domingo, 29 de julho de 2012

sobre vontades e ansiedades...

Achei perfeito, a minha cara, nem mais, nem menos: 


"De vez em quando me perco dentro de mim. É engraçado, mas fico contando coisas para meus botões. Listando tudo que quero fazer até o fim da vida. É tanta coisa que acho que não vai dar tempo. Vou torcer que dê. Porque a vontade de fazer é imensa. E intensa. Deve ser por isso que ando mais quieta, mais na minha, escondida em um cantinho de mim. Fico querendo guardar as coisas para não deixar escapar nada entre os dedos. É uma vontade louca de fazer. Ando escondida, eu sei. Vivendo por dentro e por fora. Às vezes aos trancos e barrancos. Mas acho que a vida é isso mesmo, um dia é bom e o outro é uma porcaria. Não dá pra ser feliz o tempo todo. Por sinal, desconfio de felicidades instantâneas e constantes. Soa meio falso. Gente de carne e osso é alegre e triste. É inconstante. Porque a vida é montanha-russa. E eu adoro andar nela. Por isso vivo sempre na fila do parque."

Clarissa Correa

sexta-feira, 27 de julho de 2012

te devorar por dentro

Eis que este texto lindo chegou até mim em um dos momentos mais tensos, onde ele poderia ter sido postado aqui, mas por algum motivo não o fiz. Como é lindo, achei que merece ser postado, mesmo fora do contexto atual, menos tenso e mais doce, leve e feliz: 


"Quantas coisas eu perderia para estar na sua frente agora? Exatamente agora. Não há antes, não há futuros previstos. Eu só queria esse segundo de toda a eternidade que existe, só para te olhar firme e doce, te desarmar sem meus truques, sem gestos brutos, saber me tatuar por todos os teus pensamentos e te devorar por dentro sem mostrar tudo que posso. Como eu queria ser dona das horas que nos restam para mudar todo o destino. Embora seja tão injusto, que chances você teria preso no meu olhar por um milésimo de segundo?"


Cáh Morandi

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Eu e meus mitos

Eu amei o texto autobiográfico escrito pela Marla de Queiroz (que conheci outro dia por alguém très especial). Me identifiquei tanto que resolvi reproduzir aqui (tirei algumas pequenas partes que eram muito específicas do momento dela):


        "Não encontrei o mar revolto em Pessoa, mas vi em Hilda Hilst seu jeito destemido de ser tão obscena e obcecada. Não fui moça casadoira como Adélia Prado, eu me inseri na babilônia da lascívia de Anais Nin, entre a loucura, a delícia e a razão fantasiada. Eu quis salvar a vida de Ana C. que virou passarinho em Manoel de Barros. Estive com Clarice, Caio e Mia Couto, mas quis que Guimarães me amasse qual neblina Diadorim: faltou meu Riobaldo, um rio nosso, terra seca e a boca molhada de neologismos pra mulher amada.
         (Fui quase injusta em desejar que as coisas tivessem sempre um real tamanho, que as fomes fossem saciadas sempre pelo melhor gosto, que a chuva só desabasse em tempos de matar a sede.) Tranquei meus dias ruins nas cores de um Miró aceso.
         (...) Se quase sucumbi num poço de tristeza, me reergo até hoje, constante e amiúde, fazendo o meu melhor_ fiz o maior que pude. Mas não me preservei: ainda sou lanhada pelos galhos de matas fechadas que são o meu altar, minha estrada.
        Engulo o amargo da saudade sem fazer careta, absorvo o azedo da rejeição sem me achar menor, abro os braços para a escuridão contando estrelas, gasto cada gota de suor e sangue nas minhas entregas. E não economizo gargalhadas, mas pago o preço alto do inconveniente de viver no mundo paralelo e metafísico onde vivem as palavras.
       Estive em muitas páginas. Grifei muitos parágrafos. Sorvi tantas inglórias e orgasmos e vitórias. (...) Eu tenho um jeito enorme de amar pra sempre, mas sou desajeitada.
Eu tenho um jeito imenso de ser comovente, mas sempre concluo as histórias na hora errada."


