sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

o que é que fica?

FILOSOFIA

Mas que queremos da vida? É a vida? O
que se procura em cada segundo para se perder
em cada segundo? O tempo, assim, de nada
nos serve. Um dia, dando por nós próprios,
perguntamo-nos o que fizemos, por onde
andámos, que cidades e casas percorremos,
sem que uma resposta nos satisfaça. A
vida, então, limita-se a ser o que fez
de nós, sem que o tenhamos desejado, e
nada pode ser feito para voltar atrás, nem
para restituir os passos trocados de
direcção, as frases evitadas no último
extremo, o olhar que se desviou quando
não devia. Ah, sim - e o amor? É isso
que queremos da vida? É verdade: cada um
dos abraços que se deram, contando cada
instante; o rosto lembrado no auge do
prazer, quando um súbito sol desponta
dos seus lábios; os cabelos presos nas
mãos, como se elas prendessem o feixe
da eternidade... Assim, a vida poderá
ter valido a pena. É o que fica: o que
nos foi dado e o que damos, sem que nada
nos obrigasse a dar ou a receber, o puro
gesto do acaso na mais absoluta das
obrigações. Então, volto a perguntar: que
outra coisa queremos da vida?

NUNO JÚDICE
In Cartografia de Emoções

Lindo é pouco para este poema... Sublime mesmo. E ainda faz pensar. Respondendo à pergunta, o que fica são as belas coisas simples (rs). Bom final de semana! :-)

fala, Eugênio

O sal da língua

Escuta, escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém - mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar,
para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.

Eugénio de Andrade


****

Urgentemente

É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.

Eugénio de Andrade - para quem não conhece, um dos melhores e mais significativos poetas portugueses. Mais aqui.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

sobre ela, a temida senhora

A solidão amiga

A noite chegou, o trabalho acabou, é hora de voltar para casa. Lar, doce lar? Mas a casa está escura, a televisão apagada e tudo é silêncio. Ninguém para abrir a porta, ninguém à espera. Você está só. Vem a tristeza da solidão... O que mais você deseja é não estar em solidão...

Mas deixa que eu lhe diga: sua tristeza não vem da solidão. Vem das fantasias que surgem na solidão. Lembro-me de um jovem que amava a solidão: ficar sozinho, ler, ouvir, música... Assim, aos sábados, ele se preparava para uma noite de solidão feliz. Mas bastava que ele se assentasse para que as fantasias surgissem. Cenas. De um lado, amigos em festas felizes, em meio ao falatório, os risos, a cervejinha. Aí a cena se alterava: ele, sozinho naquela sala. Com certeza ninguém estava se lembrando dele. Naquela festa feliz, quem se lembraria dele? E aí a tristeza entrava e ele não mais podia curtir a sua amiga solidão. O remédio era sair, encontrar-se com a turma para encontrar a alegria da festa. Vestia-se, saía, ia para a festa... Mas na festa ele percebia que festas reais não são iguais às festas imaginadas. Era um desencontro, uma impossibilidade de compartilhar as coisas da sua solidão. A noite estava perdida.

Como é que a sua solidão se comporta? Ou, talvez, dando um giro na pergunta: Como você se comporta com a sua solidão? O que é que você está fazendo com a sua solidão? Quando você a lamenta, você está dizendo que gostaria de se livrar dela, que ela é um sofrimento, uma doença, uma inimiga... Aprenda isso: as coisas são os nomes que lhe damos. Se chamo minha solidão de inimiga, ela será minha inimiga. Mas será possível chamá-la de amiga? Drummond acha que sim: "Por muito tempo achei que a ausência é falta./ E lastimava, ignorante, a falta./ Hoje não a lastimo./ Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim./ E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,/ que rio e danço e invento exclamações alegres,/ porque a ausência, essa ausência assimilada,/ ninguém a rouba mais de mim.!"

A vela solitária de Bachelard iluminou meus cantos sombrios, fez-me ver os objetos que se escondem quando há mais gente na cena. E ele faz uma pergunta que julgo fundamental e que proponho a você, como motivo de meditação: "Como se comporta a Sua Solidão? Minha solidão? Há uma solidão que é minha, diferente das solidões dos outros? A solidão se comporta? Se a minha solidão se comporta, ela não é apenas uma realidade bruta e morta. Ela tem vida."

(Rubem Alves)

... E, ainda, 2 versos que gosto muito sobre o mesmo tema, que falam sobre esta "solidão boa e amiga", muito bem colocada pelo Rubem:

"Gosto muito das pessoas, mas sinto essa necessidade voraz que às vezes me vem de me libertar de todos. Enriqueço na solidão: fico inteligente, graciosa e não essa feia ressentida que me olha do fundo do espelho. Ouço duzentas e noventa e nove vezes o mesmo disco, lembro poesias, dou piruetas, sonho, invento, abro todos os portões e quando vejo a alegria está instalada em mim."

