terça-feira, 29 de abril de 2008

a amizade é um meio-amor. e mais.

Que qualidade primeira a gente deve esperar de alguém com quem pretende um relacionamento? Perguntou-me o jovem jornalista, e lhe respondi: aquelas que se esperaria do melhor amigo. O resto, é claro, seriam os ingredientes da paixão, que vão além da amizade. Mas a base estaria ali: na confiança, na alegria de estar junto, no respeito, na admiração. Na tranqüilidade. Em não poder imaginar a vida sem aquela pessoa. Em algo além de todos os nossos limites e desastres.

Talvez seja um bom critério. Não digo de escolha, pois amor é instinto e intuição, mas uma dessas opções mais profundas, arcaicas, que a gente faz até sem saber, para ser feliz ou para se destruir. Eu não quereria como parceiro de vida quem não pudesse querer como amigo. E amigos fazem parte de meus alicerces emocionais: são um dos ganhos que a passagem do tempo me concedeu. Falo daquela pessoa para quem posso telefonar, não importa onde ela esteja nem a hora do dia ou da madrugada, e dizer: "Estou mal, preciso de você". E ele ou ela estará comigo pegando um carro, um avião, correndo alguns quarteirões a pé, ou simplesmente ficando ao telefone o tempo necessário para que eu me recupere, me reencontre, me reaprume, não me mate, seja lá o que for.

Mais reservada do que expansiva num primeiro momento, mais para tímida, tive sempre muitos conhecidos e poucas, mas reais, amizades de verdade, dessas que formam, com a família, o chão sobre o qual a gente sabe que pode caminhar. Sem elas, eu provavelmente nem estaria aqui. Falo daquelas amizades para as quais eu sou apenas eu, uma pessoa com manias e brincadeiras, eventuais tristezas, erros e acertos, os anos de chumbo e uma generosa parte de ganhos nesta vida. Para eles não sou escritora, muito menos conhecida de público algum: sou gente.

A amizade é um meio-amor, sem algumas das vantagens dele mas sem o ônus do ciúme – o que é, cá entre nós, uma bela vantagem. Ser amigo é rir junto, é dar o ombro para chorar, é poder criticar (com carinho, por favor), é poder apresentar namorado ou namorada, é poder aparecer de chinelo de dedo ou roupão, é poder até brigar e voltar um minuto depois, sem ter de dar explicação nenhuma. Amiga é aquela a quem se pode ligar quando a gente está com febre e não quer sair para pegar as crianças na chuva: a amiga vai, e pega junto com as dela ou até mesmo se nem tem criança naquele colégio.

Amigo é aquele a quem a gente recorre quando se angustia demais, e ele chega confortando, chamando de "minha gatona" mesmo que a gente esteja um trapo. Amigo, amiga, é um dom incrível, isso eu soube desde cedo, e não viveria sem eles. Conheci uma senhora que se vangloriava de não precisar de amigos: "Tenho meu marido e meus filhos, e isso me basta". O marido morreu, os filhos seguiram sua vida, e ela ficou num deserto sem oásis, injuriada como se o destino tivesse lhe pregado uma peça. Mais de uma vez se queixou, e nunca tive coragem de lhe dizer, àquela altura, que a vida é uma construção, também a vida afetiva. E que amigos não nascem do nada como frutos do acaso: são cultivados com… amizade. Sem esforço, sem adubos especiais, sem método nem aflição: crescendo como crescem as árvores e as crianças quando não lhes faltam nem luz nem espaço nem afeto.

Quando em certo período o destino havia aparentemente tirado de baixo de mim todos os tapetes e perdi o prumo, o rumo, o sentido de tudo, foram amigos, amigas, e meus filhos, jovens adultos já revelados amigos, que seguraram as pontas. E eram pontas ásperas aquelas. Agüentei, persisti, e continuei amando a vida, as pessoas e a mim mesma (como meu amado amigo Erico Verissimo, "eu me amo mas não me admiro") o suficiente para não ficar amarga. Pois, além de acreditar no mistério de tudo o que nos acontece, eu tinha aqueles amigos. Com eles, sem grandes conversas nem palavras explícitas, aprendi solidariedade, simplicidade, honestidade, e carinho.

Nesta página, hoje, sem razão especial nem data marcada, estou homenageando aqueles, aquelas, que têm estado comigo seja como for, para o que der e vier, mesmo quando estou cansada, estou burra, estou irritada ou desatinada, pois às vezes eu sou tudo isso, ah!, sim. E o bom mesmo é que na amizade, se verdadeira, a gente não precisa se sacrificar nem compreender nem perdoar nem fazer malabarismos sexuais nem inventar desculpas nem esconder rugas ou tristezas. A gente pode simplesmente ser: que alívio, neste mundo complicado e desanimador, deslumbrante e terrível, fantástico e cansativo. Pois o verdadeiro amigo é confiável e estimulante, engraçado e grave, às vezes irritante; pode se afastar, mas sabemos que retorna; ele nos agüenta e nos chama, nos dá impulso e abrigo, e nos faz ser melhores: como o verdadeiro amor.

