Líria Porto
fascinados por sonhos intangíveis
avaliações equivocadas
ultrapassamos os limites da lucidez
descuidamo-nos dos laços
dos compromissos
enveredamo-nos por aí
catadores mendigos de nós mesmos
[Estou gostando mais e mais dos versos de Líria, que conheci pela sempre doce Jenifer]
"Não pense que eu ando atrás só de belas coisas simples. Eu quero qualquer coisa, desconexa, contraditória, insegura, não tem importância, desde que seja sua. As definições redondas e grandiloqüentes, as coisas categóricas e acabadas não me satisfazem, porque eu não sou assim", escreveu Maury Gurgel Valente para Clarice Lispector. Este blog traz excertos do cotidiano, poesias, devaneios sobre relacionamentos, cinema, literatura, música... Belas coisas simples, como eu, você e a vida.
segunda-feira, 28 de maio de 2012
quinta-feira, 24 de maio de 2012
A questão
Como decidir do desejo?
Algum padrão diz do que
e de quanto vive?
Ele vive do que deseja?
É uma necessidade?
Subsiste no fundo do tempo?
Faz-se num minuto? Morre
no outro? Perdura uma existência inteira?
O desejo que não desejamos,
refreá-lo como? Respiramos.
Há interromper-lhe o passo?
O desejo nos ouve?
É cego? É doido? O desejo vê
mais que tudo? São os nossos
os seus olhos? Se os fechamos,
ele finda? Quem pôs o desejo em nós?
Onde está posto? E onde não?
Penetra o sonho, o trabalho, infiltra
nos livros, no óbvio, nos óculos,
na cervical, na segunda-feira e os versos
não sabem outro tema.
Há quem não deseje?
Tudo o que vive deseja?
Faça-se o exercício: não desejar,
por um mês, uma semana,
um dia. O desejo fabrica-se
de nenhum aval? Ele não teme?
Não receia o sal à face da razão?
Não teme a dor, decerto, que dela
parece, por vezes, primo-irmão.
E perguntamos, perplexos. O desejo
é uma forma oblíqua de alegria? Brinca
conosco? Mas, brincarmos com ele,
ai de nós, é de seus truques
o mais fatal. Morremos de desejo?
Com ele removemos pedras?
Por ele removemos montanhas?
Pode o desejo mover o não?
(O não: esta seta o mata?
Ou esta farpa fomenta o que nele nos ultrapassa
e que, sem nome nem fim, não desistirá
senão quando tudo morto em nós?)
Química tão secreta,
não vale a pena qualquer pesquisa,
uma pluma, este poema.
EUCANAÃ FERRAZ
in Rua do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
in Rua do mundo. Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2007.
Algum padrão diz do que
e de quanto vive?
Ele vive do que deseja?
É uma necessidade?
Subsiste no fundo do tempo?
Faz-se num minuto? Morre
no outro? Perdura uma existência inteira?
O desejo que não desejamos,
refreá-lo como? Respiramos.
Há interromper-lhe o passo?
O desejo nos ouve?
É cego? É doido? O desejo vê
mais que tudo? São os nossos
os seus olhos? Se os fechamos,
ele finda? Quem pôs o desejo em nós?
Onde está posto? E onde não?
Penetra o sonho, o trabalho, infiltra
nos livros, no óbvio, nos óculos,
na cervical, na segunda-feira e os versos
não sabem outro tema.
Há quem não deseje?
Tudo o que vive deseja?
Faça-se o exercício: não desejar,
por um mês, uma semana,
um dia. O desejo fabrica-se
de nenhum aval? Ele não teme?
Não receia o sal à face da razão?
Não teme a dor, decerto, que dela
parece, por vezes, primo-irmão.
E perguntamos, perplexos. O desejo
é uma forma oblíqua de alegria? Brinca
conosco? Mas, brincarmos com ele,
ai de nós, é de seus truques
o mais fatal. Morremos de desejo?
Com ele removemos pedras?
Por ele removemos montanhas?
Pode o desejo mover o não?
(O não: esta seta o mata?
Ou esta farpa fomenta o que nele nos ultrapassa
e que, sem nome nem fim, não desistirá
senão quando tudo morto em nós?)
Química tão secreta,
não vale a pena qualquer pesquisa,
uma pluma, este poema.
EUCANAÃ FERRAZ
in Rua do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
in Rua do mundo. Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2007.
quarta-feira, 23 de maio de 2012
das tentativas
"Entrevistadora:
É interessante que o senhor tenha mencionado luz e escuridão, pois os personagens de seus livros com frequência se apegam a ilusões e ao autoengano.