Marla de Queiroz
(texto publicado em sua página no facebook)

segunda-feira, 23 de julho de 2012

reticências tão demoradas que as filas chegavam a deter-se um pouco


(...) Depois os dois se abraçaram e se deram beijos nas duas faces e como duas pessoas que não se vêem há muito tempo atropelaram perguntas como: por onde é que tu anda, criatura, ou exclamações como: mas tu não mudou nada, ou reticências tão demoradas que as filas chegavam a deter-se um pouco, as pessoas reclamando e uma hesitação entre mergulhar nas gentes entre um beijo e um me telefona qualquer dia e ficar ali e convidar para qualquer coisa, mas um medo que doesse remexer naquilo, e tão mais fácil simplesmente escapar que chegou a dar dois passos. Ou três. 


[Caio Fernando Abreu]

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Chuva sobre o rosto


SEM TI


E de súbito desaba o silêncio.
É um silêncio sem ti,
sem álamos,
sem luas.


Só nas minhas mãos
ouço a música das tuas.


EUGÉNIO DE ANDRADE, in CHUVA SOBRE O ROSTO, (Modo de Ler/Ed. Afrontamento, 2009)




terça-feira, 10 de julho de 2012

sobre madrugadas e tristezas

Estou articulando ideias e pensamentos para postar aqui. Quero e preciso liberar algumas cousas. Assim, com U mesmo, como eram as cousas de Pessoa. Duras. 


Mas, enquanto isso, eis que me chega às mãos este texto, perfeitinho para este momento: 


"às vezes uma chuva molhada é uma coisa boa para escorregar momentos em direcção a mim. quando uma chuva molhada cai sobre o mundo redondo, as coisas da vida e a vida das coisas encontram-se num quintal vasto. foi sob uma chuva molhada em canduras que encontrei as barbas do meu pai num poema e o sorriso da minha mãe noutro. foi nas entrelinhas dum poema ensopado que encontrei, várias vezes, a autorização interna pra falar a palavra amor [vou tentar não apagar isto: eu tenho certo receio da palavra amor, espero só que ela não me tenha receios também; seria triste].


foi com as mãos sujas de restos de amor que estiquei uma madrugada. quando digo a palavra madrugada também sinto um esticão no coração. se agora abuso muito das madrugadas é porque cada uma delas tem restos de amor que eu sempre vou perdendo. qualquer dia acumulo esses restos todos e faço uma construção de amor [talvez chame uma mulher pra se encostar ao outro lado dessa construção]. a palavra amor pode ser um labirinto com mais de catorze lados avessos. depois de esticar uma madrugada encosto a madrugada na minha pele e espero. a pele gosta de ser esculpida de novo muitas vezes na vida.


se puser um «v» na palavra esticar, poderei estivar uma madrugada. aí elevo-me a estivador de madrugadas e posso pensar num caixote com luar, um caixote com geada, caixotes pesados de estrelas, caixotes de nuvens carregadas de pingos, um caixote hermético com lágrimas, uma caixinha de costura com restos concretos de amor.


(...) há qualquer coisa de sapiência na palavra tristeza. e algumas tristezas não são de espanar – um dia posso descobrir que elas me fazem falta e ter que ir buscá-las na lixeira da catin ton. vou encher-me de silêncios e imitar as pedras. adormecer entre as pedras pode ser que me contagie delas. depois de conseguir ser pedra vou exercitar o sorriso dessa pedra que eu for. com esse sorriso vou iniciar uma construção... Uma construção pode bem ser o lado avesso de uma certa tristezura."


Ondjaki, poeta, nasceu em Luanda, em 1977. É membro da União dos Escritores Angolanos e da Associação Protectora do Anonimato dos Gambuzinos. Alguns livros seus foram traduzidos para francês, espanhol, italiano, alemão, inglês, sérvio, sueco, polaco.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Leminski



Eu tão isósceles/ Você ângulo/ Hipóteses sobre o meu tesão/ Teses Sínteses/ Antíteses/
 Vê bem onde pises/ Pode ser meu coração. 

(Paulo Leminski)




terça-feira, 3 de julho de 2012

para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto...

O amor acaba
Por Paulo Mendes Campos

O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.


Texto extraído do livro "O amor acaba", Editora Civilização Brasileira – Rio de Janeiro, 1999, pág. 21, organização e apresentação de Flávio Pinheiro.