Lya Luft

mozart, o açougueiro

Abaixo, algumas reflexões interessantes do sociólogo italiano Domenico De Masi sobre o mundo atual, o trabalho e a criatividade:

NUNCA VIVEMOS TÃO BEM

Tenho muitos amigos intelectuais que às vezes dizem que queriam ter vivido no século 18, ou na época dos gregos, ou na época dos romanos, ou no Renascimento. Creio que esses amigos se iludem. Há 20 ou 30 anos, bastava ter uma dor de dente para que isso fosse uma grande tragédia. Acho impossível não sermos otimistas em uma situação como a atual. Pensemos um pouco nos dados. Em 800 gerações, desde o homem de Neandertal até nossos avós, a média de vida humana girou sempre em torno de 29 a 30 anos, ou cerca de 262 800 horas. Nossos bisavós viviam 32 anos (os homens) e 33 anos (as mulheres). Hoje, em apenas duas gerações, temos uma média de vida de 79 anos, no caso dos homens, e 82 anos, no das mulheres.
Desde sempre o ser humano esperou trabalhar o menos possível, ser o mais rico possível, se cansar o menos possível, sofrer o menos possível. Tudo isso ainda não foi atingido, mas estamos no caminho certo. Creio que, graças ao progresso tecnológico e científico e à globalização, vê-se finalmente uma luz no fim do túnel. Houve pouco progresso humano em 80 milhões de anos. Depois, na Mesopotâmia, há 7 000 anos, o progresso foi extraordinário: descobriu-se a escrita, a economia, a moeda, a astronomia... Em Atenas, na era de Péricles, havia 40 000 homens livres, 20 000 estrangeiros naturalizados e 350 000 escravos. Cada homem livre, em Atenas, tinha entre escravos, esposas e donas de casa, oito ou nove pessoas à sua disposição. Hoje, para fazer o que essa gente toda fazia, temos lava-louças, máquinas de lavar, elevadores, telefones...

POR QUE OS GÊNIOS SÃO GÊNIOS

A criatividade resulta de fantasia e realização. Acontece que é difícil encontrar alguém muito fantasioso, criativo e efetivo ao mesmo tempo. Quando ocorre, temos um gênio. Michelangelo foi um gênio. Não porque inventou a cúpula de São Pedro. Mas porque, após desenhá-la, aos 72 anos, convenceu o papa a financiar seu projeto, achou os escultores e os carpinteiros, e os dirigiu - eram 3.500 pessoas - por 20 anos, até a sua morte. Não havia apenas fantasia, mas uma grande realização.
É difícil, portanto, encontrar gênios. Mas será que é possível criá-los? Na minha opinião, podemos desenvolver a criatividade coletiva, gerada por grupos em que uns têm maior fantasia e outros, maior capacidade de realização. Veja o meu caso: com certeza, sou fantasioso e pouco realizador. Se não fosse assim, eu seria muito rico. Mas o fato de eu ser sobretudo um homem fantasioso não é positivo. Positivo seria ser fantasioso e realizador ao mesmo tempo. Para se tornar criativo, um grupo deve ter diversidade de classes sociais, não pode ser acadêmico nem burocrático. E deve ter o espírito de luta e desafio. Deve ter também um forte senso estético.
Quando eu era mais jovem, pensava que todos podiam ser educados para ser gênios. E perdi talvez um pouco de tempo a mais com colaboradores que não tinham essas possibilidades. Eu os estimulei demais, exigindo o que não tinham. Depois entendi que devemos ser mais realistas, e que só podemos ter de cada colaborador aquilo que ele pode dar. Não é justo baixar o nível de estímulos, mas também não é justo exigir demais.

MOZART PODERIA TER SIDO AÇOUGUEIRO

Todos somos mais criativos em alguma coisa e menos em outra. Acho que Mozart ou Beethoven seriam péssimos matemáticos. Consta de suas biografias que eram péssimos no dia-a-dia. Beethoven, por exemplo, brigava com todos os senhorios. Só em Viena, mudou-se 30 vezes. Era incapaz de organizar sua vida cotidiana. Morreu num quarto desleixado, sujo, terrível. No entanto, na música, era gênio absoluto. A primeira coisa é entender em que somos criativos. Cada um é mais criativo em uma coisa do que em outra. Se Mozart não fosse filho de Leopoldo, que tinha uma grande paixão por música, e fosse filho de açougueiro ou de médico, seria açougueiro ou médico, e teríamos perdido um grande músico. A criatividade não é um ponto de partida - é um ponto de chegada. Criativo é quem é capaz de aliar o melhor daquilo que herdou da natureza ao aprendizado. Contam que uma senhora muito rica teria pedido a Picasso um retrato. Picasso o fez em segundos e cobrou muito caro. A mulher disse: "Mas isto só levou alguns segundos. Não deveria custar tanto". Ele respondeu: "Não foram alguns segundos. Eu levei a vida toda para pintá-lo".

Excertos extraídos de reportagem publicada na Revista Você S/A.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

sobre o mês que não acaba nunca

Abril - o mês do meu aniversário. E também o mês que eu resisti bravamente às dores de um tornozelo torcido, trabalhei horrores no Congresso (mancando com o pé machucado, afe), vi Chega de Saudade (o filme), chorei, li muita poesia e muitos blogs e pouco dos livros em andamento, fiz coisa errada (ui!) mas já parei, fui numa balada tosca com 2 pessoas muito queridas, trabalhei mais um pouco, senti saudades imensas, comemorei o meu aniversário tardiamente (no último sábado 26) mas exatamente do jeitinho que eu queria, com as pessoas fundamentais e mais algumas... sim, foi maravilhoso! amei!, vi, ouvi e dancei ao som de Ivone Lara e Quinteto em Branco e Preto, fui na festa mais bizarra de todas em um bar muuito suspeito do centrão velho de Sampa, e mais. Muito mais. Ô mês intenso esse. Que venha o mês das noivas. Eu nunca pensei que fosse pedir isso mas, tem paz aí? Tranquilidade? Estou precisando. Em alguns momentos eu busquei o caos, é fato. Mas hoje eu quero cafuné, edredom, inverno, alegria, amor e cobertor de orelha. E os amigos por perto, like always. Estou me acostumando com a idéia - e não é de todo ruim, viu!? :)

quinta-feira, 24 de abril de 2008

e os sonhos que não chegaram a nascer?

