terça-feira, 30 de dezembro de 2008

agora, só em 2009.

Surrupiado do blog Penetra surdamente no reino das palavras (delícia de blog, visitem, vale a pena), fica aí a minha despedida de mais um ano mega tenso e intenso, sem dúvida inesquecível e repleto de belos momentos:


O último dia do ano
não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
e novas coxas e ventres te comunicarão o
[ calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
farás viagens e tantas celebrações
de aniversário, formatura, promoção, glória,
[ doce morte com sinfonia e coral,
que o tempo ficará repleto e não ouvirás o
[ clamor,
os irreparáveis uivos
do lobo, na solidão.

O último dia do tempo
não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
uma mulher e seu pé,
um corpo e sua memória,
um olho e seu brilho,
uma voz e seu eco,
e quem sabe até se Deus...

Recebe com simplicidade este presente do
[ acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos
[ séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras
[ espreitam a morte,
mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
e de copo na mão
esperas amanhecer.

O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
o recurso da bola colorida,
o recurso de Kant e da poesia,
todos eles... e nenhum resolve.

Surge a manhã de um novo ano.

As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.

(Carlos Drummond de Andrade, in: A Rosa do Povo)

Um beijo enorme pra todo mundo... até 2009...

domingo, 28 de dezembro de 2008

meras tentativas, nós. mas doces.*



"Bem sei que há um desencontro leve entre as coisas, elas quase se chocam. Há desencontros entre os seres que se perdem uns dos outros, entre palavras que quase não dizem mais nada. Mas quase nos entendemos nesse leve desencontro, nesse quase que é a única forma de suportar a vida em cheio, pois um encontro brusco face a face com ela nos assustaria."

Clarice Lispector

* Isso é Caio Fernando Abreu. É, ele de novo. Que culpa tenho eu se o cara é bom e verbalizou tudo que eu quero e preciso dizer?!

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

céu claro e belas manhãs

Para ti, para mim e para todos que passarem por aqui, fica o meu desejo para o ano que se inicia:

Previsão do tempo para 1967

Bom, se o ajudarmos
a ser bom. Céu claro
se nossos pensamentos forem claros.
A luz começa
na boa vontade da alma - e dos olhos.
Somos responsáveis
pelo bom tempo:
compreensão simpatia impulso de ajudar
tornam belas as manhãs
e embalam as noites
em casa e no mundo.

Carlos Drummond de Andrade

Para começar o ano com as esperanças renovadas, recomendo o vídeo abaixo, conhecido mas sempre bem-vindo. E tente estar ao lado das pessoas que ama, fazendo dos momentos vividos pequenos instantes de felicidade. Que os sorrisos sejam largos e sinceros, haja saúde, paz e harmonia e os corações estejam abertos para receber o amor. É o que eu espero e desejo. :)

sábado, 20 de dezembro de 2008

quelque chose d’absent

EXISTE SEMPRE ALGUMA COISA AUSENTE

Paris — Toda vez que chego a Paris tenho um ritual particular. Depois de dormir algumas horas, dou uma espanada no rodenirterceiromundista e vou até Notre-Dame. Acendo vela, rezo, fico olhando a catedral imensa no coração do Ocidente. Sempre penso em Joana d’Arc, heroína dos meus remotos 12 anos; no caminho de Santiago de Compostela, do qual Notre-Dame é o ponto de partida — e em minha mãe, professora de História que, entre tantas coisas mais, me ensinou essa paixão pelo mundo e pelo tempo.
Sempre acontecem coisas quando vou a Notre-Dame. Certa vez, encontrei um conhecido de Porto Alegre que não via pelo menos há 20 anos. Outra, chegando de uma temporada penosa numa Londres congelada e aterrorizada por bombas do IRA, na época da Guerra do Golfo, tropecei numa greve de fome de curdos no jardim em frente. Na mais bonita dessas vezes, eu estava tristíssimo. Há meses não havia sol, ninguém mandava notícias de lugar algum, o dinheiro estava no fim, pessoas que eu considerava amigas tinham sido cruéis e desonestas. Pior que tudo, rondava um sentimento de desorientação. Aquela liberdade e falta de laços tão totais que tornam-se horríveis, e você pode então ir tanto para Botucatu quanto para Java, Budapeste ou Maputo — nada interessa. Viajante sofre muito: é o preço que se paga por querer ver “como um danado”, feito Pessoa. Eu sentia profunda falta de alguma coisa que não sabia o que era. Sabia só que doía, doía. Sem remédio.
Enrolado num capotão da Segunda Guerra, naquela tarde em Notre-Dame rezei, acendi vela, pensei coisas do passado, da fantasia e memória, depois saí a caminhar. Parei numa vitrina cheia de obras do conde Saint-Germain, me perdi pelos bulevares da le dela Cité. Então sentei num banco do Quai de Bourbon, de costas para o Sena, acendi um cigarro e olhei para a casa em frente, no outro lado da rua. Na fachada estragada pelo tempo lia-se numa placa: “II y a toujours quelque chose d’absent qui me tourmente” (Existe sempre alguma coisa ausente que me atormenta) — frase de uma carta escrita por Camilie Claudel a Rodín, em 1886. Daquela casa, dizia aplaca, Camille saíra direto para o hospício, onde permaneceu até a morte. Perdida de amor, de talento e de loucura.
Fazia frio, garoava fino sobre o Sena, daquelas garoas tão finas que mal chegam a molhar um cigarro. Copiei a frase numa agenda. E seja lá o que possa significar “ficar bem” dentro desse desconforto inseparável da condição, naquele momento justo e breve — fiquei bem. Tomei um Calvados, entrei numa galeria para ver os desenhos de Egon Schiele enquanto a frase de Camille assentava aos poucos na cabeça. Que algo sempre nos falta — o que chamamos de Deus, o que chamamos de amor, saúde, dinheiro, esperança ou paz. Sentir sede, faz parte. E atormenta.
Como a vida é tecelã imprevisível, e ponto dado aqui vezenquando só vai ser arrematado lá na frente. Três anos depois fui parar em Saint-Nazaire, cidadezinha no estuário do rio Loire, fronteira sul da Bretanha. Lá, escrevi uma novela chamada Bem longe de Marienbad , homenagem mais à canção de Barbara que ao filme de Resnais. Uma tarde saí a caminhar procurando na mente uma epígrafe para o texto. Por “acaso”, fui dar na frente de um centro cultural chamado (oh!) Camille Claudel. Lembrei da agenda antiga, fui remexer papéis. E lá estava aquela frase que eu nem lembrava mais e era, sim, a epígrafe e síntese (quem sabe epitáfio, um dia) não só daquele texto, mas de todos os outros que escrevi até hoje. E do que não escrevi, mas vivi e vivo e viverei.
Pego o metrô, vou conferir. Continua lá, a placa na fachada da casa número 1 do Quai de Bourbon, no mesmo lugar. Quando um dia você vier a Paris, procure. E se não vier, para seu próprio bem guarde este recado: alguma coisa sempre faz falta. Guarde sem dor, embora doa, e em segredo.

Caio Fernando Abreu
O Estado de S. Paulo, 3/4/1994

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

amar, desamar, amar

Considerações sobre o amor

“Amar é a verdadeira sacanagem.”
(Tom Jobim)

Tenho algumas perguntas sobre o verbo intransitivo AMAR. Cabe a você escolher a forma de amar, de ser amada, ou isso ocorre alheio à sua vontade?

Amor idealizado, amor sufocado, amor romântico, amor fraterno, amor possessivo, amor ardente, amor renitente, amor fatigado, amor como remédio para algum “buraco” existencial, amor “alma gêmea”, amor fugaz, amor sagaz, amor cego, “amor em pó, amor em barra, amor com farra, amor transbordado” (Paulinho Moska).

Amor eletromagnético, amor de dopamina e norepinefrina, amor simétrico, amor à primeira vista, amor de borboletas no estômago, amor de receita, amor clichê, amor com agravantes, amor mito de Psique e Eros.

Amor de consumo, amor às pressas, amor que não se mede, amor em estado de graça, amor semeado, amor capaz de extremos, amor capturado, amor domesticado, amor jurado, amor sacramentado, amor proibido, amor despudorado, amor de contrato, amor celebrado, amor vivido, amor esquecido. Amor de rega, amor de poda, amor de flores de estufa.

Que caprichos o amor não requer... Um trabalho gostoso, mas com método, disciplina, investimento. Como é difícil o desejo de amar!

Onde se apura o amor? Entre taças e cálices, entre gestos, entre dizer e não-dizer é que se apura o amor? Mas o amor também se apura nos intervalos amorosos... Afinal, o amor não vive apenas numa atmosfera da lareira com vinho.

Há que se fazer ajustes entre o desejo e o fado. E a tudo o amor reclama, para não ser desamor não suprido.

O amor pede orvalho, suspira transparência, quer o rufar dos tambores, um festival de asas ensaiando vôo. O amor quer celebração, alumbramento, dança, música, e dedilha no ardor das cordas seu delito de “amar, desamar, amar”. Então o amor não é um só? O nosso amor a gente tece, a gente veste, “o nosso amor a gente inventa” (Cazuza)?

Texto escrito por Luciana Pessanha Pires (má dear friend!)
www.proseverso.blogspot.com

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

todas as sombras da alma.

POEMA

Podemos falar dos sentimentos, descrever
as impressões que nos ameaçam, e revelar o vazio
que se descobre na ausência um do outro: nada,
porém, é tão inquietante como a dúvida,
o não saber de ti, ouvir o desânimo na tua voz,
agora que a tarde começa a descer e, com ela,
todas as sombras da alma. É verdade que o amor não é
apenas um registro de memórias. É no presente
que temos de o encontrar: aí, onde a tua imagem
se tornou mais real do que tu própria,
mesmo que nada te substitua. Então, é
porque as palavras são supérfluas; mas como viver
sem elas? Como encontrar outra forma de te dizer
que o amor é esta coisa tão estranha, dar o que nunca
se poderá ter, e ter o que está condenado
a perder-se? A não ser que guardemos dentro de nós,
num canto de um e outro a que só nós chegamos,
sabendo que esse pouco que nos pertence é
tudo o que cabe neste sentimento.

Nuno Júdice
in Cartografia de Emoções

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

de vez em quando...

Breve guia passo-a-passo para escarafunchar a ferida:

Selecione uma listinha de músicas que lembre momentos recentes. Pode ser aquela do grande encontro que foi como tudo começou, a do fogo, aquela outra da Marisa, Bethânia. Até cabe um Chico, Marvin Gaye, Zeca Baleiro ou mesmo Legião. Tudo depende do momento e da lembrança que vem na hora e, pronto: acende todas as luzes, dispara os gatilhos todos e está quase completo o cenário para lembrar-sofrer-ficar mal-chorar-lembrar de novo-rir dos momentos engraçados-chorar mais um pouco. O som está bacana? Pegue Caio Fernando, ele é especialista em abrir a ferida e jogar soda cáustica por cima, salpicada com pimenta que o momento exige emoções beem fortes. Cansou do Caio, passe pra Clarice e suas definições sobre amor, perda, esperança e expectativas (ou a falta delas). Funciona que é uma coisa. E, claro, pra não perder o costume termine a cena com a poesia de Vinícius, por que, um dia, “eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces”.

Só pra dar o gostinho:

"Eu quis tanto ser a tua paz, quis tanto que você fosse o meu encontro. Quis tanto dar, tanto receber. Quis precisar, sem exigências. E sem solicitações, aceitar o que me era dado. Sem ir além, compreende? Não queria pedir mais do que você tinha, assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana. Mas o que tinha, era seu."