(Lígia Fagundes Telles)


"Ai quem me dera ao som de madrigais
Ver todo mundo para sempre afins
E a liberdade nunca ser demais
E não haver mais solidão ruim."

(Vinicius de Moraes)

o resto é mar

Pela bossa nova (que está completando 50 anos em 2008), pelo Tom, Vinícius e todos os mestres do gênero, pela música linda (desculpem o clipe tosco, mas foi o único que eu achei com esta música na versão cantada)...




Será mesmo impossível ser feliz sozinho? Eu tenho minhas dúvidas.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

vida de gado e o coração em paz

Após uma longa temporada em que a bateria da Mangueira habitava o lado esquerdo do meu peito, sinto o coração quase tranquilo e a cabeça repleta de muito trabalho. Muito mesmo. As boas novas são que eu comprei um abajour lindo para a minha sala; tenho feito bons amigos pelo blog e isso tem me deixado muito, mas muito feliz; comprei e já estou lendo o livro da Inês (sem contar os livros ótimos que ganhei de presente no natal, na verdade tenho lido bastante ultimamente); as quartas-feiras continuam com ótimo aproveitamento e muitos aprendizados; ainda não vi nenhum filme dos que eu pretendo ver no cinema; o curso está indo bem mas poderia render mais se não houvesse tantas interrupções de algumas meninas com exemplos do que acontece em suas empresas; esta próxima semana tenho 2 eventos e até abril o ritmo deve continuar insano; reformaram a entrada do meu prédio, com piso de granito e cobertura para os dias de chuva; uma possibilidade de amor bateu na porta, mas ela estava fechada.

Tá tudo bem? Tá. Mas, relembrando Guimarães Rosa, se a paz é boa, como é que ela enjoa, assim mesmo? Hein hein? Alguém pode me explicar? rs

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

la lluvia y las tormentas en la boca

Minha singela menção às chuvas que alagaram a capital paulista nesta semana e deixaram os dias um pouco mais cinzentos, aborrecidos e tristes. Esta semana foi uma das mais intensas, repleta de muito trabalho, probleminhas vários e saudades fortes.

chuva

hoje chove muito, muito,
e parece que estão lavando o mundo.
meu vizinho do lado contempla a chuva
e pensa em escrever uma carta de amor/
uma carta à mulher que vive com ele
e cozinha para ele e lava a roupa para ele e faz amor com ele/
e parece sua sombra/
meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher/
entra em casa pela janela e não pela porta/
por uma porta se entra em muitos lugares/
no trabalho, no quartel, no cárcere,
em todos os edifícios do mundo/
mas não no mundo/
nem numa mulher/nem na alma/
quer dizer/nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos assim/
como hoje/que chove muito/
e me custa escrever a palavra amor/
porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa/
e somente a alma sabe onde os dois se encontram/
e quando/e como/
mas o que pode a alma explicar?/
por isso meu vizinho tem tormentas na boca/
palavras que naufragam/
palavras que não sabem que há sol porque nascem e morrem na mesma noite em que amou/
e deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá/
como o silêncio que há entre duas rosas/
ou como eu/que escrevo palavras para voltar
ao meu vizinho que contempla a chuva/
à chuva/
ao meu coração desterrado/


lluvia

hoy llueve mucho, mucho,
y pareciera que están lavando el mundo.
mi vecino de al lado mira la lluvia
y piensa escribir una carta de amor/
una carta a la mujer que vive con él
y le cocina y le lava la ropa y hace el amor con él
y se parece a su sombra/
mi vecino nunca le dice palabras de amor a la mujer/
entra a la casa por la ventana y no por la puerta/
por una puerta se entra a muchos sitios/
al trabajo, al cuartel, a la cárcel,
a todos los edificios del mundo/
pero no al mundo/
ni a una mujer/ni al alma/
es decir/a ese cajón o nave o lluvia que llamamos así/
como hoy/que llueve mucho/
y me cuesta escribir la palabra amor/
porque el amor es una cosa y la palabra amor es otra cosa/

y sólo el alma sabe dónde las dos se encuentran/
y cuándo/y cómo/
pero el alma qué puede explicar/
por eso mi vecino tiene tormentas en la boca/
palabras que naufragan/
palabras que no saben que hay sol porque nacen y mueren la misma noche en que amó/
y dejan cartas en el pensamiento que él nunca escribirá/
como el silencio que hay entre dos rosas/
o como yo/que escribo palabras para volver
a mi vecino que mira la lluvia/
a la lluvia/
a mi corazón desterrado/