Como todo mundo, continuo estarrecida com a morte da menina Isabella. Contraria tudo que nos ensinaram, é desleal, é impossível aceitar. E numa noite vazia pego o livro Fazes-me falta, de Inês Pedrosa, e abro numa página qualquer que ainda não li. Eis que me deparo com um relato absurdamente atual, de um assassinato de uma criança, no apartamento vizinho ao do narrador da história:

"Ontem o meu vizinho do lado matou a filha de dois anos e, uma vez mais, eu não me apercebi do que se passava. Não soube salvar uma criança que gritava do outro lado da parede - porque tinha o som da televisão demasiado alto. Se não fosse a televisão seria um disco, a rádio, qualquer coisa que enchesse a casa de músicas ou palavras. É a primeira coisa que faço quando entro em casa: ligar o som, qualquer que ele seja. Sou o vizinho ideal para um criminoso. O álibi perfeito.
(...)
Para onde foi a vida futura desta criança? Como crescerão sem ela os amigos que não teve, os amores que não conheceu, os projetos particulares de seu cérebro irrepetível? Onde moram os sonhos que não chegaram a nascer? Perguntas que abandonara depois da guerra, perguntas que nos acodem, debaixo do fogo de todas as guerras, quando assistimos ao vôo picado da morte sobre corpos carregados de vida potencial?
(...)
A juventude desta menina não existiu. O sangue coagulou, o corpo arrefeceu, roxo como mármore, preso nos sonhos antesonhados. Esta menina que ontem a teu lado, chorava pela avó, só agora a descobres, no museu de horrores do telejornal, exposta para o prazer póstumo dos bons sentimentos. Em pequena, ensinaram-me que estes casos trágicos eram a excepção, a incontrolável excepção. Depois fui-me habituando a inscrevê-los na ordem, a imutável ordem.
(...)
Assassinam-se demasiadas crianças todos os dias para que possamos fazer algo por isso. O que se escreve, o que se julga, o que se faz - tudo isso corre numa pista paralela, a pista eficiente dos fazedores de molduras. Na televisão, emolduram a morte da menina a noite inteira - um batalhão de psicólogos, sociólogos, terapeutas experientes para o fazer. Explicam-na, e ficam mais sossegados. (...) No fundo do precipício das explicações, a menina continua morta, violentamente morta, de uma morte que, como o amor-perfeito, jamais parará de acontecer, jamais parará de contagiar o medo dos vivos, a sua solidão, a sua infinita capacidade de matar devagar."

Inês Pedrosa, in Fazes-me falta, pags 149 e 154

Li, gostei e fiquei me perguntando como pode ser tão verdadeiro, tão real. E fiquei pensando ainda que o bom escritor deve ser aquele que consegue escrever de forma bela, mesmo falando de algo tão horrível como o assassinato de uma criança.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

confias e triunfarás

Porque a "estranha mania de ter fé na vida", como bem canta o grande Milton, continua firme e forte por aqui. Ainda que em alguns momentos tudo pareça mais complicado e nebuloso do que de costume.

(...)
A pessoa que confia está a léguas de distância daquele otimista insuportável que sempre acha que tudo vai dar certo, afirma a psicoterapeuta carioca Natália Assunção. O otimista de carteirinha parece que está inchado, inflado como uma bola de gás. Tudo nele tem um ar forçado, artificial. O otimista quer que as coisas dêem certo, custe o que custar. Já a pessoa confiante exala naturalidade, graça, leveza. Ela não é obsessiva, diz Natália.

Então é isso: quem confia se sente seguro e tem fé na vida, não importando o que vai acontecer. Prepara-se, física e psicologicamente, tem ajuda ou pede por ela, treina muito e como Zorba, o grego (do clássico do cinema), depois do baque inicial, é até capaz de dançar com um sorriso sobre o próprio fracasso. Sinceramente, talvez você e eu ainda não tenhamos chegado a esse ponto verdadeiramente invejável. Mas tenho certeza de que, com um pouco de prática, entrega e abertura, ainda chegará o dia em que finalmente teremos coragem de chegar à pontinha da plataforma do trapézio, contemplar o ambiente e nos atirarmos. Com muito mais confiança.

Fonte: Revista Vida Simples - Abril/2008

com a palavra, Amma

Aquele abraço
Amma, a guru indiana que já abraçou mais de 20 milhões de pessoas, esteve no Brasil em agosto. Seu segredo está em uma só palavra: amor
por Mariana Sgarioni

Mata Amritanandamayi ­ ou Amma, como é conhecida ­ tem um hábito muito especial. O de abraçar. Pode parecer banal, mas não é. O abraço de Amma aconchega, pacifica, acalma. Para alguns, ele chega a abençoar, uma vez que Amma (mãe, em sânscrito) é vista por milhões de pessoas como uma verdadeira santa na Terra, a encarnação do amor. Pois é como uma verdadeira mãe de todos que esta indiana de 54 anos se sente. Reconhecida pelas Nações Unidas por seu trabalho humanitário e por promover a paz no mundo, Amma é uma altruísta incansável. Chega a ficar mais de 20 horas sem se levantar somente distribuindo seus famosos abraços. Enquanto houver uma pessoa esperando, Amma continua ali, disponível, a quem quer que seja. Mantém ainda a Fundação Mata Amritanandamayi Math, na Índia, uma imensa rede que promove atendimento gratuito com hospitais, clínicas, orfanatos, farmácias ambulantes, asilos, creches, entre outros serviços e programas de combate à pobreza. Segundo a ONU, a fundação é a “única organização não-governamental capaz de promover, em larga escala, um esforço humanitário completo”.

De que o mundo mais precisa?

