.

As memórias sem vida própria são inertes. Não têm vontade. Sua existência é semelhante à das ferramentas guardadas numa caixa. Não se mexem. Ficam imóveis nos seus lugares, à espera. À espera de que? À espera de que as chamemos. Ao chegar a um hotel a recepcionista nos entrega uma ficha para ser preenchida. Lá estão os espaços em branco onde deverei escrever meu nome, endereço, número da carteira de identidade, do CPF, número do telefone, e-mail. Abro a minha caixa de memórias sem vida própria e encontro as informações pedidas. Se desejo ir do meu apartamento à casa de um amigo eu pergunto: que ruas tomar para chegar lá? Abro a caixa de ferramentas e lá encontro um mapa do itinerário que devo seguir. É da caixa das memórias sem vida própria que se valem os alunos para responder às questões propostas pelo professor numa prova. Se a memória não estiver lá ele receberá uma nota má...

São essas as memórias que os neurologistas testam para ver se uma pessoa está sofrendo do mal de Alzheimer. O médico, como quem não quer nada, vai discretamente fazendo perguntas sobre a cidade onde se nasceu, o nome dos pais, onde moram os filhos. Se a pessoa não souber responder é porque sua caixa de memórias está vazia. Essas memórias são muito importantes. Sem elas não poderíamos nos virar na vida. Estaríamos sempre perdidos.

As memórias com vida própria, ao contrário, não ficam quietas dentro de uma caixa. São como pássaros em vôo. Vão para onde querem. E podemos chamá-las que elas não vêm. Só vêm quando querem. Moram em nós mas não nos pertencem. O seu aparecimento é sempre uma surpresa. É que nem suspeitávamos que estivessem vivas! A gente vai calmamente andando pela rua e, de repente, um cheiro de pão. E nos lembramos da mãe assando pães na cozinha... Viajando, olhando a paisagem com pensamento perdido, vemos um rio. E a alma começa a recitar "O Tejo é mais belo que o rio da minha aldeia. Mas o Tejo não é mais belo que o rio da minha aldeia. Porque o Tejo não é o rio da minha aldeia." E nos lembramos então do riachinho em que brincávamos quando crianças.

Uma leitora enviou-me um e-mail em inglês. Desculpou-se. É egípcia. Vive no Brasil, entende bem o português mas tem dificuldades em se expressar. Disse-me que gostava das coisas que escrevo. Escreveu-me para dizer que uma palavra, uma única palavra que eu havia escrito a apunhalara. Numa crônica que eu escrevera para minhas netas, contando como era a vida na roça, disse que não havia eletricidade. Portanto não havia geladeiras. As comidas eram guardadas num armário de tela chamado "guarda-comida". Essa foi a palavra que a apunhalou.
Como é que uma palavra tão banal pode apunhalar? Não foi a palavra. Foi a lembrança. Ela já havia se esquecido de que essa palavra existia. Aí, quando ela a leu, um passado longínquo retornou. Ela se viu menina na cozinha de sua casa no Cairo. Lá havia um guarda-comida...

"Alma" é o nome do lugar onde se encontram esses pedaços perdidos de nós mesmos. São partes do nosso corpo como as pernas, os braços, o coração. Circulam em nosso sangue, estão misturadas com os nossos músculos. Quando elas aparecem o corpo se comove, ri, chora...
Para que servem elas? Para nada. Não são ferramentas. Não podem ser usadas. São inúteis. Elas aparecem por causa da saudade. A alma é movida à saudade. A alma não tem o menor interesse no futuro. A saudade é uma coisa que fica andando pelo tempo passado à procura dos pedaços de nós mesmos que se perderam.

Minha amiga querida Maria Antônia de Oliveira escreveu:
"A vida se retrata no tempo formando um vitral, de desenho sempre incompleto, de cores variadas, brilhantes, quando passa o sol. Pedradas ao acaso acontece de partir pedaços ficando buracos, irreversíveis. Os cacos se perdem por aí. Às vezes eu encontro cacos de vida que foram meus, que foram vivos. Examino-os atentamente tentando lembrar de que resto faziam parte. Já achei caco pequeno e amarelinho que ressuscitou de mentira, um velho amigo. Achei outro pontudo e azul, que trouxe em nuvens um beijo antigo. Houve um caco vermelho que muito me fez chorar, sem que eu lembrasse de onde me pertencera." (Ceriguela, p.14)

É com esses cacos de memória, pedaços de nós mesmos, que se escrevem romances, estórias infantis, poesia, lendas, mitos religiosos, utopias. Nietzsche dizia que só amava os livros escritos com essas memórias, escritos com sangue. E Guimarães Rosa dizia a seus leitores que, para se ser escritor é preciso conhecer a alquimia do sangue do coração humano. Ler um livro escrito com sangue é participar de um ritual antropofágico. É uma celebração eucarística.