Juan Gelman é uma das principais vozes da poesia latino-americana. Nasceu em Buenos Aires, em 1930, e publicou mais de 20 livros. Recebeu os prêmios Nacional de Literatura (Argentina, 1997), Juan Rulfo (2000) e José Lezama Lima (2003). Durante a ditadura militar, foi obrigado a abandonar a Argentina. Em 1976, seu filho Marcelo e a mulher, grávida, desapareceram no país. Somente em 1989 o poeta encontrou os restos mortais do filho. Em 2000, após uma busca de décadas, pôde encontrar sua neta, que tinha então 23 anos e fora adotada pela família de um militar uruguaio. Uma campanha mundial ainda busca os restos mortais de sua nora, Claudia.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

impulsos claricianos

Clarice descreve seu temperamento e eu me identifico muito. Taí uma pessoa que gostaria de ter conhecido, convivido. Ela, em toda a sua complexidade, intensidade, inteligência e beleza.

Temperamento impulsivo
“Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma idéia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade. Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. [...] Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou madura bastante ainda. Ou nunca serei.”

A descoberta do amor
“[...] Quando criança, e depois adolescente, fui precoce em muitas coisas. Em sentir um ambiente, por exemplo, em apreender a atmosfera íntima de uma pessoa. Por outro lado, longe de precoce, estava em incrível atraso em relação a outras coisas importantes. Continuo, aliás, atrasada em muitos terrenos. Nada posso fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais. Até mais que treze anos, por exemplo, eu estava em atraso quanto ao que os americanos chamam de fatos da vida. Essa expressão se refere à relação profunda de amor entre um homem e uma mulher, da qual nascem os filhos. [...] Depois, com o decorrer de mais tempo, em vez de me sentir escandalizada pelo modo como uma mulher e um homem se unem, passei a achar esse modo de uma grande perfeição. E também de grande delicadeza. Já então eu me transformara numa mocinha alta, pensativa, rebelde, tudo misturado a bastante selvageria e muita timidez.

Antes de me reconciliar com o processo da vida, no entanto, sofri muito, o que poderia ter sido evitado se um adulto responsável se tivesse encarregado de me contar como era o amor. [...] Porque o mais surpreendente é que, mesmo depois de saber de tudo, o mistério continuou intacto. Embora eu saiba que de uma planta brota uma flor, continuo surpreendida com os caminhos secretos da natureza. E se continuo até hoje com pudor não é porque ache vergonhoso, é por pudor apenas feminino. Pois juro que a vida é bonita.”

Textos extraídos do livro Aprendendo a viver, Clarice Lispector. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2004. Mais aqui.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

intimidade é tudo

Aprenda a se abrir

Lançado em 1994, o filme “Pulp Fiction” traz uma cena em que os personagens de Uma Thurman e John Travolta saem para jantar. Após alguns segundos de um silêncio constrangedor, ela diz: “Poderemos nos considerar íntimos quando o silêncio entre nós não for tão desconfortável”.

Pode parecer besteira, mas desenvolver a intimidade com quem nos cerca ajuda um bocado e reflete em âmbitos pessoais e profissionais. O assunto é tema do livro “Os Sete Níveis da Intimidade”, lançado no Brasil pela editora Sextante (224 páginas, R$ 19,90). O autor, Matthew Kelly, é um australiano que roda o mundo fazendo palestras motivacionais e tem outros livros de sucesso – “O Ritmo da Vida” é um deles.

Em “Os Sete Níveis da Intimidade”, ele tenta desvincular a idéia de intimidade da de relacionamento físico e mostrar que é possível criar forte envolvimento com o outro nos níveis emocional, intelectual e espiritual. Todos diferentes e positivos.

Para isso, ele define sete níveis de intimidade e categoriza os relacionamentos, ilustrando com histórias do cotidiano o fato de que nossas relações sempre oscilam entre os sete degraus. O autor afirma que existem dois tipos de relacionamentos, o principal e os secundários. O principal, na maioria das vezes, é com o parceiro. “Essa é a sua primeira fonte e oportunidade para estabelecer intimidade”, diz.

Para ele, as pessoas solteiras normalmente têm mais relacionamentos secundários, que podem englobar as relações entre pais e filhos, irmãos, parentes, amigos, colegas de trabalho, patrão, empregados.

Segundo o autor, a chave de um relacionamento íntimo é saber que amar é uma escolha. “Sentimentos vêm e vão, e se decidirmos basear nossos relacionamentos mais importantes na maneira como nos sentimos em determinado momento, estaremos entrando em um caminho difícil. Amar é um verbo, não um substantivo. É algo que fazemos, não algo que nos acontece”, diz.

Para o autor, ao escolher amar, somos capazes de investir diariamente em nossos parceiros, filhos e amigos, e poderemos até mesmo encontrar o amor de nossos sonhos.