Amor e compaixão. A alma precisa tanto de amor quanto o corpo precisa de comida para crescer. O amor, por exemplo, pode chegar a nutrir muito mais um bebê do que o próprio leite. O que acontece hoje no mundo é que as pessoas passam muito mais tempo tensas do que em estado de felicidade. E deveria ser exatamente o inverso. As pessoas trabalham demais para acumular riquezas, carros, jóias, luxo e acessórios como ar-condicionado em suas casas. Ao mesmo tempo, elas não conseguem sequer dormir em paz, precisam de remédios. Elas não entendem que nada dessas coisas materiais traz felicidade ­ porque, se trouxesse, elas seriam felizes. Mas não são. Tudo depende da nossa mente, do quanto nossa mente está em paz. A espiritualidade é o ar-condicionado da mente.

Todos deveriam abraçar mais uns aos outros?

Só abraçar não significa nada. O que conta é o amor que você sente e transmite com esse gesto. Ver e sentir vida em tudo ­ isso é amor. Quando o amor preenche o coração, a pessoa vê a vida pulsar em tudo. Portanto, onde há vida, há amor ­ e vice-versa. A vida e o amor não são dois, são um. Assim, o ato de abraçar deve estar impregnado de amor. Caso contrário, é como dar gelo a quem tem sede: não adianta nada. É importante lembrar que, quando falo em amor, falo no sentimento sem restrições. Inclusive por aquelas pessoas que não conhecemos. O amor não aparece apenas pelo nosso filho, nossa família, nosso cônjuge. Ele deve ser igual para todos, incluindo até desconhecidos. Quando eu abraço, sinto que cada um é meu filho [Amma chama todas as pessoas de “Filho”]. O amor real é vivido quando não existem condições. O amor real é o único remédio que pode curar as feridas do mundo. Neste Universo, é o amor que une todas as coisas. Quando essa consciência despertar dentro de nós, toda a desarmonia terminará e reinará a paz duradoura.

É a primeira vez que a senhora vem à América Latina. Qual sua impressão deste povo?
Sinto que são pessoas que têm coração de criança. Percebo que existe muito amor dentro delas, mas que têm alguma dificuldade de se abrir. Veja, isso não é ruim. Ninguém é ruim. Se olharmos apenas o lado bom dos outros, eles realmente se tornarão bons. Até mesmo um relógio quebrado pode ser bom, uma vez que ele mostra a hora certa duas vezes ao dia [risos]. O que quero dizer é que mesmo as pessoas que parecem ser ruins têm qualidades. O importante é aceitar a todos independentemente de suas expectativas. É o que estou fazendo aqui e agora. Por exemplo, ao ver uma flor, um cientista vai querer estudar suas propriedades. Um poeta vai querer fazer uma poesia. Um religioso vai querer oferecê-la a Deus. Ou seja, diante de um mesmo fato há inúmeras expectativas. Como aqui: imagino que cada uma dessas pessoas tenha uma expectativa diante de mim. Mas não me importa. Estou aqui para atender cada um, independentemente do que esperam de mim.

Conheça mais sobre a vida da guru no site brasileiro dedicado a Amma.

Fonte: Revista Vida Simples - Ed. Outubro 2007

domingo, 20 de abril de 2008

juno, o filme

Revi Juno hoje. Já tinha visto no cinema uma vez, revi em casa com o pessoal. Gostei ainda mais do filme, do talento e da graça da Ellen Page (a menina fofa que faz a Juno), da ótima trilha sonora, da câmera que pega uns ângulos diferentes, do roteiro que quase ganhou o Oscar (o filme teve 4 indicações).

Apesar de tratar a gravidez como um probleminha superficial que pode ser resolvido com uma simples olhadela no jornal, ainda assim o filme é uma graça e merece ser visto. Tem vários clipes no youtube, dá pra baixar pela web e continua em cartaz no cinema.

O site da Rádio Eldorado indica o CD como um dos melhores da temporada:

Vários – Juno (trilha sonora)
O gracioso e irresistível filme sobre a adolescente Juno tem um coadjuvante de peso: a trilha sonora. Ela acompanha majestosamente a protagonista em suas peripécias, conflitos sentimentais e investidas românticas. O tom indie folk domina a produção, afinal a seleção é assinada por Kimya Dawson, ex-integrante do Moldy Peaches e do Antsy Pants. A própria artista se responsabiliza por quatro temas do álbum. Os demais são de gente como The Kinks, Velvet Underground, Belle & Sebastian, Cat Power e Sonic Youth – com a versão soturna de “Superstar”, dos Carpenters. A trilha é boa porque tem vida própria. Mas para quem viu o filme ela é ainda melhor, pois dá sentido a uma história linda e repleta de verdade.
(Emanuel Bomfim, 03/03/2008)

E os bons lançamentos continuam aparecendo no cinema. Tem o americano "Três vezes amor" e o irlandês "Apenas uma vez", ambos muito bem cotados pela crítica. Isso dos que estréiam esta semana, sem falar no "Um beijo roubado", do chinês Wong-Kar-Wai e o nacional "Chega de Saudade", que já têm data e cias certas para serem vistos. Pra quem curte uma sala escura como eu, tem filme e programa de sobra para as próximas semanas. :)

sábado, 19 de abril de 2008

a palavra é uma roupa que a gente veste

Uns gostam de palavras curtas.
Outros usam roupa em excesso.
Existem os que jogam palavra fora.
Pior são os que usam em desalinho.
Alguns usam palavras raras.
Poucos ostentam caras.
Tem quem nunca troca.
Tem quem usa a dos outros.
A maioria não sabe o que veste.
Alguns sabem e fingem que não.
E tem quem nunca usa a roupa certa pra ocasião.
Tem os que se ajeitam bem com poucas peças.
Outros se enrolam em um vocabulário de muitas.
Tem gente que estraga tudo que usa.
E você, com quais palavras você se despe?