"(...) dentro daquela saudade que não ia embora por mais que o tempo passasse e dentro dele, mesmo sem lembrar, apenas agindo, todos os dias eu acordava e tomava banho, escovava os dentes e fazia todas essas coisas rotineiras, igual a alguém que aos trancos, mecanicamente, continua a viver mesmo depois de ter perdido uma perna ou um braço que, embora ausentes, ainda doem - sem poder evitar, inesperadamente, sem querer evitar, outra vez lembrei de Pedro."

“(...) meu deus como você me dói de vez em quando, eu vou ficar esperando você numa tarde cinzenta de inverno bem no meio duma praça, então os meus braços não vão ser suficientes para abraçar você e a minha voz vai querer dizer tanta, mas tanta coisa que eu vou ficar calada um tempo enorme só olhando você sem dizer nada, só olhando e pensando, meu deus mas como você me dói de vez em quando.”


Caio Fernando Abreu

Doeu aí também??? Aff. :-/

e de noite a gente se escuta muito mais

Letra perfeitinha que resume um pouco do que sou, sinto e penso:

Mais Perguntas Que Respostas
Leoni

A noite entreabre a porta
Pro sol que já vai entrar
E eu tenho mais perguntas que respostas
A vida me surpreende
E o dia vem me lembrar
Que todo dia é tudo diferente
Do sudoeste vem chuva
E um sentimento de paz
De noite a gente se escuta muito mais
O céu invade a varanda
E eu deixo a alma no escuro
E ainda me espanto
Com o quanto eu deixo de notar

O sol escala as encostas
Enquanto eu tomo o café
E eu tenho mais perguntas que respostas
Tem tanta gente no mundo
Vivendo vidas seguras
Será que só eu me sinto tão confuso
Eu encho a alma de sustos
De vaga-lumes e estrelas
E fico feliz por nada ou quase tudo
Me sinto meio antiquado
Pensando tanto em família
Vivendo cercado de poucos bons amigos
Eu acredito em bondade,
Amor e honestidade
E o que me importa
São mais perguntas que respostas
A noite encosta a porta
O sol desperta a cidade
E eu planto mais perguntas que respostas

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

a vida não é filme, vc não entendeu?!*

Quando faltam palavras, aqui a gente recorre à música ou à poesia, e quase sempre funciona... A vidinha segue intensa e complicada, like always. Rotina atribulada de eventos, expectativas e busca por respostas. E encontros amigos. E mimos natalinos. :)

Atenção
Essa vida contém cenas explícitas de tédio
Nos intervalos da emoção

Atenção
Quem não gostar que conte outra,
encontre, corra atrás,
enfrente, tente, invente
sua própria versão

Aqui não tem segunda sessão
Aqui não tem segunda sessão

Alice Ruiz

*Você já escutou este versinho na música Ska, do Herbert Vianna/ Paralamas.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

esta é a música...

Escutei diversas vezes esta música hoje. Tia Ivete ajudando a acalmar as dores de um coração apertado, quem diria.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

um dia eu chego lá

O amor maduro não é menor em intensidade.
Ele é apenas silencioso.
Não é menor em extensão.
É mais definido, colorido e poetizado...
O amor maduro tem e quer problemas, sim, como tudo
Mas vive dos problemas da felicidade.
Ele não pede, tem.
Não reivindica, consegue.
Não percebe, recebe.
Não exige, dá.
Não pergunta, adivinha.
Existe para fazer feliz.
É feito de compreensão, música e mistério.
É a forma sublime de ser adulto
e a forma adulta de ser sublime e criança.
É o sol de outono...

(Artur da Távola)
Não, eu não sei na verdade quem sou. E, talvez por isso, pelo vazio existente e pela alma um tanto inquieta, eu leio poesia, ouço música, amo e trabalho. Vivo. Intensamente. Com felicidade, amor, sorrisos e pessoas queridas - elas estão sempre por perto e se mostram cada dia mais fundamentais. Sim, falta ordem, serenidade, metas e certezas. Mas um dia, quem sabe, eu me encontro. Por enquanto, a sede prossegue. E tudo arde.

[by myself - 22:04]

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

efeito principal e secundário de tudo o que chega a nós

Quando conheci a poesia do escritor português José Luis Peixoto, algum tempo atrás, imaginei um sujeito de meia idade, ligeiramente acima do peso, barba rala e cabelos alvoroçados. Qual não foi a minha surpresa ao descobrir que o gajo é todo moderninho, bem apessoado, tem apenas 34 anos e ainda ostenta piercings e uma tatoo no braço? rs

Recentemente, ele começou a escrever em um blog dentro do site da Revista Bravo!, o qual fiz o favor de ler, de cabo a rabo, e selecionar algumas coisas muito, muito boas.

A primeira delas, que eu achei insuportavelmente bela:

Efeito secundário (lado B)

O acto simples de estender a mão na luz e tocar-te
irá coincidir com os meus dedos a transformarem-se
em cores, nuvens de pó lançadas no ar. Esse será o
primeiro efeito da magia. Chamar-lhe-emos magia
por causa das crianças, mas saberemos que, em rigor,
será apenas uma ilusão. Talvez seja nesse instante
que os lábios começarão a fazer o playback de todo
o silêncio, como um beijo antigo, gravado noutro
disco. O efeito secundário dessa fotografia, desse
postal, desse pôr-do-sol, será um bombardeamento
de planos para o futuro, filhos em projecto, iremos
escolher mil nomes para menino, mil nomes para
menina, iremos perder tempo a pensar nos nomes
que daríamos se fôssemos ingleses, americanos, e
falássemos em inglês, americano, como as pessoas
felizes e garridas dos filmes de domingo à tarde
no primeiro canal, ou franceses e chatos, como as
pessoas tristes dos filmes de segunda-feira à noite
no segundo canal. O primeiro efeito desse instante
será um ardor à volta dos lábios ou a repetição da
guerra do Vietname, da mesma maneira que um
ciclone na China faz uma borboleta bater as asas
e pousar-me involuntária entre os olhos, asas como
óculos de cor, nuvens de pó lançadas no ar, ou
como esperança apregoada nas ruas por multidões
indecisas, confusas, incertas, frágeis, feitas de
homens humanos, mulheres humanas e crianças-
-crianças, futuros homens e futuras mulheres,
prontos a repetirem todas as nossas dúvidas e todas
as vezes que olhámos o horizonte. E talvez o seu
melhor momento seja um espelho estragado, um
penteado definitivo ou a constatação humilde
de não serem mágicos, mas ilusionistas, donos
de um espectáculo honesto, como nós agora
a sermos o efeito principal e secundário de tudo
o que chega a nós, de tudo o que parte de nós,
de tudo o que nos ignora, nos transcende e nos
lança pela eternidade a partir do instante simples
em que estendo a mão na luz e, simples, te toco.

Postado por: José Luís Peixoto | 20/11/2008 - 15:10

Breve biografia do moço aqui.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

caminhos...

Faz tempo estou pra escrever aqui, mas as últimas semanas foram repletas de acontecimentos - começou com a minha carteira -com todos os cartões e documentos- que foi parar em mãos erradas no metrô, continuou com as atribulações de um grande evento na quinta (que foi um sucesso, vamos combinar) e culminou com dias mega tensos e intensos, em todos os sentidos que se pode imaginar, do mais sublime e onírico ao mais pesado e difícil. Cansei de tentar achar explicação e espero que o tempo traga -senão todas, pelo menos algumas- respostas.

Por ora, trago apenas belas palavras e o desejo de que as coisas se acertem e os sorrisos retornem em breve. E que eu possa ter certeza dos caminhos que percorro e das pessoas que levo comigo nesta trajetória.

Três caminhos

Percorri tantos caminhos,
tantos caminhos andei.
O primeiro era de nácar,
de rosa pura o segundo.
O terceiro era de nuvem,
no terceiro te encontrei.
O primeiro já trazia
teu nome brilhando no ar.
Não era nome de terra:
cantava coisas do mar.
Logo senti que o segundo
já era estrada de encantar.
Mas o terceiro, o terceiro
quantas voltas não foi dar!
Deixou meu corpo na terra,
meu coração no alto-mar.
Virou vento, virou bruma,
perdeu-se, rápido, no ar.

Emílio Moura
In:"Itinerário poético"

Como já sentenciou o mestre Guimarães Rosa: "Riobaldo, a colheita é comum, mas o capinar é sozinho..."

domingo, 23 de novembro de 2008

Pequena elegia chamada domingo

O domingo era uma coisa pequena.
Uma coisa tão pequena
que cabia inteirinha nos teus olhos.
Nas tuas mãos
estavam os montes e os rios
e as nuvens.
Mas as rosas,
as rosas estavam na tua boca.

Hoje os montes e os rios
e as nuvens
não vêm nas tuas mãos.
(Se ao menos elas viessem
sem montes e sem nuvens
e sem rios ...)
O domingo está apenas nos meus olhos
e é grande.
Os montes estão distantes e ocultam
os rios e as nuvens
e as rosas.

Eugénio de Andrade

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

simples e genial...

"Se é caso sério eu me dôo, se é bobagem eu me abstenho, tenho vida própria e suficiente para lidar. Me aceito impura, me gosto com pecados e há muito me perdoei."

(Martha Medeiros)

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

le tourbillon de la vie

Que os dias de ócio que se seguem sejam leves e divertidos. E que os "le tourbillon" que perturbam a vidinha diária (não vem que não tem, cada um tem o seu) dêem uma trégua e voltem apenas na segunda-feira. Ou, melhor ainda, nem voltem. :)



Do filme francês Jules e Jim (François Truffaut, 1962), lindinho que só ele.

entre versos e prosas

Porque ler poesia continua sendo um exercício díário, assim como escovar os dentes e comer chocolate:

A leitura se tornou para ele um vício insaciável. (…)A única coisa que sabia com clareza era que entre a prosa e os versos preferia os versos, e entre estes preferia os de amor, que decorava mesmo sem querer a partir da segunda leitura, o que lhe era ainda mais fácil quanto mais se tratasse de versos bem rimados, bem medidos, bem desesperados.

Gabriel Garcia Marquez in “O Amor no Tempo do Cólera”

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

tudo que dói em nós

PRECE DE UM DIA QUASE IGUAL A TODOS

Deus dos delicados, não me abandone nessa guerra insana. Minha máquina de ser beira a pane enquanto o veludo da voz de Billie lambe as paredes do lusco-fusco. Abençoe, senhor, tudo que dói em nós, indispensável. As tardes despenteadas em Grumari, as lágrimas do homem que me amou e nunca disse, o negro agonizante sob o sol narcísico de Ipanema, as crianças que tão cedo me deixaram farta de lágrimas e leite, o eco esquivo de Frederico, sinais de musgo. Abençoe as escarpas da minha vida enquanto desenterro estas palavras — o carmim destas palavras — com as lascas afiadas da dor. Sonho piscinas, atraída pelas labaredas. Preciso dormir bem dentro das suas asas enormes, pai.

Ledusha B. A. Spinardi

sobra taaaanta falta :-(



(...)
"Falta tanto tempo no relógio
Quanto uma semana
Sobra tanta falta de paciência
Que me desespero
Sobram tantas meias-verdades
Que guardo pra mim mesmo
Sobram tantos medos
Que nem me protejo mais
Sobra tanto espaço
Dentro do abraço
Falta tanta coisa pra dizer
Que nunca consigo"
(...)

Teatro Mágico

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

No Limite...


Do cansaço.
Da saudade.
De querer e não ter.
Da impossibilidade.
Da cabeça cheia de problemas.
Do coração apertado.
Das dúvidas que consomem.
De tudo que há.
De tudo que houve um dia.