Kelly ensina que a busca da intimidade deve ser um esforço diário, praticado com dedicação e perseverança. Ao nos tornarmos realmente íntimos de alguém, somos capazes de revelar nossos sentimentos mais profundos e vivenciar relacionamentos maravilhosos, segundo ele.

Fonte: Bom dia Sorocaba Por: Luís Fernando Manzoli
http://www.livrariadocampus.com.br/

Tudo isso pra dizer que eu descobri, há pouco tempo, que intimidade é muito mais que dormir junto, pegar um cinema e saber o que o outro gosta de fazer e comer. O processo funciona de dentro pra fora: você tem que permitir que a outra pessoa entre na sua vida. Enquanto a porta estiver fechada, ninguém entra, ninguém sai. O medo (da rejeição, da perda, da intimidade) impede que você se abra e conheça a pessoa por inteiro. E com isso o relacionamento vai até um determinado limite. Pode estar tudo lindo, mas de repente vem o medo e pronto, você acaba abdicando de um relacionamento bacana que tinha chances reais de dar certo. Sim, estamos trabalhando fortemente para mudar isso. Sobre o livro, descobri-o outro dia numa livraria, me pareceu bem interessante. Depois que terminar os 4 que tenho em casa, quem sabe. Fica a dica.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

bonito isso

SÓTÃO

Por interstícios das malas abertas de quando éramos
crianças gritam as bocas sem nenhum eco
das bonecas. Criaturas fictícias, escalpelizadas
e sem tintas, de ventre oco. Mas o mortal
lugar do coração está ainda a palpitar.
O bojo do peito de celulóide, como o meu,
pede-nos perdão pela saudade que nos devora.

Fiama Hasse Pais Brandão, poeta portuguesa

domingo, 17 de fevereiro de 2008

pétala por pétala

nalgum lugar em que eu nunca estive, alegremente além
de qualquer experiência, teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar porque estou demasiado perto

teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos, nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
(tocando sutilmente, misteriosamente) a sua primeira rosa

ou se quiseres me ver fechado, eu e
minha vida nos fecharemos belamente, de repente,
assim como o coração desta flor imagina
a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;

nada que eu possa perceber neste universo iguala
o poder de tua imensa fragilidade: cuja textura
compele-me com a cor de seus continentes,
restituindo a morte e o sempre cada vez que respira

(não sei dizer o que em ti que fecha
e abre; uma parte de mim compreende que a
voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)

(e. e. cummings)

Além do poema ser lindo, ainda virou música com Zeca Baleiro. Veja aqui.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

sobre falhas e silêncios

'...A coisa era limpa: como se tratava de uma pessoa, então o limpo resultado fora cumprir a experiência de não poder. Pareceu-lhe mesmo que poucas pessoas haviam tido a honra de não poder. Pois, numa sensação genial, nascida talvez da sua dor, ele soube que o resultado mais acertado era falhar... Mas falhara? Porque a compensação também era fatal. Pois, num equilíbrio perfeito, acontecia que se ele não tinha as palavras, tinha o silêncio. E se não tinha a ação, tinha o grande amor. Um homem podia não saber nada; mas sabia como se virar, por exemplo, para o lado do poente: um homem tinha o grande recurso da atitude. Se não tivesse o medo de ser mudo.'

Clarice Lispector

you live, you learn

Caminhar na rua: jogo de infinitos. O de agora remetendo ao de antes, que refletia o depois, que era algo bem próximo do agora, e assim por diante ad infinitum circular. Tudo refletia-se. Cada reflexo o devolvia a algo que não a rua propriamente dita. Essa, por onde caminhava. Poder-se-ia argumentar contra Ele que isso não passava de mais um meio de não se comprometer demasiado. Uma daquelas Horríveis Nobrezas, porque concluir ou reconhecer uma aprendizagem não significava necessariamente passar a agir de maneira diferente.

Caio Fernando Abreu, in Morangos Mofados

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

c'est si bon

Esta música faz parte da trilha sonora do filme "Alguém tem que ceder", com Diane Keaton e Jack Nicholson. O filme é lindo e a trilha, adorável. Musiquinhas francesas, algumas brasileiras e pra fechar, grandes clássicos americanos. Tão bem rever um filme e se apaixonar de novo por ele. Aprecie "C´est si bon", com a diva Eartha Kitt:

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

mais um dia banal. ou não.

Dia marcado por um almoço bem interessante, a INsegurança pública (vi um assalto acontecer a poucos metros de mim, surreal), problemas com a internet da empresa, um calor senegalês e a descoberta desse poeminha lindo, de Quintana:

"Só o desejo inquieto, que não passa,
Faz o encanto da coisa desejada.
E terminamos desdenhando a caça
Pela doida aventura da caçada."