(Viviane Mosé)

sexta-feira, 18 de abril de 2008

os jornalistas e seus super-egos

Li o texto abaixo no site do Jornal do Brasil e achei a relação muito interessante - deve ser daí a idéia de que muitos jornalistas se sintam e ajam como representantes de Deus na terra, senhores de si mesmos e de todo o resto:

"A Bíblia é igualzinha a um jornal"

"Fazer jornal, meu filho, é brincar um pouco de ser Deus. A gente é que decide o que é importante. Só é importante o que sai no jornal. Não adiantava Deus fazer e acontecer, criar o dia e a noite, o macho e a fêmea, as estrelas, o Himalaia, o Garrincha, o cacete a quatro: se não saísse no jornal, ninguém ficaria sabendo. Por isso, Ele também criou a Bíblia, o jornal Dele. A Bíblia é igualzinha a um jornal, é cheia de boas histórias, a maioria, difícil de ser checada. Há alguns exageros, umas forçadas de barra, umas cascatas, um certo culto à personalidade: tudo como num jornal. Mas tá cheia de notícias. Uma boa quantidade de repórteres, correspondentes no mundo inteiro, jornalistas com acesso a fontes privilegiadas. E que comentaristas – retumbantes, proféticos! O tal do Moisés era uma espécie de repórter especial. O sujeito entrevista Deus em on, veja só! Deus dava entrevista pra Moisés on the record, não pedia off. Imagina, Deus chegando pro repórter e dizendo: ‘Pode publicar que fui Eu que disse’. Imagina a cena na redação, o chefe de reportagem enchendo o saco do pobre do repórter: ‘Onde você vai, Moisés? Pro deserto de novo? Olha lá, a verba da curta, o aluguel de camelos tá muito caro... Você garante que vai ter matéria, Ele vai falar mesmo? A manchete tá garantida?’. Por isso que eu digo: a Bíblia é um jornal".

[12/04/2008, no site do JB]

quinta-feira, 17 de abril de 2008

conhece-te a ti mesmo.

Tenho que reconhecer: tenho escrito pouco aqui. São atualizações frequentes, mas com poesias e textos vários. Eu mesma tenho me mostrado pouco. Não é falta do que dizer não. Continuo lendo e pensando muito - muitas vezes gostaria até de ter a cabeça menos repleta de devaneios, sonhos, expectativas e projetos. Também continuo fazendo programas bacanas, conhecendo gente, trocando idéias, vivendo, enfim. No entanto, em alguns momentos se faz necessário um certo afastamento de mensagens que podem te expor demais. Autopreservação? Sim. Vontade de se recolher um pouco, olhar - e ser olhada - com um olhar mais imparcial, menos invasivo. E além disso, estou num processo profundo de autoconhecimento. Não tem sido fácil mexer e ir ainda mais fundo na ferida aberta, com pequenas e grandes cicatrizes que não vêm só de agora. Coisa recente com coisa antiga, tudo misturado e muito relacionado. O processo teve início há mais de um ano, com a terapia. Mas somente hoje, após um ano turbulento que me mostrou muitas coisas, estou conseguindo entender tudo com o afastamento necessário para crescer e tirar algum proveito disso.

E conhecer-se a fundo é difícil. O amadurecimento implica em perdas, quebra de paradigmas, descobertas e decisões. Mas também traz muitos ganhos. E eu posso dizer que a aventura está apenas começando. :)

"Conhece-te a ti mesmo" é um dos mais famosos lemas de Sócrates, filósofo grego.

a poesia sopra onde quer

Novíssimo Orfeu

Vou onde a poesia me chama.

O amor é minha biografia,
Texto de argila e fogo.

Aves contemporâneas
Largam do meu peito
Levando recado aos homens.

O mundo alegórico se esvai,
Fica esta substância de luta
De onde se descortina a eternidade.

A estrela azul familiar
Vira as costas, foi-se embora!
A poesia sopra onde quer.

Murilo Mendes

fala, Herman

Alguém amou e, amando, encontrou-se.
Quantos não há, porém, que amam para se perderem.
Que seria da razão e do bom senso,
se não houvesse a loucura?
Que seria do prazer dos sentidos,
se por trás dele não estivesse a morte?
Que seria do amor
sem o eterno e mortal antagonismo dos sexos?
Amor não deve pedir,
nem tampouco exigir.
Ele haverá de ter a força
de chegar por si mesmo à certeza
e ao invés de atrair,
passa a ser atraído.

Herman Hesse - o cara é bom mesmo. E ainda, também dele, para pensar e parar de exigir do outro o que deve existir, primeiro, dentro de nós:

“Nada lhe posso dar que já não exista em você mesmo. Não posso abrir-lhe outro mundo de imagens, além daquele que há em sua própria alma. Nada lhe posso dar a não ser a oportunidade, o impulso, a chave. Eu o ajudarei a tornar visível o seu próprio mundo, e isso é tudo.”