De verdade, estou cansada. Pode ser apenas a necessidade cada vez mais urgente de férias. Ou não. :-/

pelas intermitências de José

Se tivesse que escolher um escritor que marcou o ano de 2008, um deles certamente seria José Saramago. Foi neste ano que ele lançou um blog. Como ele mesmo diz, sempre foi contrário à idéia de escrever regularmente para um jornal, mas acabou se rendendo às graças da web, onde escreve com frequência - e de graça. Saramago continua cheio de idéias e projetos (espero chegar com tamanha garra e vontade de viver aos 87) e acaba de lançar um livro (A Viagem do Elefante, Companhia das Letras, 258 págs., preço a definir). Além disso, Ensaio sobre a Cegueira virou filme pelas habilidosas mãos de Fernando Meirelles, teve boa aceitação da crítica e já foi visto por mais de 600 mil pessoas, só no Brasil. Completa a boa fase uma exposição sobre sua vida e obra, no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, chamada de A Consistência dos Sonhos. Começou dia 28/10 e vai até 15/02/2009. Totally free of charge. :))

Para ler reportagem da Revista Bravo, clique aqui.

E diretamente do blog, sobre seu conterrâneo Fernando:

Sobre Fernando Pessoa
Outubro 5, 2008 by José Saramago
Era um homem que sabia idiomas e fazia versos. Ganhou o pão e o vinho pondo palavras no lugar de palavras, fez versos como os versos se fazem, como se fosse a primeira vez. Começou por se chamar Fernando, pessoa como toda a gente. Um dia lembrou-se de anunciar o aparecimento iminente de um super-Camões, um camões muito maior que o antigo, mas, sendo uma pessoa conhecidamente discreta, que soía andar pelos Douradores de gabardina clara, gravata de lacinho e chapéu sem plumas, não disse que o super-Camões era ele próprio. Afinal, um super-Camões não vai além de ser um camões maior, e ele estava de reserva para ser Fernando Pessoas, fenómeno nunca visto antes em Portugal. Naturalmente, a sua vida era feita de dias, e dos dias sabemos nós que são iguais mas não se repetem, por isso não surpreende que em um desses, ao passar Fernando diante de um espelho, nele tivesse percebido, de relance, outra pessoa. Pensou que havia sido mais uma ilusão de óptica, das que sempre estão a acontecer sem que lhes prestemos atenção, ou que o último copo de aguardente lhe assentara mal no fígado e na cabeça, mas, à cautela, deu um passo atrás para confirmar se, como é voz corrente, os espelhos não se enganam quando mostram. Pelo menos este tinha-se enganado: havia um homem a olhar de dentro do espelho, e esse homem não era Fernando Pessoa. Era até um pouco mais baixo, tinha a cara a puxar para o moreno, toda ela rapada. Com um movimento inconsciente, Fernando levou a mão ao lábio superior, depois respirou fundo com infantil alívio, o bigode estava lá. Muita coisa se pode esperar de figuras que apareçam nos espelhos, menos que falem. E porque estes, Fernando e a imagem que não era a sua, não iriam ficar ali eternamente a olhar-se, Fernando Pessoa disse: “Chamo-me Ricardo Reis”. O outro sorriu, assentiu com a cabeça e desapareceu. Durante um momento, o espelho ficou vazio, nu, mas logo a seguir outra imagem surgiu, a de um homem magro, pálido, com aspecto de quem não vai ter muita vida para viver. A Fernando pareceu-lhe que este deveria ter sido o primeiro, porém não fez qualquer comentário, só disse: “Chamo-me Alberto Caeiro”. O outro não sorriu, acenou apenas, frouxamente, concordando, e foi-se embora. Fernando Pessoa deixou-se ficar à espera, sempre tinha ouvido dizer que não há duas sem três. A terceira figura tardou uns segundos, era um homem daqueles que exibem saúde para dar e vender, com o ar inconfundível de engenheiro diplomado em Inglaterra. Fernando disse: “Chamo-me Álvaro de Campos”, mas desta vez não esperou que a imagem desaparecesse do espelho, afastou-se ele, provavelmente tinha-se cansado de ter sido tantos em tão pouco tempo. Nessa noite, madrugada alta, Fernando Pessoa acordou a pensar se o tal Álvaro de Campos teria ficado no espelho. Levantou-se, e o que estava lá era a sua própria cara. Disse então: “Chamo-me Bernardo Soares”, e voltou para a cama. Foi depois destes nomes e alguns mais que Fernando achou que era hora de ser também ele ridículo e escreveu as cartas de amor mais ridículas do mundo. Quando já ia muito adiantado nos trabalhos de tradução e poesia, morreu. Os amigos diziam-lhe que tinha um grande futuro na sua frente, mas ele não deve ter acreditado, tanto assim que decidiu morrer injustamente na flor da idade, aos 47 anos, imagine-se. Um momento antes de acabar pediu que lhe dessem os óculos: “Dá-me os óculos” foram as suas últimas e formais palavras. Até hoje nunca ninguém se interessou por saber para que os queria ele, assim se vêm ignorando ou desprezando as últimas vontades dos moribundos, mas parece bastante plausível que a sua intenção fosse olhar-se num espelho para saber quem finalmente lá estava. Não lhe deu tempo a parca. Aliás, nem espelho havia no quarto. Este Fernando Pessoa nunca chegou a ter verdadeiramente a certeza de quem era, mas por causa dessa dúvida é que nós vamos conseguindo saber um pouco mais quem somos.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

vale o quanto brilha

Acontecimentos
Marina Lima
Composição: Marina Lima/Antonio Cicero

Eu espero
Acontecimentos
Só que quando anoitece
É festa no outro apartamento

Todo amor
Vale o quanto brilha
E o meu brilhava
E brilha de jóia e de fantasia

O que que há com nós dois, amor?
Me responda depois
Me diz por onde você me prende
Por onde foge
E o que pretende de mim

Era fácil
Nem dá prá esquecer
E eu nem sabia
Como era feliz de ter você

Como pôde
Queimar nosso filme
Um longe do outro
Morrendo de tédio e de ciúmes

O que que há com nós dois amor?
Me responda depois
Me diz por onde você me prende
Por onde foge
E o que pretende de mim

***

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

o que eu também não entendo

Tenho pensado bastante nas leis que regem a atração por este ou aquele ser. O que faz uma pessoa ser interessante pra mim e completamente invisível para o outro? Comigo, a beleza nunca foi o fator primordial e eu bem sei que ela não se basta, mas claro, ajuda bastante a fazer daquele ser o escolhido. Se o papo rendeu e a pessoa é interessante aos olhos, vem o desejo de sair da superfície, ir mais a fundo, conhecer mais e melhor. Saber as preferências, qualidades e defeitos, o que ela tem a dizer. Sua história de vida, o que a faz ser quem é hoje. Como se comporta diante de mim e dos outros. Os sonhos. Os meus, os seus, os nossos.

Diante do que o outro é e como se apresenta pra mim, parece que um alarme interno sinaliza: vai, pode ser uma boa. E com o alarme vem toda uma mala gigantesca de expectativas. E depois as necessidades, no caso de ser uma relação que se pretenda longa, com um projeto para futuro a curto, médio e longo prazo. Um filho, um cachorro, uma viagem? Na minha casa ou na sua? Talvez tudo, talvez nada? O que é essencial? E qual a parte que me cabe neste latifúndio? Como ajustar os meus sonhos e expectativas às querências do outro, e fazer deste um projeto em comum?

O problema, tenho percebido isso, é que diante de pessoas parecidas este fundo é tão vasto e tão complexo que, muitas vezes, nos perdemos dentro dele. Como conhecer a fundo alguém que mostre, talvez, o lado mais sombrio e mais desconhecido de mim mesma? Seria natural se afastar e ir em busca de uma relação mais superficial. Mas a vida implica em escolhas, cada dia mais sinto esta questão tão básica e primária na minha face, implorando uma solução. E será que estou diposta a pagar pelo preço das minhas escolhas? Tudo indica que sim mas, afe, como é difícil...

Ainda não sei as respostas. São muitas dúvidas e muitas vontades. O leque de possibilidades é imenso e por muitas vezes tenho vontade de querer menos. E principalmente me preocupar menos. Será possível? Viver, simplesmente? Sem esperar, sem sofrer ou se machucar demais? Porque cada escolha tem de ser um dilema?

Isto foi apenas um desabafo, sem nenhuma ordem lógica e sem bases científicas. Está tudo bem, não tomarei nenhuma medida drástica e continuo amando e sendo uma das mais otimistas da turma, mas precisava ser tudo tão complicado? :-(

sábado, 1 de novembro de 2008

no lado quente da saudade...

Felizmente, podemos dizer que a semana terminou melhor do que começou. Ainda bem que o mês de outubro já é coisa do passado, foi intenso e tenso demais, há de vir dias melhores e palavras de um futuro bom. E, claro, já estou fazendo a contagem regressiva: falta pouco mais de 40 dias de trabalho para o ano acabar e terei necessários dias de descanso em breve, além disso está praticamente certo que o carnaval será em Buenos, com 2 das pessoas mais queridas, comida boa, música melhor ainda, passeios bacanas, diversão de primeira y otras coisitas más. :-)

Para animar, uma linda música, quase um recado:

Abraça-me bem
Mafalda Veiga

Levantas o teu corpo cansado do chão
Afasta esse peso que te esmaga o coração
Abres uma janela e pergunta-te quem és
Respiras mais fundo e enfrentas o mundo de pé

Eu venho de tão longe e procuro há mil anos por ti
Estendo a minha mão até te sentir
Não sabemos nada do que somos nós
Mas sabemos tanto do que muda por não estarmos sós

Abraça-me bem

Levantas os teus olhos para me olhar assim
Procuras cá dentro onde me escondi
E eu tenho medo, confesso, de dar
O mundo onde guardo tudo o que mais quis salvar

Tu dizes que não há outra forma de ficarmos perto
Não há como saber se o caminho é o certo
Só pode voar quem arriscar cair
Só se pode dar quem arriscar sentir

Abraça-me bem

Para ouvir o português rasgado da Mafalda nesta e em outras músicas igualmente belas, siga por aqui.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

sob a marca do tempo

"Você não entende porque a gente chora diante da beleza? A resposta é simples. Ao contemplar a beleza, a alma faz uma súplica de eternidade. Tudo o que a gente ama a gente deseja que permaneça para sempre. Mas tudo o que a gente ama existe sob a marca do tempo. Tudo é efêmero. Efêmero é o por do sol, efêmera é a canção, efêmero é o abraço, efêmera é a casa construída para o resto da vida. A gente chora diante da beleza porque a beleza é uma metáfora da própria vida."

[Rubem Alves]

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

vontade de ser gerânio... rs

Tudo muito complicado por aqui. Depois da segunda-feira mais tensa da história, fui convocada às 5 da tarde para uma visita ao Hotel do Frade, em Angra dos Reis, onde realizaremos um evento em março. E foi assim, com a cabeça cheia de dúvidas e o coração apertado, que parti para lá. Foi cansativo, mas extremamente proveitoso. Conheci o hotel, as pessoas com as quais irei trabalhar, passei um pouco bem (o hotel é maravilhoso, claro). Voltei ontem. Pena que não pude jogar as incertezas no mar - elas vieram comigo pra São Paulo. Para completar, hj tenho evento logo mais à noite, e sábado tenho que organizar o retorno do brother para SP. E ainda preciso encontrar 3 pessoas queridas e ligar para outras 2, antes que a amizade se perca de vez. Para uma semana, está bom, não?! Bem, é isso. Chega de exposição da figura por hoje. Tenho muito que falar e outro tanto para ouvir, mas isso é particular, pessoal e intransferível.

"A vida tem caminhos estranhos, tortuosos às vezes difíceis: um simples gesto involuntário pode desencadear todo um processo. Sim, existir é incompreensível e excitante..."