Mario Quintana

felicidade: saiba como e use bem.

O romancista e ensaísta francês Pascal Bruckner diz que ser feliz virou uma obrigação, um símbolo de status e uma fonte permanente de angústia. Confira alguns trechos da entrevista, concedida à Revista Época*:

ÉPOCA – Como a felicidade se tornou uma tirania?
Pascal Bruckner – No século XVIII, felicidade já deixara de ser um direito para se tornar um dever. Mas essa inversão de valores só se consolidou no século XX, depois de 1968, quando se fez uma revolução em nome do prazer, da alegria, da voluptuosidade. A partir do momento em que o prazer se torna o principal valor de uma sociedade, quem não o atinge vira um indivíduo fora-da-lei.

ÉPOCA – O problema não é o que se considera felicidade hoje?
Bruckner – O problema é a procura. Todos os que buscam a felicidade ficam mais infelizes, porque não se trata de uma caça ao tesouro ou à pedra filosofal. A busca da felicidade está fadada ao fracasso. É como procurar o príncipe encantado. Acabamos por nos privar dos pequenos prazeres e das pequenas alegrias, e ficamos com uma insatisfação permanente.

ÉPOCA – Confunde-se felicidade e bem-estar?
Bruckner – Dinheiro compra bem-estar, conforto, mas nada compra a felicidade. Nos países em que o Estado falha em suprir as necessidades básicas do cidadão, é compreensível que a felicidade seja vista como a ausência da tristeza. Mas ela não deve ser reduzida a uma definição pela negação. Nos países ricos, em que as pessoas dispõem de certa renda, têm casa e comem normalmente, a felicidade não é compulsória. Prova disso é que na França se consome uma enorme quantidade de antidepressivos.

ÉPOCA – Sofrimento virou doença?
Bruckner – Sempre detestamos o sofrimento, é normal. A novidade é que agora as pessoas não têm mais o direito de sofrer. Então, sofre-se em dobro. Querer que as pessoas se calem sobre a dor física ou psicológica é apenas agravar o mal.

ÉPOCA – Isso aumenta a crença de que ela pode ser conquistada?
Bruckner – Há pessoas que correm a vida inteira atrás dela, e então a felicidade vira uma inquietação permanente. Ou seja, o sujeito já entrou no território da angústia. A felicidade vira uma prisão.

ÉPOCA – E o papel da religião em tudo isso?
Bruckner – O cristianismo coloca a felicidade como o paraíso perdido ou por vir. É a noção da felicidade perfeita, ao pé de Deus. Praticamente todas as religiões falam do sofrimento e nos prometem a felicidade depois desta vida. No catolicismo, o sofrimento é tamanho que o Deus sangra e agoniza. Por outro lado, há cada vez mais religiões que se ocupam da felicidade na Terra, como evangélicos, budistas e hinduístas, por exemplo. Na verdade, nos tornamos todos crentes laicos: tentamos cumprir na Terra o ideal que o cristianismo nos propõe para o céu. Queremos fazer nossa felicidade como os penitentes de outros tempos se flagelavam. Nós nos penitenciamos nas academias de ginástica, no esforço permanente para emagrecer, nos regimes, na obrigação de ter orgasmo.

ÉPOCA – No século XIX, havia o 'mal do século'. Era lindo sofrer. Estamos vivendo isso às avessas?
Bruckner – O 'mal do século' era uma estratégia do individualismo. O burguês era contente e satisfeito, ao passo que o artista exibia sua tristeza para se distinguir da massa. Até a doença se tornou uma forma de singularização. Hoje, a estratégia é a mesma: se distinguir, escapar da miséria comum.

ÉPOCA – Por isso muita gente adota a atitude de ver alegria e perfeição em cada refeição, cada objeto, cada momento?
Bruckner – É a estratégia dos estóicos, de fazer tudo como se fosse a última vez. É uma revalorização da vida cotidiana. É interessante, mas pode ser um mecanismo de autopersuasão, de se convencer da felicidade da própria existência, de evitar ser pego no 'erro'. Essas são pessoas que decidiram imperativamente ser felizes. Isso é muito suspeito, porque todo ser humano tem momentos de tristeza. Tentar esconder isso é se enganar.

ÉPOCA – Os livros de auto-ajuda reforçam que só não é feliz quem não quer?
Bruckner – Esse tipo de literatura sempre existiu. São livros contra as pequenas misérias do cotidiano: como se livrar de uma febre, remover uma mancha. Hoje, no entanto, os temas são mais amplos: promete-se a felicidade. Deepak Chopra, guru das estrelas de Hollywood, faz vários livros sobre o mesmo tema: como ganhar dinheiro, como fazer sucesso. Há sempre um ou dois conselhos que funcionam, mas esse tipo de receita vive muito próximo do charlatanismo.