Li e fiquei pensando se já fui a responsável por dar a "chave" a alguém. Cada pessoa que passa pela nossa vida deixa algo, mas trazer a oportunidade, o impulso para ir além, este é um papel intransferível. E reservado para pessoas muito, mas muito especiais.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

que bom senso, que nada

Lindo isso aqui. Li, amei, me identifiquei horrores e compartilho:

ILUMINURA DO BANCO DA PRAÇA
Fabrício Carpinejar

Você não perguntou se eu podia, ou se devia.
Você não me diminuiu para se sentir mais forte.
Você não se escandalizou com a mentira; eu não completei a verdade.
Você não pensou no futuro, não pesou as conseqüências, não penou antes da hora.
Você não se protegeu do que desconhecia.
Não alertou que sofreria comigo, e que depois não sairia ilesa.
Você não me forçou a adivinhá-la.
Não apelou para o bom senso.
Você não me inventou, muito menos queimou o rascunho.
Você não me ameaçou com gentilezas.
Não me incriminou com seus temores, não explicou seus traumas.
Não se fez de vítima como se eu estivesse atacando.
Não, você me carregou nos ombros pela cintura. Os dois dedos dentro do meu cinto empurrando a dança.
Não me solicitou prova, testemunhas, sinais.
Não emprestou a Deus o que acontecia em segredo.
Você lembrou do sinal-da-cruz longe da igreja.
Não me julgou por antigos amores.
Não me condicionou a amar como estava acostumada.
Não esperou que eu pronunciasse o que vinha escrito em carta.
Você me olhava com os cabelos.
Você não pediu fiança, recompensa, para se entregar.
Você veio com a roupa do corpo, com o corpo ainda sem culpa.
Você me fechou em suas pernas e deixou a porta aberta do quarto.
Você me exilou no desejo para me repatriar aos poucos.
Você esqueceu as janelas chiando na cozinha.
Você foi incapaz de me constranger quando desisti de responder.
Você não me incitou a casar contigo, não me incitou a namorar.
Você não isolou minhas frases, não alegou que era uma fase.
Você me perdoou como se não existisse.
Você me fez existir para que perdurasse.
Você não me reclamou distante, não cobrou que mandasse notícias.
Você desaparecia quando desaparecia e voltava quando voltava.
Você me afirmava quando me confundia.
Você segurava a nudez para que subisse.
Você não me comparou a ninguém, muito menos aquilo que já fui.
Você não me subornou com a infância ou com o medo da morte.
Você não explorou meus segredos para usá-los.
Você não quis que falasse para preencher as falhas.
Você arredondou os defeitos pela pressa de cuidá-los.
Você foi generosa com os meus ouvidos, confiando mais no vento do que na palavra.
Você me permitiu.
Você me entendeu ao não entender.

Você não teve nada a ver comigo - finalmente eu não me repetia.

terça-feira, 15 de abril de 2008

cuerpo y alma...

El alma no es el cuerpo

Nos enseñaron desde niños cómo se forma un cuerpo.
Sus órganos, sus huesos, sus funciones sus sitios.
Pero nunca supimos de qué estaba hecha el alma.
¿Será de sentimientos, de ensueños, de esperanzas?
¿De emociones, de tirrias, de estupores?
Lo cierto es que, ignorada, el alma arde en su fuego.
Tiene espasmos oscuros, punzadas de ternuras, suburbios de delirio.
¿Será tal vez una inquilina del corazón? ¿O viceversa?
Entre ellos no hay fronteras ¿O será la asesora principal de la mente?
¿O viceversa?
Entre ellas no hay disputa. O será capataz de la pobre conciencia?
¿O viceversa?
Entre ellas no hay acuerdo.
El alma tiene hambres y cuando está famélica
Puede herir, puede armarse de enconos o de furias.
No hay que pensar que el alma es un tul de inocencia
ajeno a los agravios que sufren cuerpo y alma
En el alma se forman abscesos de rencores,

tumores de impaciencia, hernias de desamparo
El problema es que no hay cirujanos del alma, ni siquiera herbolarios
El alma es un secreto, una noción, una nube que suele anunciar llanto
Pero después de tantas búsquedas, de pesquisas inútiles y de adivinaciones
Nos queda apenas una certidumbre:
Que el alma no es el cuerpo
Que el cuerpo muere…
Y… el alma?…

(Mario Benedetti)

o que resta, afinal?

O Haver

Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.

Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.

Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...

Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.

Vinícius de Moraes

Fonte: comunidade do orkut Discutindo Literatura

sábado, 12 de abril de 2008

indo direto aos fatos

"Como ia dizendo, não se esquive do fato de haver uma história em suspenso aqui, não digamos assim, pois uma história jamais fica suspensa: ela se consuma no que se interrompe, ela é cheia de pontos finais internos, o que a gente imagina que poderia ser talvez uma continuação às vezes não passa de um novo capítulo, eventualmente conservando as mesmas personagens do anterior, mas seguindo uma ordem cujas regras nos são ilusoriamente às vezes familiares? ou inteiramente aleatórias? Isso eu não sei, mas a verdade é que chega-se sempre longe demais quando não se quer Ir Direto Aos Fatos, e o problema de Ir Direto Aos Fatos é que não há cir-cun-ló-quios então, e a maioria das vezes a graça reside justamente nesses Vazios Volteios Virtuosos, digamos assim: que não haja beleza nos fatos desde que se vá direto a eles? ou que não exista mistério, que seja insuportavelmente dispensável gostar dos tais circunlóquios. Ultrapasse-os, ordeno. Acontece que. Não, nada acontece - mas, por favor, não falemos disso agora..."

Caio Fernando Abreu

sexta-feira, 11 de abril de 2008

rapidinhas literárias

1. Eu gosto muito da literatura portuguesa. Muito mesmo. Imagine você pegar todos os autores vivos deste país mais feras do momento e colocar dentro de um evento para discutir e declamar poesia e literatura. Muito bom, não? O que mais dói é saber que o evento existe, está sendo organizado pela Inês Pedrosa, tem como um dos debatedores o Nuno Júdice e acontece até este domingo em Lisboa. Cadê o cartão de crédito sem limite uma hora dessas, hein? Cadê? Cadê o passaporte em ordem e uma malinha enxuta para se jogar em Portugal em um final de semana? Para morrer de inveja dos amigos da terrinha: http://letrasemlisboa.blogspot.com/

2. Já está definida a próxima exposição do Museu da Língua Portuguesa: Machado de Assis. Para quem ainda não viu, Gilberto Freyre fica até maio e merece uma visita. Além disso, a outra novidade do Museu é uma nova projeção multimídia de poesias. Como explica no site do Museu: "Trata-se de uma realização da Fundação Roberto Marinho, com a curadoria de José Miguel Wisnik e Arthur Nestrovski. O novo programa inclui trechos de textos de Nelson Rodrigues, Euclides da Cunha, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes, João Cabral de Melo Neto e Clarice Lispector na voz de cantores e outros artistas como Tom Zé e Arnaldo Antunes."