"Fico tão cansada às vezes, e digo para mim mesma que está errado, que não é assim, que não é este o tempo, que não é este o lugar, que não é esta a vida. (...) então eu não sentia nada, podia fazer as coisas mais audaciosas sem sentir nada, bastava estar atenta como estes gerânios, você acha que um gerânio sente alguma coisa? quero dizer, um gerânio está sempre tão ocupado em ser um gerânio e deve ter tanta certeza de ser um gerânio que não lhe sobra tempo para nenhuma outra dúvida..."

Caio Fernando Abreu - não é que ele voltou?

sábado, 25 de outubro de 2008

simples assim. NÃO.

Uma reflexão interessante sobre a triste história da menina Eloá:

Criando um monstro
(Karina dos Santos Cabral)

O que pode criar um monstro? O que leva um rapaz de 22 anos a estragar a própria vida e a vida de outras duas jovens por… Nada?
Será que é índole? Talvez, a mídia? A influência da televisão? A situação social da violência? Traumas? Raiva contida? Deficiência social ou mental? Permissividade da sociedade?
O que faz alguém achar que pode comprar armas de fogo, entrar na casa de uma família, fazer reféns, assustar e desalojar vizinhos, ocupar a polícia por mais de 100 horas e atirar em duas pessoas inocentes?
O rapaz deu a resposta: "ela não quis falar comigo". A garota disse não, não quero mais falar com você. E o garoto, dizendo que ama, não aceitou um não. Seu desejo era mais importante.
Não quero ser mais um desses psicólogos de araque que infestam os programas vespertinos de televisão, que explicam tudo de maneira muito simplista e falam descontextualizadamente sobre a vida dos outros sem serem chamados. Mas ontem, enquanto não conseguia dormir pensando nesse absurdo todo, pensei que o não da menina Eloá foi o único.
Faltaram muitos outros não's nessa história toda.
Faltou um pai e uma mãe dizerem que a filha de 12 anos NÃO podia namorar um rapaz de 19. Faltou uma outra mãe dizer que NÃO iria sucumbir ao medo e ir lá tirar o filho do tal apartamento a puxões de orelha. Faltou outros pais dizerem que NÃO iriam atender ao pedido de um policial maluco de deixar a filha voltar para o cativeiro de onde, com sorte, já tinha escapado com vida. Faltou a polícia dizer NÃO ao próprio planejamento errôneo de mandar a garota de volta pra lá. Faltou o governo dizer NÃO ao sensacionalismo da imprensa em torno do caso, que permitiu que o tal seqüestrador conversasse e chorasse compulsivamente em todos os programas de TV que o procuraram.
Simples assim. N Ã O.
Pelo jeito, a única que disse não nessa história foi punida com uma bala na cabeça. O mundo está carente de não's.
Vejo que cada vez mais os pais e professores morrem de medo de dizer não às crianças. Mulheres ainda têm medo de dizer não aos maridos (e alguns maridos, temem dizer não às esposas). Pessoas têm medo de dizer não aos amigos. Noras que não conseguem dizer não às sogras, chefes que não dizem não aos subordinados, gente que não consegue dizer não aos próprios desejos. E assim são criados alguns monstros.
Talvez alguns não cheguem a seqüestrar pessoas. Mas têm pequenos surtos quando escutam um não, seja do guarda de trânsito, do chefe, do professor, da namorada, do gerente do banco. Essas pessoas acabam crendo que abusar é normal. E é legal.
Os pais dizem, "não posso traumatizar meu filho". E não é raro eu ver alguns tomando tapas de bebês com 1 ou 2 anos. Outros gastam o que não têm em brinquedos todos os dias e festas de aniversário faraônicas para suas crias. Sem falar nos adolescentes.
Hoje em dia, é difícil ouvir alguém dizer não, você não pode bater no seu amiguinho.
Não, você não vai assistir a uma novela feita para adultos.
Não, você não vai fumar maconha enquanto for contra a lei.
Não, você não vai passar a madrugada na rua.
Não, você não vai dirigir sem carteira de habilitação.
Não, você não vai beber uma cervejinha enquanto não fizer 18 anos.
Não, essas pessoas não são companhias pra você.
Não, hoje você não vai ganhar brinquedo ou comer salgadinho e chocolate.
Não, aqui não é lugar para você ficar.
Não, você não vai faltar na escola sem estar doente.
Não, essa conversa não é pra você se meter.
Não, com isto você não vai brincar.
Não, hoje você está de castigo e não vai brincar no parque.
Crianças e adolescentes que crescem sem ouvir bons, justos e firmes NÃOS crescem sem saber que o mundo não é só deles.
E aí, no primeiro não que a vida dá (e a vida dá muitos) surtam. Usam drogas. Compram armas. Transam sem camisinha. Batem em professores. Furam o pneu do carro do chefe. Chutam mendigos e prostitutas na rua. E daí por diante.
Não estou defendendo a volta da educação rígida e sem diálogo, pelo contrário.
Acredito piamente que crianças e adolescentes tratados com um amor real, sem culpa, tranqüilo e livre, conseguem perfeitamente entender uma sanção do pai ou da mãe, um tapa, um castigo, um não. Intuem que o amor dos adultos pelas crianças não é só prazer - é também responsabilidade.
E quem ouve uns não's de vez em quando também aprende a dizê-los quando é preciso. Acaba aprendendo que é importante dizer não a algumas pessoas que tentam abusar de nós de diversas maneiras, com respeito e firmeza, mesmo que sejam pessoas que nos amem.
O não protege, ensina e prepara. Por mais que seja difícil, eu tento dizer não aos seres humanos que cruzam o meu caminho quando acredito que é hora - e tento respeitar também os não's que recebo. Nem sempre consigo, mas tento.
Acredito que é aí que está a verdadeira prova de amor. E é também aí que está a solução para a violência cada vez mais desmedida e absurda dos nossos dias.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

desta tão precária maravilha a que chamamos existência

Para que bolar grandes textos se alguém já fez melhor e com poucas e significativas palavras? Eis abaixo a frase exata para um dia cansado, de uma semana mega tensa, em que os dias e noites passaram mais rápido que de costume (será o horário de verão?):

E eu aqui, "apreciando cada momento - sobretudo os dolorosos, pela lucidez que trazem como bónus - desta tão precária maravilha a que chamamos existência."

Isso é Inês Pedrosa, trechinho de Fazes-me falta

Também dela:

"O amor à poesia não se aprende – nada do que é verdadeiramente fundamental na vida se aprende – mas pode contagiar-se."

Lindo demais!

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

um viva ao mestre

A minha singela homenagem à Vinícius de Moraes, aquele que mostrou o que é preciso para se viver um grande amor, casou-se nove vezes e mais do que ninguém viveu as delícias e amarguras de ser uma pessoa intensa, visceral, apaixonada e apaixonante. Vinícius nasceu no dia 19 de outubro de 1913 e morreu em 9 de julho de 1980. Completaria 95 aninhos ontem, se estivesse vivo.

Diplomata, jornalista, compositor e poeta essencialmente lírico, Vinicius notabilizou-se pelos seus sonetos, forma poética que se tornou quase associada ao seu nome. Sua obra é vasta, passando pela literatura, teatro, cinema e música. No campo musical, Marcus Vinícius da Cruz de Melo Moraes teve como principais parceiros Tom Jobim, Toquinho, Baden Powell e Carlos Lyra.

Dentre os muitos poemas dele que amo, este me tocou especialmente hoje:

Poema de Natal

Vinicius de Moraes

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

Extraído do livro Antologia Poética, Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1960, pág. 147.

Trechinho do DVD Vinícius, clique aqui para ver.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

sobre o encurtamento das distâncias e a incompletude nossa de cada dia

"A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito.

Não agüento ser apenas um sujeito que abre portas,
que puxa válvulas, que olha o relógio,
que compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.

Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas."

Manoel de Barros

Em entrevista ao programa Starte, da GloboNews, o poeta Manoel mostra sua fazenda no Pantanal e também uma sensibilidade e humildade que poucos seres humanos conhecem, já ouviram falar ou mesmo entendem como funciona. O cara é mestre, veja o vídeo, vale a pena. E as imagens e a música são belíssimas também. Dá vontade de chorar. (Tenho estado muito sensível esses dias, vai entender).

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

a boca, de manhã cedo

Sábado à noite lembra convite irrecusável que lembra teatro que lembra olhares penetrantes e cruéis (OPC para os íntimos) que lembra taça de champagne que lembra a moet que nem foi aberta que lembra flor e chocolate que lembra tudo de mais belo que há que lembra domingo que lembra você na minha cama que lembra sirene da construção ao 12h que lembra segredos compartilhados e a sua boca, de manhã cedo.

"(...)E se realmente gostarem? Se o toque do outro de repente for bom? Bom, a palavra é essa. Se o outro for bom para você. Se te der vontade de viver. Se o cheiro do suor do outro também for bom. Se todos os cheiros do corpo do outro forem bons. O pé, no fim do dia. A boca, de manhã cedo. Bons, normais, comuns. Coisa de gente. Cheiros íntimos, secretos. Ninguém mais saberia deles se não enfiasse o nariz lá dentro, a língua lá dentro, bem dentro, no fundo das carnes, no meio dos cheiros. E se tudo isso que você acha nojento for exatamente o que chamam de amor?(...)"

Caio Fernando Abreu

terça-feira, 7 de outubro de 2008

"As gaivotas vão e vêm. Entram pela pupila. Devagar, também os barcos entram, por fim o mar. Não tardará a fadiga da alma. De tanto olhar, de tanto olhar."
Eugênio de Andrade

Monet - La Promenade Sur La Falaise

"Quando o viajante disse 'não há mais o que ver', sabia que não era assim... é preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão... ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar... É preciso recomeçar a viagem. Sempre."
José Saramago

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

somewhere over the rainbow...



Fica aí o agradinho para inspirar o final de semana. Você tem pessoas queridas por perto? Beije, abrace, esteja perto de verdade, com a alma e o coração presentes. Este negócio de amar é contagioso, faz bem e reanima. Eis aqui a prova indelével e incontestável. :-)

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

all you need is love

Vem do amor a Beleza,
Como a luz vem da chama.
É a lei da natureza:
Queres ser bela?-ama.

Formas de encantar,
Na tela o pincel
As pode pintar;
No bronze o buril
As sabe gravar;
E estátua gentil
Fazer o cinzel
Da pedra mais dura...
Mas Beleza é isso? -Não; só formosura.

Sorrindo entre dores
Ao filho que adora
Inda antes de o ver
-Qual sorri a aurora
Chorando nas flores
Que estão por nascer-
A mãe é a mais bela das obras de Deus.
Se ela ama!-O mais puro do fogo dos céus
Lhe ateia essa chama de luz cristalina:

É a luz divina
Que nunca mudou.
É luz... é a Beleza
Em toda a pureza
Que Deus a criou.

Folhas Caídas, Almeida Garrett

Brasil produziu 351 milhões de livros em 2007

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

A Câmara Brasileira do Livro e o Sindicato Nacional de Editores de Livros divulgaram hoje alguns dados animadores sobre o mercado editorial brasileiro – segundo as informações, o Brasil produziu no ano passado 351 milhões de livros, número que representa um crescimento de 9,5% em relação a 2006. Destes todos, 18.356 foram obras inéditas.

As editoras também venderam mais – foram 200.257.845 exemplares, 8,2% a mais que no ano anterior. A produção que mais cresceu foi a de livros religiosos, que editou 5.570 títulos este ano; já a produção que teve maior queda foi a de livros Científicos, Técnicos e Profissionais, que passou dos 12.081 de 2006 para 9.780 em 2007, uma queda de 19%.