ÉPOCA – As pessoas felizes são menos interessantes?
Bruckner – Ninguém é feliz ou infeliz o tempo todo. A vida não se divide entre essas duas polaridades. Muito mais importante que a felicidade é a liberdade, a capacidade de enfrentar problemas. A felicidade é um valor secundário, e é bom enfatizar isso para que não se sintam culpadas as pessoas que não chegam a ser felizes.

EPOCA – O que seria a felicidade real, não-idealizada?
Bruckner – Um sentimento sem objeto preestabelecido, algo que muda de acordo com a pessoa, com a época e com a idade. Nós a encontramos em alguns momentos, mas ela é fugidia por natureza, não vem quando a chamamos e às vezes chega quando menos esperamos. Há dois erros básicos na forma como a encaramos atualmente. Um é não reconhecê-la quando acontece ou considerá-la muito banal ou medíocre para acolhê-la. O segundo erro é o desejo de retê-la, como a uma propriedade. Jacques Prévert tem uma frase linda sobre isso: 'Reconheço a felicidade pelo barulho que ela faz ao partir'. A ilusão contemporânea é a da dominação da felicidade. Um triste erro.

* Entrevista editada. Reportagem original de Paula Mageste, enviada pela querida Ju.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

el corazón de lo que existe

Conheci a obra da Alejandra Pizarnik com a queridíssima Cris, de BH. Gostei logo de cara. Tentei selecionar apenas um poema dela para marcar este início de semana, que promete ser beeem intensa e agitada, mas a tarefa é praticamente impossível. Não consegui. Todos belos demais para serem deixados de lado, especialmente estes aqui:


MORADAS
En la mano crispada de un muerto,
en la memoria de un loco,
en la tristeza de un niño,
en la mano que busca el vaso,
en el vaso inalcansable,
en la sed de siempre.

***

EL CORAZON DE LO QUE EXISTE
no me entregues,
tristísima medianoche,
al impuro mediodía blanco

***

LOS TRABAJOS Y LAS NOCHES
para reconocer en la sed mi emblema
para significar el único sueño
para no sustentarme nunca de nuevo en el amor
he sido toda ofrenda
un puro errar
de loba en el bosque
en la noche de los cuerpos
para decir la palabra inocente

***

EL OLVIDO
en la otra orilla de la noche
el amor es posible
--llévame--
llévame entre las dulces sustancias
que mueren cada día en tu memoria

***

MENDIGA VOZ
Y aún me atrevo a amar
el sonido de la luz en una hora muerta,
el color del tiempo en un muro abandonado.
En mi mirada lo he perdido todo.
Es tan lejos pedir. Tan cerca saber que no hay.

***

POEMA
Tú eliges el lugar de la herida
en donde hablamos nuestro silencio.
Tú haces de mi vida
esta ceremonia demasiado pura.


Alejandra Pizarnik, poeta argentina. Poemas selecionados no Mel do Melhor.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

uma tarde no museu

"Uso as palavras intuitivas sem repelir as lógicas. As cotidianas sem repudiar as raras. As populares sem deformar as eruditas, as sensíveis sem repelir de todo as abstratas."

Gilberto Freyre

Visitei hoje a exposição feita sobre ele no Museu da Língua Portuguesa (em cartaz na Estação da Luz, em SP). Mesmo quem conhece muito pouco da obra dele (meu caso) sai apaixonado, tamanho o cuidado com a apresentação da sua vida e sua obra, feita como se estivéssemos numa típica casa brasileira. Você abre uma geladeira e encontra um quadro (ele também pintava); na gaveta vê documentos e cartas e, no forno de microondas, frases de autoria dele. Parabéns à curadoria do Museu. Para quem aprecia a cultura e a história do Brasil, eis um programinha obrigatório.

Depois de Guimarães Rosa, Clarice Lispector e agora Gilberto Freyre, quem será o próximo homenageado do Museu? Algumas sugestões:

1. Carlos Drummond;
2. Fernando Pessoa (e os heterônimos todos);
3. Um especial com alguns escritores e poetas africanos seria bem interessante;
4. Cecília Meirelles;
5. Hilda Hilst;
6. Manoel de Barros;

A lista vai longe, claro. Agora imagina que legal pensar a exposição, selecionar os trabalhos mais importantes, as frases que vão ilustrar as paredes... ahh, eu quero um trabalho desses!

O site não ajuda muito, está desatualizado e cheio de problemas, mas em todo caso: http://www.estacaodaluz.org.br/

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

leve pulsar de dentro

Quase de nada místico

Não, não deve ser nada este pulsar
de dentro: só um lento desejo
de dançar. E nem deve ter grande
significado este vapor dourado,
e invisível a olhares alheios:
só um pólen a meio, como de abelha
à espera de voar. E não é com certeza
relevante este brilhante aqui:
poeira de diamante que encontrei
pelo verso e por acaso, poema
muito breve e muito raso,
que (aproveitando) trago para ti.