3. A Virada Cultural vai acontecer no final de semana de 26 e 27 de abril, em Sampa. A cidade será inundada de cultura, arte, música e literatura à noite e na madrugada. O site: http://viradacultural.org/

um cigarro na falésia da memória

CALMARIA

Um barco atravessa as constelações,
deixando um sulco de asa na superfície celeste.
Viajante clandestino, oculto o meu sonho
na mala do porão. Ouço um choro de astros
amarrados ao mastro de fogo, e sinto uma queda
de cometa no abismo do horizonte.

Desenho o seu rumo no mapa
da alma. Evito naufrágios; rodeio arquipélagos
e recifes; procuro o centro do céu, onde
se esconde a visão de um último porto, com
o seu cais de cinza e uma erupção de lava
nos bolsos do nada.

Então, acendo um cigarro na falésia
da memória. Os deuses seguem-me, apanhando
as beatas que deixo pelo caminho. Correm,
e ouço o bater dos corações num eco
de cansaço. Mas não me apanham, e
dobro a esquina do ocaso, vendo-os tossir
com o fumo da noite.

De volta ao convés, reabro
o diário de bordo. E o barco continua parado
no oceano sem porto.

NUNO JÚDICE
Geometria Variável
Abril 2005
Publicações D.Quixote

quinta-feira, 10 de abril de 2008

o melhor signo

Em ano olímpico, quem ganhará a medalha de Áries?
06/04/2008
Por Luciana Martins

Em 21 de março, com a entrada do Sol no signo de Áries, iniciou-se um novo ano astrológico. Segundo a astrologia, cada novo ano que começa em março é regido por um dos planetas, e este ano estará sob a regência do planeta Marte (que também é o regente do signo de Áries).

Marte, o planeta vermelho, recebeu o nome do deus da guerra, e é associado à energia, à força, às guerras, ação, agressividade. É também associado à coragem, à iniciativa e vitórias. Por ser o regente do signo de Áries, empresta a ele essas mesmas qualidades e características, e, por reger o ano de 2008, provavelmente fará com que este não seja um ano muito tranqüilo. Os anos regidos por Marte são agitados, cheios de conflitos, competições e costumam ser também marcados pelo surgimento de novas lideranças, com novos projetos e muitas mudanças.

Áries, regido por Marte, nos ensina a ter coragem. Os arianos sabem que, para realizar qualquer conquista, é preciso correr riscos, ousar, tomar a iniciativa, batalhar pelo que se deseja, sem delegar a tarefa a outras pessoas. Os arianos nos ensinam a ir à luta, já que o destino não espera. Sabem que não devemos adiar projetos, deixar para fazer amanhã o que poderia ser feito hoje, pois o verdadeiro vencedor é aquele que chega primeiro, que sai na frente. Sabem que o melhor competidor é o mais ágil e o mais veloz. Ayrton Senna era do signo de Áries.

O signo representa o impulso para a ação, o espírito empreendedor e de liderança, a energia agressiva bem direcionada. Representa o guerreiro que nada teme e que só se interessa em lutar com audácia e se tornar vitorioso. É também a representação do herói, que luta bravamente por um ideal, não admitindo derrotas, tendo em mente apenas a vitória.

Quando conseguimos usar corretamente essa energia, ela serve para nos abrir caminhos, nos ajudar a enfrentar os desafios, lutar pelo que desejamos e sairmos vitoriosos em todas as batalhas da vida. Porém, quando abrimos mãos dessa energia, deixando que ela se manifeste de maneira inconsciente, podemos despertar o que há de pior em nós. O instinto de sobrevivência volta a ser primitivo e manifesta-se sob a forma de violência, agressividade e rudeza, como no tempo das cavernas. Ou, então, volta-se contra nossa própria psique, transformando-se em depressão, deixando-nos sem a energia necessária até mesmo para realizar pequenas tarefas.

O ano astrológico de 2008 começou inundado pela energia de Marte, manifestando-se em seus melhores e piores aspectos. A Áries e a Marte se associa a cor vermelha, do sangue, da vida, e também da guerra. Foi justamente a China, tão orgulhosa de sua bandeira vermelha, a protagonista de episódios de violência. Ocupando o Tibete à força há mais de 50 anos, mais uma vez reagiu com violência às manifestações dos monges e das pessoas comuns que protestavam contra o seu domínio. Tudo isso no ano em que a Olimpíada, competição cujos ideais são a paz, a amizade e o bom relacionamento entre os povos, será realizada na própria China.

Ocupar um país à força, alegando sobre ele soberania histórica, ameaçando, assim, sua cultura e religião, devastando sua arquitetura e substituindo suas antigas construções por prédios gigantescos, com a desculpa de modernizar e trazer prosperidade, é um exemplo de uso negativo da energia de Marte. Isso não é um exemplo de coragem, mas de covardia disfarçada. Não é preciso agressividade para lutar, e é isso que tenta demonstrar o Dalai Lama, líder político e espiritual do Tibete, que luta pacificamente pela libertação de seu país, viajando pelo mundo, desde 1959, em busca de apoio internacional à causa da independência.