Infantis

A maior produção, no entanto, foi de livros infantis - 14.753.213 exemplares de 3.491 títulos. Em 2006, haviam sido 12.808.625 exemplares de 3.031 obras. A diferença de um ano para outro é de 15,1%. Um alento para quem pensa no futuro. Se as crianças de hoje estão lendo tanto, imagina-se que nosso País está formando os leitores adultos do futuro. E talvez, daqui a 20 anos, a produção de livros adultos e infantis se equipare.

No topo da produção, no pé da leitura

A mesma pesquisa coloca o Brasil entre os oito maiores produtores de livros do mundo. E aí eu pergunto para onde estão indo estes livros ou o que estão fazendo com eles. Estão guardando nas estandes? Porque o Brasil está longe de ter as maiores médias de leitura por pessoa por ano.

De acordo com dados do Ministério da Cultura, cada brasileiro lê, em média, 4,7 livros por ano. No entanto, este número é inflacionado pela leitura de livros indicados nas escolas – a leitura indicada, que inclui didáticos, pára-didáticos e não-didáticos, atinge média de 3,4 livros por pessoa. Mas a leitura feita por quem não está mais na escola fica no pífio 1,3 livros por ano.

Fonte: Blog Tribuna

terça-feira, 30 de setembro de 2008

febres loucas e breves que mancham o silêncio e o cais

Foi tudo lindo? Sim. Ainda que o calor beirasse o insuportável - e olha que eu sou fã de verão, mas afe, juro que me assustei com a quentura que é a terra onde o termômetro vai fácil até os 47°C. Eu vi o relógio da pracinha chegar aos 43°C na tarde de domingo. Pena não ter máquina na hora.

Mas então, se foi tudo ótimo, ainda que algumas intenções primeiras não tenham sido concretizadas, por que há dias que amanhecem cinza e todas as dúvidas - que estavam guardadas numa caixinha escondida no fundo de algum lugar - resolvem fugir e ficar dançando na sua frente? Por que, alguém sabe? É apenas para fazer graça, testar a nossa resistência ou provar algo que nem mesmo sabemos o que é?

Juro que não sei. Você também não. Espero que as dúvidas - traiçoeiras e sacanas que só elas - voltem e recolham-se à sua insignificância de antes. E que eu receba boas notícias em breve. Preciso delas - assim como preciso de você também.

Obs: O título do post vem da música Corsário, de João Bosco. Amo a música e esta frase em especial.

domingo, 21 de setembro de 2008

sobre desejos e necessidades

O desejo sempre se renova. Faz parte da essência do ser humano buscar por coisas ou pessoas - sem o desejo, não haveria ambição e nós morreríamos.

Agora que o coração aquietou, tenho sentido um desejo (ou será necessidade?) crescente de dar uma guinada na minha vida profissional. Que meu chefe não me leia, mas eu sei que minha trajetória lá nos confins da 7 de abril está chegando ao fim. Está tudo bem, mas sabe quando você está querendo mais? Que não te dá mais tesão acordar e pensar o que tem por fazer durante o dia? Ainda que eu goste um bocado do que faça, gosto mesmo, mas sei que neste caso é necessário mexer em time que está ganhando. E então eu me pego pensando - Ok, Camila, vc precisa sair de lá. Mas pra onde? Pra fazer o quê? Tenho uma séria dificuldade com escolhas - talvez porque durante longos e intermináveis anos escolheram por mim, e hoje, quando tenho que andar com as minhas próprias perninhas que Deus me deu, sinto uma enorme insegurança diante do leque de opções que me é oferecido. Gosto da idéia de trabalhar em uma revista, mas ao mesmo tempo me questiono como ficarei sem a rotina maluca e o contato diverso que tenho com pessoas trabalhando com eventos, por outro lado o salário pago em uma assessoria de imprensa me anima, mas aí me dá saudade dos eventos e uma certa nostalgia por nunca ter trabalhado em TV ou revista. Enfim, quero tudo, não decido nada e acabo não saindo do lugar.

Estamos trabalhando fortemente para mudar isso, mas ave Deus, como é difícil!!!

Para ilustrar o assunto e dar uma clareada nas idéias, trago um vídeo do Café Filosófico, programa da TV Cultura. O vídeo fala principalmente sobre o desejo afetivo e sexual pelo outro, mais ainda que não seja o objeto deste post, é um vídeo muito bom:

o que eu adoro em ti

A Revista Língua Portuguesa deste mês (09/2008) faz uma justíssima homenagem ao poeta Manuel Bandeira, em matéria de capa. Após 40 anos de sua morte, Manuel teve um livro de crônicas inéditas lançado em abril deste ano pela Cosac Naif. O site da editora traz um especial sobre a obra, coisa mais linda, veja aqui. E a revista me fez descobrir um poema lindíssimo de Bandeira, conhecido como o poeta da delicadeza e do erotismo velado. Apaixonadinha que estou, não pude deixar de me emocionar e de lembrar de alguém importante ao ler:

Madrigal melancólico

O que eu adoro em ti,
Não é a tua beleza.
A beleza, é em nós que ela existe.
A beleza é um conceito.
E a beleza é triste.
Não é triste em si.
Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza.

O que eu adoro em ti,
Não é a tua inteligência.
Não é o teu espírito sutil,
Tão ágil, tão luminoso,
- Ave solta no céu matinal da montanha.
Nem é a tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.

O que eu adoro em ti,
Não é a tua graça musical,
Sucessiva e renovada a cada momento,
Graça aérea como o teu próprio pensamento,
Graça que perturba e que satisfaz.

O que eu adoro em ti,
Não é a mãe que já perdi,
Não é a irmã que já perdi,
E meu pai.

O que eu adoro em tua natureza,
Não é o profundo instinto maternal
Em teu flanco aberto como uma ferida.
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.

O que eu adoro em ti – lastima-me e consola-me!
O que eu adoro em ti, é a vida.

Manuel Bandeira

terça-feira, 16 de setembro de 2008

e a vida segue, boa e incomensurável

Por tudo que há - que já é bastante, ainda que exista um mundo inteiro de emoções para ser vivido, sentido e, principalmente, compartilhado:

"(...) O prazer nascendo dói tanto no peito que se prefere sentir a habituada dor ao insólito prazer. A alegria verdadeira não tem explicação possível, não tem a possibilidade de ser compreendida - e se parece com o início de uma perdição irrecuperável. Esse fundir-se total é insuportavelmente bom - como se a morte fosse o nosso bem maior e final, só que não é a morte, é a vida incomensurável que chega a se parecer com a grandeza da morte. Deve-se deixar inundar pela alegria aos poucos - pois é a vida nascendo. E quem não tiver força, que antes cubra cada nervo com uma película protetora, com uma película de morte para poder tolerar a vida. Essa película pode consistir em qualquer ato formal protetor, em qualquer silêncio ou em várias palavras sem sentido. Pois o prazer não é de se brincar com ele. Ele é nós."

(Clarice Lispector)

sábado, 13 de setembro de 2008

nobres delicadezas

E então, nas visitas constantes e diárias que faço ao gmail, em busca de uma ou outra frase que faça o coração bater mais forte, eis que me deparo com uma mensagem de Claudia Roquette-Pinto, poeta com 5 livros de poesia publicados, além de participações em antologias nacionais e internacionais. Seu livro Corola ganhou o Prêmio Jabuti de Poesia em 2002.

Claudia, numa delicadeza que se vê muito raramente hoje em dia, me conta que viu um poema seu aqui mesmo no BCS e agradece pela citação. Ela comenta: "é sempre bom quando a gente percebe que tocou a sensibilidade de alguém, que a nossa poesia fez diferença. obrigada!" Diz ainda que o poema não estava completo (de fato, postei apenas um trecho) e oferece para enviar a outra parte, caso seja do meu interesse. E conclui: "de qualquer forma, saiba que gostei muito de ler o seu blog."

Como ficar indiferente diante disso, me diz? Algum ser com sangue correndo nas veias e coração batendo apressadamente no peito consegue? Eu amei, e fui logo em busca de mais.

Achei coisas belas como esta aqui:

fósforo

ela segue dormindo. na borda do lençol o que a acalenta não são flores - senão aquelas mínimas rosas, pontas buliçosas de falanges a afiar seus instrumentos. sobre as cinzas do peito vão as pegadas, fósforo expondo ao ar noturno seu poder de ignição. o objetivo: o ermo pavilhão (esquerdo) do ouvido. onde então dispersariam, indo pesar alhures. nas pálpebras lilases, nas pétalas pisadas dos olhos, onde outro grupo de homúnculos labora. com minúcia, com agulhas de prata eles picam a superfície da pele pálida e baça e tão logo abertas às intempéries da luz. a cada golpe da agulha ela sabe, a massa corrente dos sonhos, a água caiada quase a ponto de talho se enruga e ralenta, e onde ali havia superfície fluida, ininterrupta, o que se coagula?

semi-cerrada na madrugada avulsa ela espera que alguma mão (a sua?) trêmula recolha toda a alva matéria e a explique.

[Do livro: Zona de sombra, Cláudia Roquette-Pinto, Editora Sette Letras]

Por tudo isso e um pouco mais que eu amo este blog, que completa um aninho de existência este mês. Conheça mais da moça aqui.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

mulheres de 30

Eu vi. Gostei. Recomendo. Já falei sobre a peça aqui, mas agora tem o vídeo e o que é bom [quase sempre] vale a pena falar de novo.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

las miradas de tus ojos tan sutiles

"Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca."
(DOM Casmurro, Machado de Assis, cap. 32)

incontáveis palmas

E então eu disse que manteria um post mensal com diquinhas bacanas de novidades na área cultural... e vacilei logo no começo. Sorry. :-(

Um resumo breve do que aconteceu nos últimos 2 meses, culturalmente falando:

- Cinema:
Nome Próprio: E não é que é bom mesmo? Fotografia diferente, ótimo roteiro, Leandra Leal espetacular, eu e algumas pessoas queridas se identificaram bastante com a história da guria intensa que busca a todo custo respostas para suas angústias e seus vazios. Vi 2 vezes. Recomendo.
- O Escafandro e a Borboleta: Filme triste é muito bom, principalmente quando é bem feito. Não recomendado para depressivos e suicidas.

Teatro:
- O Dom do Ciúme: Melhor que a apresentação (ótima), só a Márcia Tíburi toda bravinha pq tinha gente na platéia animada demais com a performance do marido dela (que estava cantando, no palco). Machadão que me desculpe, mas desta vez ele ficou em segundo plano. ;-)
- A Alma Imoral: Muito apropriado para o momento atual, versa sobre transição e mudança, tradição e modernidade, o que é bom e o que é certo. Muito bom, Clarice Niskier dá um show sozinha, sem cenário e com um único pano preto que ela utiliza para fazer vários vestidos (boa parte da peça ela fica sem ele, inclusive).
- Ópera Ariadne em Naxos: Já vi encenações mais interessantes. Achei essa um pouco confusa demais, mas do meio para o final ela engrena e vira uma bela história de amor.

Exposição:
- Bossa na Oca: Amo bossa nova e amei a exposição, as músicas, a praia artificial, as imagens de arquivo, os vídeos, tudo.
- Machado de Assis - Mas este capítulo não é sério. Fundamental para qualquer pessoa que goste de literatura. Sen-sa-ci-o-nal.

Música:
- Além dos óbvios Chico, Marisa, Vercilo, Baleiro e Bethânia, tenho escutado Vinícius de Moraes (muito e incansavelmente), João Bosco, Danni Carlos (a fase internacional), Celso Fonseca, Adriana Calcanhotto (o novo cd dela, Maré, é uma graça), Teresa Salgueiro, Cat Power, Nouvelle Vague, Mônica Salmaso, Trash pour 4. Têm me ajudado nas minhas buscas o last.fm e o eMule. Passatempo bom esse de buscar coisa boa pra ouvir, gostar e baixar. Delícia. :)

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

creio...