Quando eu contava uma estória para minha filha pequena ela me perguntava: "Papai, essa estória aconteceu mesmo?" Traduzindo em linguagem de adulto: essas memórias são memórias de coisas que aconteceram ou são invenções? Eu ficava quieto, sem saber o que dizer. A explicação seria: "Não aconteceu nunca para que aconteça sempre..." O corpo se alimenta do que não existe. Temos saudade do que nunca aconteceu.

É muito fácil contar o passado usando as memórias sem vida própria. É só coletar os fatos e organizá-los numa ordem temporal e espacial. É assim que se escreve a "história". Mas é muito difícil contar as memórias com vida própria. Mia Couto, escritor angolano, sabe disso. Eis o que escreveu: "O que Dona Luarmina me solicita são exactas memórias. E isso é o que eu menos quero. Não é que me faltem lembranças. Estão é espalhadas em toda a minha substância. Meu corpo foi-se tornando um cemitério de tempo, parece um desses bosques sagrados onde enterramos nossos mortos."

As coisas se complicam quando é um velho contando estórias da sua infância. A saudade mistura tudo. A saudade não conhece o tempo. Não sabe o que é antes e nem depois. Tudo é presente. "A lembrança pura não tem data. Tem uma estação. Que sol ou que vento fazia nesse dia memorável? O devaneio não conta histórias..." (Bachelard)

Aí vem a confusão. O escritor duvida de suas lembranças e pergunta como a Adélia Prado: "Houve esta vida ou a inventei?" Se a Adélia dirigisse a mim a sua pergunta acerca das coisas que eu conto eu responderia. "Se essa vida não houve, quando a escrevo fica havendo...

Rubem Alves
(Correio Popular, 28/08/2005)

poesia na Paulista

A Casa das Rosas passou por uma grande reforma em suas instalações. Espaço tradicional da cultura paulistana, está de volta com alguns eventos. Algum tempo atrás, eu fui em dois saraus e gostei bastante. Pretendo voltar em breve.

Um pouco da história do lugar:

Construída numa área de 5.500 metros quadrados, a Casa possui 30 cômodos no estilo arquitetônico francês, além um enorme vitral colorido, que decora o hall de entrada. Seus pavimentos se dividem em térreo, mansarda, primeiro andar e porão. A atração do espaço é o jardim, inspirado do Palácio de Versalhes, que abriga o famoso roseiral, origem do nome da casa.

(...)
Em 2004, a Casa das Rosas foi reinaugurada com nova vocação: o primeiro espaço público do país destinado à poesia, nomeado de Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, abrigando o acervo de cerca de 30 mil volumes da biblioteca do poeta, tradutor e ensaísta Haroldo de Campos (1929-2003). A atribuição desta nova vocação à Casa das Rosas tem se revelado um grande acerto: uma biblioteca circulante especializada em poesia, cursos bimestrais, exposições, peças de teatro, lançamentos de livros, palestras, eventos musicais.

Veja a programação de eventos aqui:
http://www.casadasrosas.sp.gov.br/

terça-feira, 2 de outubro de 2007

aviso

Peço àqueles que me amam
intensamente,
que aguardem pacientemente
do lado de fora.
Se a porta não abrir
E o tempo passar,
É melhor desistir e ir embora.
Fiquei com aqueles que me fazem amar.

(Flora Figueiredo)

Gentilmente copiado e enviado pela queridíssima Liloka.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Itapoã é aqui

O que faz um dia comum se tornar um dia especial? Na minha opinião, um conjunto de fatores:

1. Você estar bem com você mesma, feliz, animada;
2. Estando ok no item 1, programar-se para estar com pessoas que te fazem bem, cujas companhias são sempre boas, agradáveis. Aquele tipo de pessoa que você quer estar sempre perto, conversa o dia inteiro e o papo não acaba, porque a coisa flui, independente de qualquer coisa;
3. Se estar com pessoas amigas já é bom, imagina fazer programas bacanas com elas então? Sim, é maravilhoso. Quem tem amigos sabe bem disso. Quem não tem deve sofrer pela falta que eles fazem (os amigos e os programas).

Enfim, este final de semana foi puro deleite de sexta a domingo, com os atributos acima e mais. Pessoas adoráveis, papo leve, despretensioso, muitas risadas, almoços fartos e deliciosos, algumas surpresas (ui!), MPB de primeira linha e muito afeto, muito mesmo. Algumas das pessoas que mais amo estavam comigo este findis. Obrigada, Sil, Li e Ju. Vocês nem imaginam o quanto são importantes.

Ahh, e de quebra teve show do Toquinho na sexta no Via Funchal. AMEI. O cara está mandando tão bem quanto Baden Pawell no violão. Show de bola mesmo. Gil, queridíssimo, serei eternamente grata pelo convite.

E hoje eu fiquei pensando que nem preciso passar uma tarde em Itapoã para passar momentos felizes. Que nada. Itapoã é aqui mesmo.