Javier Marías:
As ilusões são importantes. Aquilo que se prevê ou de que se lembra pode ser tão importante quanto o que realmente acontece. Tendemos, em geral, a contar a própria história mencionando apenas as coisas positivas, mas também há uma parte negativa da vida que nos forma: o que não fizemos, aquilo a que renunciamos, o que não ousamos fazer, o que desacreditamos e descartamos, aquilo com que sonhamos, o que esperamos, o que deixamos de lado, o que não chegamos a estudar mas pensamos que estudaríamos, o emprego que não conseguimos, o emprego que não nos deram, ainda que o quiséssemos. As coisas que não somos são parte da gente também. Evitamos falar delas, até para nós mesmos, como se não contassem. Em meus romances, quero que contem."
(As entrevistas da Paris Review Volume 1. Ed. Companhia das Letras, p. 449-450)
Fonte: Blog Vem Cá Luisa
É interessante que o senhor tenha mencionado luz e escuridão, pois os personagens de seus livros com frequência se apegam a ilusões e ao autoengano.
Javier Marías:
As ilusões são importantes. Aquilo que se prevê ou de que se lembra pode ser tão importante quanto o que realmente acontece. Tendemos, em geral, a contar a própria história mencionando apenas as coisas positivas, mas também há uma parte negativa da vida que nos forma: o que não fizemos, aquilo a que renunciamos, o que não ousamos fazer, o que desacreditamos e descartamos, aquilo com que sonhamos, o que esperamos, o que deixamos de lado, o que não chegamos a estudar mas pensamos que estudaríamos, o emprego que não conseguimos, o emprego que não nos deram, ainda que o quiséssemos. As coisas que não somos são parte da gente também. Evitamos falar delas, até para nós mesmos, como se não contassem. Em meus romances, quero que contem."
(As entrevistas da Paris Review Volume 1. Ed. Companhia das Letras, p. 449-450)
Fonte: Blog Vem Cá Luisa
Canção da Alma Caiada
Aprendi desde criança
Que é melhor me calar
E dançar conforme a dança
Do que jamais ousar
Mas às vezes pressinto
Que não me enquadro na lei:
Minto sobre o que sinto
E esqueço tudo o que sei.
Só comigo ouso lutar,
Sem me poder vencer:
Tento afogar no mar
O fogo em que quero arder.
De dia caio minh'alma
Só à noite caio em mim
por isso me falta calma
e vivo inquieto assim.
(Antonio Cícero)
Nota: Esta é a primeira letra que Marina musicou, feita por Cícero nos USA, "Canção da Alma Caiada". Maria Bethania chegou a gravar a música em 77, mas foi censurada. Anos depois, Zizi Possi fez nova gravação. Embora Marina já tenha cantado essa canção em shows, nunca gravou-a em disco.
quinta-feira, 17 de maio de 2012
e que nunca abdique de ser o que tenta.
Achei lindo e muito apropriado para este momento.
A ORAÇÃO DE CHAGAS:
Que nunca as pernas se cansem de dançar, pois é essa a única maneira de recomeçar.
Que nunca as pernas se cansem de tropeçar, pois é essa a única maneira de caminhar.
Que eu seja o que cai mas nunca descai, que eu seja o que desfruta e nunca o que aguenta – e que nunca abdique de ser o que tenta.
Que todos os homens aprendam a andar – e que corram e sonhem a cada saltar.
E que não haja pernas pequenas de mais, e que não haja no mundo dois homens iguais – e que se faça um começo de todos os finais.
E que o passo por dar continue a nascer, e que o caminho se faça pelo mero querer – e que eu ouse o perigo de insistir em viver.
E que nada termine sem o ai do orgasmo, e que nada se dobre sob o peso do pranto – e que um simples abraço me encha de tanto.
Que nunca as pernas se cansem de tropeçar, pois é essa a única maneira de caminhar.
Que nunca as pernas se cansem de dançar, pois é essa a única maneira de recomeçar.
PEDRO CHAGAS FREITAS
...
quarta-feira, 16 de maio de 2012
Poesia
Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.
(Carlos Drummond de Andrade)
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.
(Carlos Drummond de Andrade)
quarta-feira, 9 de maio de 2012
e a mente cansada não diz o que sente.
De tanto que há para escrever a palavra esquiva-se pela esquina do papel, a mente cansada não diz o que sente, esconde-se por detrás de uma nuvem incerta. A boca cala a emoção e os pensamentos vagueiam em contraluz. São silêncios mascarados de sorrisos, é a mente que grita e nada diz.