CREIO NOS ANJOS QUE ANDAM PELO MUNDO

Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na Deusa com olhos de diamantes,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes,

Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo eterno num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,

Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,

Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o Amor tem asas de ouro. Ámen.

Natália Correia

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

insuportavelmente inquietante...

Pena só lembrar deste texto agora... mas não deixa de ser interessante relembrar tudo que se passou nos últimos 30 dias...

Sugestões para atravessar agosto

Para atravessar agosto é preciso antes de mais nada paciência e fé. Paciência para cruzar os dias sem se deixar esmagar por eles, mesmo que nada aconteça de mau; fé para estar seguro, o tempo todo, que chegará setembro- e também certa não-fé, para não ligar a mínima às negras lendas deste mês de cachorro louco. É preciso quem sabe ficar-se distraído, inconsciente de que é agosto, e só lembrar disso no momento de, por exemplo, assinar um cheque e precisar da data. Então dizer mentalmente ah!, escrever tanto de tanto de mil novecentos e tanto e ir em frente. Este é um ponto importante: ir, sobretudo, em frente.
Para atravessar agosto também é necessário reaprender a dormir, dormir muito, com gosto, sem comprimidos, de preferência também sem sonhos. São incontroláveis os sonhos de agosto: se bons, deixam a vontade impossível de morar neles, se maus, fica a suspeita de sinistros angúrios, premonições. Armazenar viveres, como às vésperas de um furacão anunciado, mas viveres espirituais, intelectuais, e sem muito critério de qualidade. Muitos vídeos de chanchadas da Atlântida a Bergman; muitos CDs, de Mozart a Sula Miranda; muitos livros, de Nietzche a Sidney Sheldon. Controle remoto na mão e dezenas de canais a cabo ajudam bem: qualquer problema, real ou não, dê um zap na telinha e filosoficamente considere, vagamente onipotente, que isso também passará. Zaps mentais, emocionais, psicológicos, não só eletrônicos, são fundamentais para atravessar agostos. Claro que falo em agostos burgueses, de médio ou alto poder aquisitivo. Não me critiquem por isso, angústias agostianas são mesmo coisa de gente assim, meio fresca que nem nós. Para quem toma trem de subúrbio às cinco da manhã todo dia, pouca diferença faz abril, dezembro ou, justamente, agosto. Angústia agostiana é coisa cultural, sim. E econômica. Mas pobres ou ricos, há conselhos- ou precauções-úteis a todos. O mais difícil:evitar a cara de Fernando Henrique Cardoso em foto ou vídeo, sobretudo se estiver se pavoneando com um daqueles chapéus de desfile a fantasia categoria originalidade... Esquecê-lo tão completamente quanto possível (santo ZAP!): FHC agrava agosto, e isso é tão grave que vou mudar de assunto já.
Para atravessar agosto ter um amor seria importante, mas se você não conseguiu, se avida não deu, ou ele partiu- sem o menor pudor, invente um.Pode ser Natália Lage, Antonio Banderas, Sharon Stone, Robocop, o carteiro, a caixa do banco, o seu dentista. Remoto ou acessível, que você possa pensar nesse amor nas noites de agosto, viajar por ilhas do Pacífico Sul, Grécia, Cancún ou Miami, ao gosto do freguês. Que se possa sonhar, isso é que conta, com mãos dadas, suspiros, juras, projetos, abraços no convés à lua cheia, brilhos na costa ao longe. E beijos, muitos. Bem molhados. Não lembrar dos que se foram, não desejar o que não se tem e talvez nem se terá, não discutir, nem vingar-se, e temperar tudo isso com chás, de preferência ingleses, cristais de gengibre, gotas de codeína, se a barra pesar, vinhos, conhaques-tudo isso ajuda a atravessar agosto. Controlar o excesso de informações para que as desgraças sociais ou pessoais não dêem a impressão de serem maiores do que são. Esquecer o Zaire, a ex-Iugoslávia, passar por cima das páginas policiais. Aprender decoração, jardinagem, ikebana, a arte das bandejas de asas de borboletas- coisas assim são eficientíssimas, pouco me importa ser acusado de alienação. É isso mesmo, evasão, escapismos, explícitos.Mas para atravessar agosto, pensei agora, é preciso principalmente não se deter demais no tema. Mudar de assunto, digitar rápido o ponto final, sinto muito perdoe o mau jeito, assim, veja, bruto e seco.

Caio Fernando Abreu

(crônica escrita em AGOSTO de 1995, O ESTADO DE SÃO PAULO)

terça-feira, 26 de agosto de 2008



"Andar acompanhado de ti
Faz meu coração se sentir melhor."

Bonito isso.

sempre e incansavelmente...

DEFENSA DE LA ALEGRIA

Defender la alegría como una trinchera
defenderla del escándalo y la rutina
de la miseria y los miserables
de las ausencias transitorias
y las definitivas
defender la alegría como un principio
defenderla del pasmo y las pesadillas
de los neutrales y de los neutrones
de las dulces infamias
y los graves diagnósticos
defender la alegría como una bandera
defenderla del rayo y la melancolía
de los ingenuos y de los canallas
de la retórica y los paros cardiacos
de las endemias y las academias
defender la alegía como un destino
defenderla del fuego y de los bomberos
de los suicidas y los homicidas
de las vacaciones y del agobio
de la obligación de estar alegres
defender la alegría como una certeza
defenderla del óxido y de la roña
de la famosa pátina del tiempo
del relente y del oportunismo
de los proxenetas de la risa
defender la alegría como un derecho
defenderla de dios y del invierno
de las mayúsculas y de la muerte
de los apellidos y las lástimas
del azar
y también de la alegría.

(Mario Benedetti)

domingo, 17 de agosto de 2008

Texto muito apropriado para esta semana, que será uma das mais intensas e talvez, a mais importante de todas já vividas:

"Era uma menina que gostava de inventar uma explicação para cada coisa - explicação é uma frase que se acha mais importante do que a palavra. Ela achava o mundo do lado de fora um pouquinho complicado. Se cada um simplificasse as coisas, o mundo podia ser mais fácil, ela pensava. Então tentava simplificar o mundo dentro da sua cabeça - simplificar é quando em vez de pensar em 4/8 a pessoa pensa logo em 1/2. Um meio, quando é escrito em números, sempre quer dizer "metade". Mas quando é escrito em letras, pode também querer dizer "um jeito".

Existem vários jeitos de entender o mundo. Ela tentava explicar de um jeito que ele ficasse mais bonito. Essa menina pensa que é filósofa, as pessoas falavam - filósofo é quem, em vez de ver televisão, prefere ficar pensando pensamentos. De tanto que a menina explicava, as pessoas às vezes se irritavam (irritação é um alarme de carro que dispara bem no meio de seu peito) e terminavam indo embora, deixando a menina lá, explicando, sozinha.

Solidão é uma ilha com saudade de barco. Saudade é quando o momento tenta fugir da lembrança pra acontecer de novo e não consegue. Lembrança é quando, mesmo sem autorização, seu pensamento reapresenta um capítulo. Autorização é quando a coisa é tão importante que só dizer "eu deixo" é pouco. Pouco é menos da metade. Muito é quando os dedos da mão não são suficientes. Desespero são dez milhões de fogareiros acesos dentro de sua cabeça. Angústia é um nó muito apertado bem no meio do sossego. Preocupação é uma cola que não deixa o que não aconteceu ainda sair de seu pensamento. Ainda é quando a vontade está no meio do caminho. Vontade é um desejo que cisma que você é a casa dele. Cismar é quando o desejo quer aquilo apesar de tudo. Apesar é uma dificuldade que não é grande o suficiente. Dificuldade é a parte que vem antes do sucesso. Sucesso é quando você faz o que sabe fazer só que todo mundo percebe. Antes é uma lagarta que ainda não virou borboleta. Indecisão é quando você sabe muito bem o que quer, mas acha que devia querer outra coisa. Certeza é quando a idéia cansa de procurar e pára. Intuição é quando seu coração dá um pulinho no futuro e volta rápido. Pressentimento é quando passa em você o trailer de um filme que pode ser que nem exista. Vaidade é um espelho onisciente, onipotente e onipresente. Vergonha é um pano preto que você quer pra se cobrir naquela hora. Ansiedade é quando faltam cinco minutos sempre para o que quer que seja. Indiferença é quando os minutos não se interessam por nada especialmente. Interesse é um ponto de exclamação ou de interrogação no final do sentimento. Sentimento é a língua que o coração usa quando precisa mandar algum recado. Raiva é quando o cachorro que mora em você mostra os dentes. Tristeza é uma mão gigante que aperta seu coração. Alegria é um bloco de Carnaval que não liga se não é fevereiro. Felicidade é um agora que não tem pressa nenhuma. Amizade é quando você não faz questão de você e se empresta pros outros. Decepção é quando você risca em algo ou em alguém um xis preto ou vermelho. Desilusão é quando anoitece em você contra a vontade do dia. Culpa é quando você cisma que podia ter feito diferente, mas geralmente não podia. Perdão é quando o Natal acontece em maio, por exemplo. Exemplo é quando a explicação não vai direto ao assunto. Desculpa é uma frase que pretende ser um beijo. Beijo é um carimbo que serve pra mostrar que a gente gosta daquilo. Gostar é quando acontece uma festa de aniversário no seu peito.

Amor é um gostar que não diminui de um aniversário pro outro. Não. Amor é um exagero... Também não. É um desadoro... Uma batelada? Um enxame, um dilúvio, um mundaréu, uma insanidade, um destempero, um despropósito, um descontrole, uma necessidade, um desapego? Talvez porque não tivesse sentido, talvez porque não houvesse explicação, esse negócio de amor ela não sabia explicar, a menina."

"Mania de explicação", de Adriana Falcão.

terça-feira, 29 de julho de 2008

paris é uma festa

Pelo calorzinho gostooso em pleno inverno, pela cidade luz (sonho de consumo desta que vos escreve) e pela vontade imensa de viajar que estou sentindo neste exato momento, e em muitos outros também:

“Quando a primavera chegava, mesmo que se tratasse de uma falsa primavera, nossos problemas desapareciam, exceto o de saber onde se poderia ser mais feliz. A única coisa capaz de nos estragar um dia eram pessoas, mas se se pudesse evitar encontros, os dias não tinham limites. As pessoas eram sempre limitadoras da felicidade, exceto aquelas poucas que eram tão boas quanto a própria primavera.”

Paris é uma festa, Ernest Hemingway


Tentei achar o(a) dono(a) da foto para dar os créditos, mas não localizei. Sorry. Eu achei a fotinho interessante pq reúne tudo que precisamos - em Paris ou em qq lugar - um bom livro (no caso, vale um guia de viagem tb), doses cavalares de vinho e aquela companhia essencial... ;-)

segunda-feira, 28 de julho de 2008

...mas já não há mais tempo...

Estou tentando abrir um túnel na rocha bruta.
Eu sei, sei que é penoso.
Mas qual é a busca que em si mesma não traga sua pena?

Clarice Lispector

***

E eu continuo sumida, é verdade. Por 2 razões. A primeira é que agora não posso mais postar no horário de trabalho. A segunda é que aquela necessidade absurda de aparecer aqui, aos poucos, vai dando lugar a outras prioridades, outros gostos e formas de dizer. Mais belas e menos agressivas, talvez. Estou tentando entender o que se passa - se o momento do Belas Coisas Simples (que vai fazer um ano agora em Setembro) está acabando ou se é apenas vontade de se resguardar um pouco. Espero que seja a segunda opção, e eu volte a aparecer com mais freqüência. Em breve. Tudo isso porque eu não consigo ir muito além dos meus sentimentos, primncipalmente quando eles são tão intensos que tomam todo o pensamento, a casa e o coração. Monotemática até segunda ordem. Talvez seja ruim para quem ainda passa por aqui, mas pra mim está bom, viu... rs

segunda-feira, 21 de julho de 2008

tempo de ser como quem arde

Canção dos Males Passados e Bem Presente
(In Coisa Amar, Coisas do Mar, Perspectivas e Realidades, 1976)

Eis um tempo de mar. Tempo de azul.
De fogo lento cabras maravilha
tempo de me buscar de te buscar
tempo de navegar para essa ilha
que fica sempre um pouco mais ao Sul.