A lição a ser aprendida com Áries e Marte é a da competição saudável, da auto-superação, como nos ensinam os atletas e os esportistas, que canalizam sua energia agressiva para realizar, com seus corpos, belíssimas façanhas, transformando-se, por alguns momentos, em deuses olímpicos. E os protestos dos ativistas, em defesa dos direitos humanos, durante a cerimônia de chegada da tocha olímpica à China, demonstraram que este país não se classificou para os jogos arianos.

Fonte: Site Jornalirismo (muito bom!)

terça-feira, 8 de abril de 2008

pelo dia de hoje...

... E também pelo lado menina e mulher que convivem muito bem lado a lado, por todos os aprendizados e amadurecimentos, pela alegria inerente, pelos medos superados, pelas amizades conquistadas e mantidas, pela vontade de fazer sempre mais, por ser hoje um pouquinho melhor que ontem:

Eu apenas queria que você soubesse
Gonzaguinha

Eu apenas queria
que você soubesse
Que aquela alegria
ainda está comigo
E que a minha ternura
não ficou na estrada
não ficou no tempo
presa na poeira

Eu apenas queria
que você soubesse
Que esta menina
hoje é uma mulher
E que esta mulher
é uma menina
que colheu seu fruto
flor do seu carinho

Eu apenas queria dizer
a todo mundo que me gosta
que hoje eu me gosto muito mais
porque me entendo
muito mais também
E que a atitude
de recomeçar
É todo dia, toda hora
É se respeitar
na sua força e fé
Se olhar bem fundo
até o dedão do pé

Eu apenas queria
que você soubesse
Que essa criança
brinca nessa roda
E não teme os cortes
das novas feridas
pois tem a saúde
que aprendeu com a vida

segunda-feira, 7 de abril de 2008

agradeça sempre

Pode ser piegas, pode ser o que você quiser. Mas ainda assim relembra umas coisinhas que a gente pode até saber, mas muitas vezes acabam sendo esquecidas e deixadas de lado:


A ARTE DE VIVER BEM
Içami Tiba

Não exija dos outros o que eles não podem lhe dar,
mas cobre de cada um sua responsabilidade.
Não deixe de usufruir o prazer,
desde que não faça mal a ninguém.
Não pegue mais do que precisa,
mas lute por seus direitos.
Não olhe as pessoas só com seus olhos,
mas olhe-se também com os olhos delas.
Não fique ensinando sempre,
você pode aprender muito mais.
Não desanime perante o fracasso,
supere-se transformando-o em aprendizado.
Não se aproveite de quem se esforça tanto,
ele pode estar fazendo o que você deixou de fazer.
Não estrague um programa diferente com seu mau humor,
descubra a alegria da novidade.
Não deixe a vida se esvair pela torneira,
pode faltar aos outros...
O amor pode absorver muitos sofrimentos,
menos a falta de respeito por si mesmo!
Se você quer o melhor das pessoas,
dê o máximo de si,
já que a vida lhe deu tanto.
Enfim, agradeça sempre,
pois a gratidão abre as portas do coração.

e as bocas salgadas pela maresia

Uma canção linda e pouco conhecida de Chico Buarque para animar a semana:

Mar e Lua

Amaram o amor urgente
As bocas salgadas pela maresia
As costas lanhadas pela tempestade
Naquela cidade
Distante do mar
Amaram o amor serenado
Das noturnas praias
Levantavam as saias
E se enluaravam de felicidade
Naquela cidade
Que não tem luar
Amavam o amor proibido
Pois hoje é sabido
Todo mundo conta
Que uma andava tonta
Grávida de lua
E outra andava nua
Ávida de mar

E foram ficando marcadas
Ouvindo risadas, sentindo arrepios
Olhando pro rio tão cheio de lua
E que continua
Correndo pro mar
E foram correnteza abaixo
Rolando no leito
Engolindo água
Boiando com as algas
Arrastando folhas
Carregando flores
E a se desmanchar
E foram virando peixes
Virando conchas
Virando seixos
Virando areia
Prateada areia
Com lua cheia
E à beira-mar

Chico Buarque, 1980
Marola Edições Musicais

domingo, 6 de abril de 2008

enquanto isso, na sala 2....

5 dias inteiros trabalhando das oito da manhã às duas da madrugada. Foi bom? Não, foi maravilhoso mesmo. Percebi que estou craque em lidar com imprevistos, que não tem jeito, eu amo trabalhar com e pelas pessoas, e que o melhor reconhecimento é ver o evento (tanto o técnico quanto o social) com quase 100% de satisfação, e depois ainda receber muitos parabéns no final. Amo muito tudo isso.

Além disso, claro, teve a parte que a gente se divertiu, e não foi pouco. Trabalho pesado, insano e que me deixa muito, mas muito ansiosa. Mas eu passo bem também, viu?!

Retorno satisfeita. E motivada. E feliz.

That´s all folks. :)

terça-feira, 1 de abril de 2008

tempo, jardim ou janela

A lição

Recebeste a lição do abismo: não há anjo
que desabite o corpo para habitar o ar,
o puro esplendor, a idéia perfeita;
aquela parte do céu está erma.
Abandonado o refúgio, a cabeça descoberta,
sumido o braço, caído, como roubado
pelo centro da terra, você sabe quem é o anjo.
O anjo é a janela que te deixa ver sem véus
A luz, as trevas, o enorme gris.
É o jardim que plantaste com impaciência e desvelo:
pedras, flores, ervas daninhas e inquietas esperanças.
O anjo é o tempo, o borrascoso titã,
As mãos cheias de sangue, mais jogador que guerreiro,
mais arrogante que sábio. O anjo é nomear
a vida: tempo, jardim ou janela.
O anjo é o corpo que resiste ao feitiço da alma
sob a perfeição do meio-dia,
o corpo que busca a sombra de outro corpo
para nascer, morrer e amar.

Rafael Argullol, poeta espanhol