Ana Luísa Amaral

Vale finalizar com o que a Bluma Wainer escreveu à amiga Clarice Lispector: "Encantada com sua alegria, com seu descobrimento de novas portas e sua curiosidade de atravessá-las. Isto é vida, e vida é tudo que se necessita."

É isso. A "estranha mania de ter fé na vida" segue firme e forte por aqui, ainda mais numa sexta-feira. Bom final de semana!

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

pequenos grandes terremotos

Hoje me cobraram a atualização do blog. Veja você, tem gente querendo atualização praticamente em tempo real. Pensei em sugerir uol, folha e demais sites que fazem isso como ninguém, mas... deixa pra lá. BCS agradece a preferência. :-)

Assombros

Às vezes, pequenos grandes terremotos
ocorrem do lado esquerdo do meu peito.
Fora, não se dão conta os desatentos.
Entre a aorta e a omoplata rolam
alquebrados sentimentos.
Entre as vértebras e as costelas
há vários esmagamentos.
Os mais íntimos
já me viram remexendo escombros.
Em mim há algo imóvel e soterra
doem permanente assombro.

Affonso Romano de Sant'Anna

... e ainda, pra completar:

"Tão estranho
carregar uma vida inteira no corpo
e ninguém suspeitar
das quedas, dos medos e dos choros."

Caio Fernando Abreu

Porque ninguém, ninguém mesmo, sabe o que se passa dentro da nossa linda cabecinha. Das viagens interiores, do que poderia ter sido e não foi, do que será um dia e do íntimo do sentimento que corre lá dentro, do lado esquerdo do peito. Por mais que a gente tenha com quem dividir, algumas coisas são assim mesmo: indivisíveis.

Um tempo atrás o Saia Justa (programinha ótemo que passa no GNT) falou sobre o carcinoma do desamparo, que é o sentimento que chega quando se percebe que sim, você é sozinho no mundo, e precisa aprender a lidar com seus medos, fraquezas e necessidades so-zi-nho, você e seu travesseiro. Não há a escola, os amigos, o namorado, a família. Só você com você. Algumas pessoas percebem isso mais cedo, outras mais tarde, e há ainda os que não percebem, e ficam se apoiando em quem está por perto. Usam os outros como muleta. As pessoas queridas te dão o apoio e não te deixam cair - mas o processo é unicamente seu, de mais ninguém. E aí eu me pego pensando como crescer é difícil. E isso independe de idade, raça, sexo, posição social. Se você ainda não passou por isso, aguarde. Um belo dia comum, o carcinoma chega. E com ele vem os terremotos, esmagamentos e todo tipo de assombros que o coração pode suportar. Nossa, como estou dramática hoje. Maria do Bairro perderia feio. Mas é por uma boa causa. Muito boa, aliás.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

amor feinho

Para começar a exigir menos da vida e das pessoas que atravessam o nosso caminho:

"Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado, é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.
Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero amor feinho."

Adélia Prado

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

o corpo como papel

Adoro esse excerto de Budapeste, que me faz lembrar muito o filme "O Livro de Cabeceira", o qual eu sou igualmente apaixonada:

"(...) Eu era um jovem louro e saudável quando adentrei a baía de Guanabara, errei pelas ruas do Rio de Janeiro e conheci Teresa. Ao ouvir cantar Teresa, caí de amores pelo seu idioma, e após três meses embatucado, senti que tinha a história do alemão na ponta dos dedos. A escrita me saía espontânea, num ritmo que não era o meu, e foi na batata da perna de Teresa que escrevi as primeiras palavras na língua nativa. No princípio ela até gostou, ficou lisonjeada quando eu lhe disse que estava escrevendo um livro nela. Depois deu para ter ciúme, deu para me recusar seu corpo, disse que eu só a procurava a fim de escrever nela, e o livro já ia pelo sétimo capítulo quando ela me abandonou. Sem ela, perdi o fio do novelo, voltei ao prefácio, meu conhecimento da língua regrediu, pensei até em largar tudo e ir embora para Hamburgo. Passava os dias catatônico diante de uma folha de papel em branco, eu tinha me viciado em Teresa.
Experimentei escrever alguma coisa em mim mesmo, mas não era tão bom, então fui a Copacabana procurar as putas. Pagava para escrever nelas, e talvez lhes pagasse além do devido, pois elas simulavam orgasmos que me roubavam toda a concentração. Toquei na casa de Teresa, estava casada, chorei, ela me deu a mão, permitiu que eu escrevesse umas breves palavras enquanto o marido não vinha. Passei a assediar as estudantes, que às vezes me deixavam escrever nas suas blusas, depois na dobra do braço, onde sentiam cócegas, depois na saia, nas coxas. E elas mostravam esses escritos às colegas, que muito os apreciavam, e subiam ao meu apartamento e me pediam que escrevesse o livro na cara delas, no pescoço, depois despiam a blusa e me ofereciam os seios, a barriga e as costas. E davam a ler meus escritos a novas colegas, que subiam ao meu apartamento e me imploravam para arrancar suas calcinhas, e o negro das minhas letras reluzia em suas nádegas rosadas. Moças entravam e saíam da minha vida, e meu livro se dispersava por aí, cada capítulo a voar para um lado. Foi quando apareceu aquela que se deitou em minha cama e me ensinou a escrever de trás para diante. Zelosa dos meus escritos, só ela os sabia ler, mirando-se no espelho, e de noite apagava o que de dia fora escrito, para que eu jamais cessasse de escrever meu livro nela. E engravidou de mim, e na sua barriga o livro foi ganhando novas formas, e foram dias e noites sem pausa, sem comer um sanduíche, trancado no quartinho da agência, até que eu cunhasse, no limite das forças, a frase final: e a mulher amada, cujo leite eu já sorvera, me fez beber da água com que havia lavado sua blusa."