Eis um tempo de mar (tempo de amar).
Meu país que já foi. Meu país por fazer.
Eis um tempo de ser eterno em cada instante
um corpo para viver um corpo para morrer
meu porto que eras sempre mais adiante.

Eis um tempo de ser como quem arde
como quem se semeia e se despede
porque antes era cedo ou era tarde
mas este tempo é nosso e não se perde.
Eis um tempo de ser como quem arde
em fogo lento lenha verde.

Quem sabe a cor do acaso e suas leis?
Quem sabe ler o tempo e seus sinais?
Eis o tempo a tecer com seus anéis
um tempo para sempre e nunca mais.

Eis um tempo de ser fiel ao tempo.
As cabras estão no fogo e o sacrifício
é este arder assim dentro do tempo.
Meu altar minha festa meu cilício.

Não perguntem por mim: eu estou aqui.
Meu país por fazer. Meu país que já foi.
E não sou de ninguém. E sou de ti.
Eis um tempo de amor num tempo que me dói.
Não perguntem por mim: eu estou aqui.

Não perguntem se volto: eu já voltei.
Estou num corpo de trigo. Estou no vinho.
E nas coisas passadas que passei
como quem fica um pouco no caminho.
Não perguntem se volto: eu já voltei.

Pelos caminhos de me achar e me perder
já meu corpo sofreu os danos e os castigos
tantos foram os laços de me atar e me prender
tantos os riscos tantos os perigos.
Pelos caminhos de me achar e me perder.

Não perguntem por mim.
Dá-me o teu corpo
como se fosse para sempre e nunca mais.
Tu que ficavas mais adiante e és o meu porto
assim me disse o tempo e seus sinais.

Manoel Alegre

Lindo e muito adequado para o momento presente... A vidinha segue intensa, mas sobretudo boa, digna de filme almodovariano, e por tudo isso inexplicável. Um dia, quem sabe, a gente faz um post mais elucidativo. A quatro mãos. :-)

terça-feira, 15 de julho de 2008

samba de mon coeur qui bat

"No estado de graça, via-se a profunda beleza, antes inatingível, de outra pessoa. Tudo, aliás, ganhava uma espécie de nimbo que não era imaginário: vinha do esplendor da irradiação quase matemática das coisas e das pessoas. Passava-se a sentir que tudo o que existe - pessoa ou coisa - respirava e exalava uma espécie de finíssimo resplendor de energia. Esta energia é a maior verdade do mundo e é impalpável."

Clarice Lispector In Uma Aprendizagem ou O livro dos Prazeres

Et alors...

(...) le pourquoi d'un coeur choisit un autre je ne saurai probablement jamais. Il y a de choses pour lesquelles on ne connaît pas de réponse, ou d'explications, ce son les mystéres de la vie.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

os teimosos são os sublimes.

Lindo isso aqui:

"O olho do homem é feito de modo que se lhe vê por ele a virtude. A nossa pupila diz que quantidade de homem há dentro. Afirmamo-nos pela luz que fica debaixo da sobrancelha. As pequenas consciências picam o olho, as grandes lançam raios. Se não há nada que brilhe debaixo da pálpebra, é que nada há que pense no cérebro, é que nada há que ame no coração. Quem ama quer, e aquele que quer relampeja e cintila. A resolução enche os olhos de fogo; admirável fogo que se compõe da combustão dos pensamentos tímidos. Os teimosos são os sublimes. Quem é apenas bravo tem um assomo, quem é apenas valente tem só um temperamento, quem é apenas corajoso tem só uma virtude; o obstinado na verdade tem a grandeza. Quase todo o segredo dos grandes corações está nesta palavra: - Perseverança. A perseverança está para a coragem como a roda para a alavanca; é a renovação perpétua do ponto de apoio. Esteja na terra ou no céu o alvo da vontade, a questão é ir a esse alvo. Insensata é a cruz; vem daí a sua glória. Não deixar discutir a consciência, nem desarmar a vontade, é assim que se obtém o sofrimento e o triunfo. Na ordem dos fatos morais o cair não inclui o parar. Da queda sai a ascenção. Os medíocres deixam-se perder pelo obstáculo especioso; não assim os fortes. Perecer é o talvez dos fortes, conquistar é a certeza deles. O desdém das objeções razoáveis cria a sublime vitória vencida que se chama o martírio."

VICTOR HUGO, in Os Trabalhadores do Mar (1866)

segunda-feira, 7 de julho de 2008

palmas, por favor - junho

Uma amiga muito querida, de longe mas sempre presente, me perguntou quais os eventos e coisas bacanas tinha visto ultimamente por aqui. Ela, que mora em cidade pequena, acaba se abastecendo de novidades culturais pela internet, TV e, claro, pelos amigos. Daí que comecei a pensar em tudo que tinha feito de mais legal nos últimos meses, e percebi que a maioria das coisas acabou não aparecendo aqui. Por isso resolvi criar um tópico fixo, que aparecerá sempre ao final de cada mês e conterá as coisinhas interessantes que espero ter sempre para recomendar. Cinema, teatro, música, literatura, eventos culturais, lançamentos, museus, exposições. O mel do melhor estará aqui, prometo. Não espere críticas profundas, será apenas uma listinha básica, talvez um ou outro comentário, apenas para listar programas e dicas interessantes e mostrar que, apesar da falta de tempo ao blog, sim, ainda há vida aqui, e da melhor qualidade. :-)

Começo com uma retrospectiva com a melhor parte (publicável, claro rs) do que houve no mês passado, junho:

- Show: Maria Rita - Curtíssimo (1 horinha de show cravada no relógio é pouco, né não?!), mas legal. Ela não faz a mínima questão de ser simpática com o público, mas ok, manda bem nos sambas, isso que importa.

- Cinema: Um Beijo Roubado e Sex and the City - o primeiro infinitamente melhor que o segundo. Sensível, fotografia linda, trilha perfeita. Já Carrie e sua turma decepcionam um pouco, mas ainda assim gostei de ver, pq acompanhei algumas fases do seriado, pq o figurino é bacana e extravagante e pq eu sou fã. E ponto. :)

- Teatro: peça Confissões das Mulheres de 30 - Fui esperando uma reflexão profunda sobre a fase que entrarei no ano que vem, saí do teatro decepcionada. Mas depois li umas críticas boas sobre a peça e percebi que estava esperando demais (ainda faço isso às vezes). O grande barato, dizia a crítica e eu tive que concordar, é justamente o ar despretensioso da montagem, como se fosse um papo de bar, ou de blog. As gurias que arrasaram no seriado Mothern fazem rir, falam verdades e mostram que este período talvez nem seja tão difícil assim. A gente é que não sabe aproveitar. Gostei muito da parte que uma delas fala que as crianças têm apenas o futuro, os velhos têm apenas o passado, e as pessoas nesta fase têm os 2. Ainda há muito que viver e aproveitar, mas o passado existe e já rende umas boas horinhas de papo - seja no bar ou na terapeuta. rsrs

- Evento: O que as mulheres esperam do amor - Perguntinha densa e complexa foi o tema do bate-papo muito do interessante que rolou numa segunda-feira gelada de junho, na Martins Fontes da Paulista. Segundo a autora do livro e palestrante, Malvine Zalcberg: "(...) As mulheres, por cultivarem o amor mais do que os homens, são responsáveis pelos encontros possíveis entre os sexos. Para elas o amor é uma paixão; sem ele perdem a si mesmas, pois é o amor que as identifica como mulheres."

Para 30 dias está de bom tamanho, né? Teve ainda momentos ótimos no Páteo da Luz e na Chácara Santa Cecília. 2 lugares lindos, com música e comidinha boa. :)

Um adendo feito após o comentário da Ju: sim, é importante ressaltar que estes e os outros programas que nem entraram aqui não teriam a menor graça se não fossem as pessoas queridas que me acompanharam. AMIGOS, vocês são fundamentais. :-)

talvez seja isso. ou não.

"Não posso escrever enquanto estou ansiosa ou espero soluções porque em tais períodos faço tudo para que as horas passem; e escrever é prolongar o tempo, é dividi-lo em partículas de segundos, dando a cada uma delas uma vida insubstituível."

Clarice Lispector
In: "Água viva"

quarta-feira, 2 de julho de 2008

dia de faxina

Porque há dias que o deserto parece mais seco, o vazio mais fundo e o dia um pouco mais cinzento e pesado, mesmo com o sol lindo de inverno lá fora... Tudo ainda muito corrido por aqui. E sim, precisando arrumar a casa e o coração. :-/

Cuidados Intensivos III

"Só mais um dia,
um dia luminoso e barulhento
por mim a dentro,
um dia bastaria,
em prosa que fosse.

Mas dá-me para a melancolia,
para a limpeza, para a harmonia,
impacientam-me as migalhas
de pão na mesa, as falhas
da pintura do tecto,
as vozes das visitas, despropositadas,
sinto-me sujo como um objecto,
desapegado, desarrumado.

Trocaria bem esse dia
por um pouco de arrumação
- no quarto e no coração."

Manuel António Pina

domingo, 29 de junho de 2008

a verdade possível

Eu acredito que preservar algum mistério é necessário. A partir do momento que se sabe TUDO da outra pessoa, o que fica para ser desvendado? Eu amo ser surpreendida, gosto de ligações inesperadas, comemorações fora de época e gosto muito da idéia de que algo ainda precisa ser dito. Afinal, estamos constantemente nos descobrindo, renovando e mudando. Nada nem ninguém é imutável, igual o tempo inteiro. Ainda bem.


JOGO DA VERDADE
A verdade é um labirinto.

Se digo a verdade inteira,
se digo tudo o que penso,
se digo com todas as letras,
com todos os pingos nos is,
seria um deus-nos-acuda,
entraria um sudoeste
pela janela da sala.
Então eu digo
a verdade possível,
e o resto guardo
a sete chaves
no meu cofre de silêncios.

[Roseana Murray]

quarta-feira, 25 de junho de 2008

sem ele, desculpa mas não dá.

"Descobri que é chegada a hora de acrescentarmos ao tempo e ao espaço mais uma dimensão fundamental à vida: o tesão. Porém, não me refiro ao tesão do Aurélio, mas sim ao do Caetano, por exemplo. Para mim esse tesão não habita dicionários oficiais; entretanto, é o que anima e encanta os poetas tropicais. Tesão sem passado, apenas contemporâneo e vertical, ele é produto semântico e romântico dos que sentem desejo pelo desejo, alegria pela alegria e beleza pela beleza. Mas pode ainda ser tesão de quem sente desejo pela alegria, beleza pelo desejo e alegria pela beleza".

Roberto Freire

"Eu só falei de amor em toda a minha vida, nos 25 livros que publiquei, mas não tenho a menor explicação para ele [o amor]", disse Roberto à Folha. Autor de romances como "Cleo e Daniel" (1966) ou do ensaio "Sem Tesão Não Há Solução" (1990), obras que invocam o amor libertário, revolucionário. Poeta e terapeuta, Roberto Freire faleceu no dia 23/05/2008, aos 81 anos, em SP.