Por hoje já chega, insiste o pensamento cansado na procura das palavras certas… Mas o espírito aprisionado por sentimentos incertos, grita libertação e o dedos pousados no teclado tocam a sinfonia das palavras que me dita teimosamente o coração… São raros estes momentos, é a palavra sentida em plena emoção. E a noite vai passando neste frenesim que é a passagem do tempo e a alma gritando, a tristeza soltando emoções escondidas, e o tempo que passa, e a palavra que toma forma e os dedos soletrando a raiva escondida em fragmentos de ilusão.
E a frase que nasce, os sons das palavras escritas embalando a esperança renascida, o tempo que pára por um momento nas palmas da minha mão. E as nuvens escuras fugindo para longe formando leitos de espuma branca-libertação.
***
De tant qu'il reste à écrire le mot s’esquive par le coin du papier. L’esprit fatigué ne dit pas ce qu’il ressent, il se cache derrière un nuage incertain. La bouche tait les émotions et les pensées qui errent en contre-jour. Ce sont des silences déguisés en sourires, c’est l’esprit qui crie et ne dit rien.
Maintenant, cela suffit, insiste la pensée, fatiguée par la recherche des mots justes... Mais l'esprit apprivoisé par des sentiments incertains, crie libération et les doigts posés sur le clavier jouent la symphonie des mots que le cœur dicte, obstinément… Ils sont rares ces instants - c’est le mot en plein émoi. Et la nuit s’écoule dans cette frénésie qui est le passage du temps, et l’âme qui hurle la tristesse, et les émotions cachées qui se délient et le temps qui passe et le mot qui prend forme et les doigts épelant la colère cachée dans des fragments d'illusion.
Et la phrase qui naît, les sons des mots écrits berçant l'espoir réincarné: le temps s’arrête un instant dans les paumes de ma main. Et les nuages sombres s’en vont au loin dessinant des lits d’écume blanche - libération.
domingo, 6 de maio de 2012
exatamente assim...
Apaixonite Aguda
Itamar Assumpção
Quando estou longe
Quero ficar perto
Quando estou perto
Quero ficar dentro
Quando estou dentro
Quero ficar mudo
Quando estou mudo
Quero dizer tudo
Canção de amor
Rainer Maria Rilke
Como hei-de segurar a minha alma
para que não toque na tua? Como hei-de
elevá-la acima de ti, até outras coisas?
Ah, como gostaria de levá-la
até um sítio perdido na escuridão
até um lugar estranho e silencioso
que não se agita, quando o teu coração treme.
Pois o que nos toca, a ti e a mim,
isso nos une, como um arco de violino
que de duas cordas solta uma só nota.
A que instrumento estamos atados?
E que violinista nos tem em suas mãos?
Como hei-de segurar a minha alma
para que não toque na tua? Como hei-de
elevá-la acima de ti, até outras coisas?
Ah, como gostaria de levá-la
até um sítio perdido na escuridão
até um lugar estranho e silencioso
que não se agita, quando o teu coração treme.
Pois o que nos toca, a ti e a mim,
isso nos une, como um arco de violino
que de duas cordas solta uma só nota.
A que instrumento estamos atados?
E que violinista nos tem em suas mãos?
sábado, 5 de maio de 2012
De-lembrares
E no telefone a sua voz chega ainda acordando, tanta manhã que faz. Falamos em projetos, presentes, viagens, tanta coisa. Depois disso, dormi sono demorado, daqueles que a gente pensa e lembra e quer, mas o danado do olho não fecha. A cabeça teima em futurar acontecimentos que ainda não aconteceram, sentimentos e falas, e já eu fico atordoada de vontades, trocando de travesseiros a todo tempo. Imagino casa sem parede, mundo sem distância, tempo sem calendário, e o sono me acorda: deixa de pensar besteira, menina. Tenho dessas coisas desde pequena, de querer andar pelas paredes e sentar no ventilador de teto – ainda nessa época a gravidade não tinha força nenhuma –, mas o doutor me olhava de rabo de olho. Mamãe não gosta de filha dela pensando pensamento mal pensado, mas agora não tenho mais, prometo, passou. Mas por que o sol e a lua não aparecem juntos? Por que não posso ficar acordada? Ah, essas coisas de-lembrar. Só que já faz noite funda e tenho medo de susto, então apago a luz e fecho os olhos bem fechados. Agora não penso mais, palavra minha que fico bem quieta. Quieta feito planta. Quieta feito cômoda. Quieta feito coisa que não barulha.
Alice Sant'Anna, que tem apenas (!!!) 20 e poucos anos e poetisa como poucos no blog pra não ficar na gaveta.
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