Francisco Buarque de Hollanda, in Budapeste

Quer mais? Aproveita que eu tô boazinha... rs
1. DVD do Chico - Uma Palavra com ele falando este mesmo trecho
2. Trailer do filme O Livro de Cabeceira
3. O livro Budapeste está disponível para download, de graça e sem delongas

domingo, 3 de fevereiro de 2008

ainda sobre a folia

Genial o que a Cora Ronái escreveu sobre o Carnaval no Jornal O Globo. Me identifiquei absurdamente com cada frase:

Carnaval sim; boçalidade não

Alguém me perguntou, outro dia, se gosto de carnaval. Uma pergunta simples, objetiva e direta; pois fiquei perdida, sem saber o que dizer, porque, além de já ter gostado mais, hoje gosto e não gosto, dependendo do tempo, do horário, do tamanho da multidão. Carnaval com o calor senegalês da semana passada? Nem pensar. Carnaval com o fog e a chuva londrinos dessa semana? Menos ainda. Bloco às nove da manhã? Tou fora. Bloco ao cair da tarde? Tou fora também, até porque aí todos já beberam todas e, mais do que me divertir, me aborreço com as inconveniências, a vulgaridade, os mijões a céu aberto. Sabem como é, sou do tempo em que as gentes mantinham certa compostura, inda brincando. Também não gosto de blocos gigantescos, em que milhares de pessoas se empurram de um lado para o outro, cantando a mesma música – em geral, ruim – ad infinitum, e em que câmeras e celulares desaparecem sem deixar vestígios. Vocês estão vendo? Eu sou do tempo em que as pessoas usavam expressões latinas como ad infinitum.

(O Globo, Segundo Caderno, 31.1.2008)

Cada vez mais me convenço que nasci na época errada. Porque carnaval bom pra mim é aquele das marchinhas, do samba de raiz, da velha guarda. Axé definitivamente fica de fora. Gente bêbada querendo bater o recorde de bocas beijadas no mesmo dia, também. E pela TV o martírio é tão grande quanto. Como diz o Zé Simão, "Carnaval é que nem sexo: só é bom ao vivo". E, ainda assim, eu tenho minhas restrições. Será que estou ficando chata e exigente demais? rsrs

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

alô, fevereiro

Foi-se o tempo em que eu fazia questão de celebrar a festa da carne. Amo música brasileira, samba e o alvoroço da festa, mas este carná será sussa, por opção mesmo. Momentos felizes com família e amigos, bons filmes, praia, livros (tenho vários pra ler), passeios e baladinhas, assim de leve, sem o compromisso de se jogar e ter o que contar depois.

Mas a música abaixo é linda e eu não poderia deixar este momento pré-carnavalesco -que marca o início de mais um mês e também de novos ventos, por favor- passar em branco...

Alô, Fevereiro
Roberta Sá

Tamborim avisou, cuidado,
Violão respondeu, me espera,
Cavaquinho atacou, dobrado,
Quando o apito chegou, já era.

Veio o surdo e bateu, tão forte,
Que a cuíca gemeu, de medo,
E o pandeiro dançou, que sorte,
Fazer samba não é brinquedo,
Todo mês de fevereiro, morena,
Carnaval te espera.

Querem te botar feitiço, morena,
Mas também pudera,
Se ele pega no teu corpo,
Vai ter gente enlouquecida,
Querendo entender a tua dança,
Querendo saber da tua vida.