Fonte: jornal Folha de S. Paulo

terça-feira, 24 de junho de 2008

meio silêncio

É tempo de meio silêncio,
de boca gelada e suspiro,
de palavra indireta, aviso na esquina.
Tempo de cinco sentidos num só.
(Carlos Drummond de Andrade)


Águas de vidro à luz doentia da madrugada. Um vidro verde e fino refletindo longe o tremor das luzes da cidade. Aproxima lento o próprio dedo da ponta acesa do cigarro até senti-lo retrair-se num afastamento involuntário. O rosto do outro também parece feito de vidro. Um vidro ainda mais frágil que o da madrugada. Tem a impressão que se sair caminhando o ar irá quebrar-se em ruídos e estilhaços. A lua está tão bonita que dói por dentro, fala. Depois retrai-se como o dedo não queimado. Sempre o medo de chegar perto demais, de não poder voltar atrás, pensa, e solta devagar a fumaça pelas narinas.
Quer ouvir música? meus dedos avançam até o rádio. Um gesto e três palavras para encher o silêncio. Que de tão repleto não cabe em si mesmo. Mas ele diz não. Sua resposta me enche de uma brusca vergonha. Como se tivesse descido mais fundo do que eu, dispensando as facilidades que também são fuga. A luz da lua bate nas pedras, elas brilham feito mil luas brancas, mil luas ásperas, mil luas à beira de um céu-rio sem estrelas. Está tudo quieto - há quanto tempo? - e meus ouvidos já não descosturam do silêncio o rumor dos carros passando distantes na estrada.
Olham-se, mas não se vêem. A escuridão não é uma parede, mas o silêncio os imobiliza na busca da palavra maior. Os dois fumam. As pontas acesas desvendam o escuro, e por instantes colocam um brilho avermelhado nas pupilas de ambos.
Perguntou se eu queria ouvir música. Não, eu disse sem pensar. Então ele calou como se tivesse ficado ofendido por eu recusar alguma coisa sua. Desconhecidos: como isso é, a um só tempo, terrivelmente bom e terrivelmente assustador. Pensar que eu estava só, no bar, esperando nem sei que, nem sei sequer se esperando: de repente os olhos me buscando no balcão em frente. Verdes. No primeiro momento foi a única coisa que percebi. Verdes, os olhos, atrás da fumaça, no meio das gentes, na frente do espelho. E o espelho refletindo o meu espanto. Depois vi os cabelos, a boca, os ombros. Mas era nos olhos, só nos olhos, que se fixava aquele mudo apelo, aquele grito. Nem sei. Aquela clara maldição. Saí, saiu. Não dissemos nada. Eu só tenho esperas. Ele traz a tranqüilidade de mais nada esperar.
"Um menino. Aquele ar espantado. Um pouco trêmulo. Cigarro atrás de cigarro. Tenho medo de tocá-lo. De quebrá-lo."
Eu disse: a lua está tão bonita que dói por dentro. Ele não entendeu. É tudo tão bonito que me dói e me pesa. Fico pensando que nunca mais vai se repetir, é só uma vez, a única, e vai me magoar sempre. Não sei, não quero pensar. Neste espaço branco de madrugada e lua cheia, preciso falar, e mais do que falar, preciso dizer. Mas as palavras não dizem tudo, não dizem nada. O momento me esmaga por dentro. O espanto esbarra em paredes pedindo exteriorização.
Você vê? as pedras parecem luas também. Ou estrelas, ele diz. Chão de estrelas. Vamos pisar nos astros distraídos? Ele ri. Nesse segundo cheio de riso alguma coisa se adensa. Nossos pés pisam em pedras. Mas por cima dos sapatos, sinto que são frias e duras, e sei que seu significado está em nós, não nelas. Uma vontade que a manhã não venha nunca. Vai voltar a grande busca. As noites vazias. Amargura de estar esperando. Repetir mil vezes: não quero esperar. E a certeza de que esse não querer já traz implícitas as longas caminhadas, o olhar devassando os bares, a náusea, os olhares alheios, a procura, a procura: seus ombros largos, um jeito de quem pisa mesmo em luas, não em pedras.
As sombras se projetam alongadas na praia deserta. Rumor de carros e faróis que devassam a noite sem achar. Pára de súbito, o corpo ferido por um sentimento indefinível. Precisa falar, precisa dizer.
Afinal, não foi para enfiar pérolas que você me trouxe aqui: eu digo. Ele está a meu lado. Então me olha sério, por um instante abalado, depois ri e diz: desista.
Positivamente o cinismo não fica bem em você. E se com essa citação só quer mostrar que já leu Sartre, eu também já li. Por que feri? Por que feriu? Por que estamos dizendo coisas que não sentimos nem queremos?
"Um menino assustado querendo mascarar o medo com a agressividade. Um menino. Curvo-me para ele. Tão esguio que meus braços o rodeariam por completo. Por um instante ele ficaria inteiro preso dentro dos meus limites."
O rosto dele próximo do meu. Mais adivinho do que vejo o verde dos olhos deslizando pelas órbitas. A sua mão toca no meu ombro, sobe pelo pescoço, me alcança a face, brinca com a orelha, alcança os cabelos. O seu corpo cola-se ao meu. A sua boca vem baixando devagar, vencendo barreiras, colando-se à minha, de leve, tão de leve que receio um movimento, um suspiro, um gesto, mesmo um pensamento. Estou em branco como a noite. Ele me abraça. Ele está perto.
Ergue o braço lentamente, afunda as mãos nos cabelos de outro. E de súbito um vento mais frio os faz encolherem-se juntos, unidos no mesmo abraço, na mesma espera desfeita, no mesmo medo. Na mesma margem.

(Caio Fernando Abreu)

quinta-feira, 19 de junho de 2008

nesta data querida

Porque hoje é o dia dele, porque ele será eternamente e para todo o sempre, o meu muso, porque ele canta o amor e entende o eu feminino como ninguém. Falo de Francisco Buarque de Hollanda, o ilustre aniversariante de hoje. :)

Uma boa entrevista:
GMN: É por isso que você dá tão poucas entrevistas e fala tão pouco com os repórteres?
Chico Buarque: Eu falo bastante. Falo mais do que devia. Já estou falando aqui há meia hora com você! Mas é que não tenho tanto assunto. Tenho preguiça de falar. Gosto mais de fazer outras coisas.

Uma breve biografia.

Um belo close:


Uma linda música:
Foi difícil escolher, mas uma das que mais aprecio, dentre todas, é Futuros Amantes.


E pro Chico, nada? Tudo!!!!!!! ;-)

quarta-feira, 18 de junho de 2008

breve resumo dos acontecimentos

As últimas semanas têm sido mais intensas do que o normal por aqui. Daí a poeira, as janelas fechadas e o sentimento de coisas não-ditas que sinto todas as vezes que penso no blog. Peço desculpas pela ausência involuntária e necessária. Após um evento por semana desde o dia 04 de junho e dois apenas nesta semana (o grande dia será amanhã), as coisas tendem a melhorar daqui pra frente.

Sigo feliz na maior parte dos dias, com dias insanos de muito trabalho intercalados com baladinhas e encontros amigos para aquecer a alma e o coração. Saudades das pessoas de longe (Lu e Cris, sempre), saudades de casa também.

E os eventos culturais continuam pipocando por aí. Neste domingo haverá um sarau em homenagem à literatura argentina na Rato de Livraria. Gabriel, Cortázar, Borges e Neruda já confirmaram presença. Eu e a Ju também. rs

Para quem curte o cinema francês, a dica é se programar para o Panorama do Cinema Francês, festival de cinema que antecede as comemorações do ano do Brasil na França. Em SP, a coisa toda acontece no Reserva Cultural, de 19 a 26 de junho. E é lá mesmo que neste próximo sábado vai ter a festa à fantasia da prima mais querida, a Isa. Alguma dúvida de que vai ser tudo de melhor, e os primos vão se acabar de dançar e dar risada? A minha fantasia? Já está comprada e é lindaa! :)

Finalizando, eu quero muito muito conhecer aqui e aqui. Muita gente comentando e falando bem. Não podemos ficar de fora, né!?

Beijo para quem visita a casa. Voltaremos em breve com a programação de julho.

sexta-feira, 13 de junho de 2008


Arte de Jim Dine, linda linda, extraída do blog do Carpinejar.

[O QUE ME DÓI NÃO É]

O que me dói não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão...

São as formas sem forma
Que passam sem que a dor
As possa conhecer
Ou as sonhar o amor.

São como se a tristeza
Fosse árvore e, uma a uma,
Caíssem suas folhas
Entre o vestígio e a bruma.

Fernando Pessoa
5/9/1933

o gênio português

"Em 13 de junho, comemora-se os 120 anos do nascimento do poeta Fernando Pessoa, dia de Santo Antônio, que deu nome a Fernando António Nogueira Pessoa, nascido em Lisboa no ano da graça de 1888. Fernando Pessoa era um homem só, mas em pessoas múltiplas. Além dele mesmo, carregava consigo uma pequena multidão: Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Bernardo Soares e vários outros menos importantes. Personalidades diferentes. Todos escritores. O próprio Pessoa fazia questão de destacar: não eram meros pseudônimos, mas heterônimos. Ou seja, diferentes pessoas dentro do mesmo poeta. Escreveu ele: “Construí dentro de mim várias personagens distintas entre si e de mim, personagens essas a que atribuí poemas vários que não são como eu, nos meus sentimentos e idéias, os escreveria”.

E, como pessoas independentes, os heterônimos tinham biografia, horóscopo e descrição física. Aqui vão alguns traços dos principais deles.

Álvaro de Campos – Engenheiro de educação inglesa. Decadentista, futurista, niilista. É o mais agressivo, revoltado, o que fala alto. Ao contrário dos outros da trupe — especialmente Pessoa e Ricardo Reis, que têm postura pudica, quase assexuada —, Campos é o único a falar de sexo, inclusive de homossexualidade. Consultem-se, por exemplo, as caudalosas “Ode Marítima” e “Saudação a Walt Whitman”. Há poemas de Campos com data de novembro de 1935, poucos dias antes da morte de Pessoa que, como poeta, desaparece antes de Campos. Campos é também o mais dado a revelar, asperamente, as crueldades do mundo: “Mandei, capitão, fuzilar os camponeses trêmulos, / Deixei violar as filhas de todos os pais atados a árvores” (em “Ode Marcial”).

Ricardo Reis – Médico, latinista e monárquico. Mudou-se para o Brasil em protesto à instauração da república em Portugal. O ano de sua morte é desconhecido. Com base nisso, José Saramago criou o romance O Ano da Morte de Ricardo Reis. Para Saramago, Ricardo Reis sobrevive a seu criador. Um dos personagens do romance é Lídia, referência reiterada nas odes de Reis.

Alberto Caeiro – Segundo Pessoa, Caeiro é o mestre de todos os heterônimos. Mestre inclusive do próprio Pessoa. Teria passado quase toda a vida como camponês, com instrução apenas primária.

Bernardo Soares – Ajudante de guarda-livros em Lisboa. Soares, prosador, é autor do Livro do Desassossego, fragmentos e anotações pessoais.

Coelho Pacheco – Na Obra Poética de Pessoa, há uma ode, "Para Além Doutro Oceano", assinada por Coelho Pacheco.

No Posfácio aos “Poemas Completos de Alberto Caeiro”, Álvaro de Campos escreve: “O meu mestre Caeiro não era um pagão: era o paganismo. O Ricardo Reis é um pagão, o Antônio Mora é um pagão, eu sou um pagão; o próprio Fernando Pessoa é um pagão, se não fosse um novelo embrulhado para o lado de dentro”.

Observem: aí é citado outro personagem, Antônio Mora, descrito por Pessoa como um louco que vivia num manicômio de Cascais. Haveria ainda o Barão de Teive e muitos outros, semi-heterônimos ou meros coadjuvantes. Somados, eles são bem mais de uma dezena — essa multidão que habitava a singular pessoa do Pessoa."

Fonte: Poesia.net