sexta-feira, 7 de março de 2008

literatura de mulherzinha?

Interessante estudo sobre o perfil da mulher na literatura. Ainda que beeem feminista e falho por não incluir a mulherada mais nova e que publica por editoras menores, não deixa de ser interessante. Fica a pergunta: Pq o Brasil tem tantas cantoras mulheres e tão poucas representantes na literatura?


O sexo continua frágil no romance brasileiro
Por Cadão Volpato, para o Valor, de São Paulo
07/03/2008

Na ponta do lápis, a literatura brasileira contemporânea brasileira tem maltratado as mulheres. Estudiosa da moderna narrativa do país, a professora Regina Dalcastagnè, da Universidade de Brasília (UnB), comandou um grupo de pesquisa composto por cerca de 30 estudantes de graduação e de pós-graduação, embrenhou-se na produção romanesca de 1990 a 2004 e concluiu: "A condição feminina evoluiu muito mais rapidamente do que sua representação na literatura." Ou seja, em matéria de romance brasileiro publicado nesse período por três das maiores editoras do país, as mulheres foram postas para escanteio.

Os números do trabalho não mentem. Foram exaustivas leituras e catalogações de 258 romances. Dentro deles, havia 1.245 personagens. Os estudiosos da UnB decidiram ater-se a três editoras grandes: Companhia das Letras, Record e Rocco, escolhidas a partir de uma consulta a profissionais da literatura, no que eles chamam de "método reputacional", eufemismo que define aquelas casas que dão maior prestígio a seus autores.

Foram lidos e fichados todos os romances brasileiros publicados em primeira edição por essas editoras no período. A pesquisa é parte de um projeto maior. A primeira etapa, que mapeou os personagens do romance brasileiro, ocupou cerca de dois anos de trabalho. Outras etapas se seguiram - mapeamento dos personagens do romance do período 1965 a 1979, dos personagens do cinema brasileiro, aprofundamento da compreensão da representação das mulheres. Ainda não está tudo completado, mas já são quase quatro anos de pesquisa. Parte dela , a que trata da construção do feminino no romance brasileiro contemporâneo, foi lida pela professora Regina Dalcastagnè na Sorbonne, em Paris.

O que saltou aos olhos dos pesquisadores foi o desprestígio feminino nas obras analisadas. E algumas coisas curiosas. Por exemplo: nos romances escritos por homens, as personagens femininas são quase sempre donas de casa. Mesmo que seus tipos físicos digam o contrário do clichê: elas costumam ser magras, loiras, de cabelos longos.

Se os autores são mulheres - e é importante que se diga que elas não passam de 30% do efetivo de escritores -, há maior riqueza na descrição física das personagens. Elas continuam magras, mas seu corpo não é motivo de grande satisfação. As autoras escurecem e encurtam os cabelos de suas personagens femininas. Os homens, por sua vez, não inventam mulheres doentes com muita freqüência - quem empresta essa nuança a suas criações são as autoras, que também detalham melhor as cenas sexuais, embora nem encostem de leve no tema da homossexualidade.

As mulheres criadas por mulheres fazem sexo com amantes. Os homens tratam o assunto de um jeito mais conservador. E, coitados, ainda são descritos como pais ausentes por suas criadoras, no quesito família. Para os autores, 23,1% de suas mulheres querem mesmo é saber da família. Para as autoras, 37% das personagens femininas sonham com tranqüilidade. Em nenhum dos casos se fala de aborto ou violência doméstica: parece que esses temas não existem nos 258 romances analisados.

Se for direcionado o interesse para as minorias, a coisa fica pior. Há apenas uma narradora negra entre os 1.245 personagens analisados na pesquisa da professora Regina. E ela divide sua história com os outros narradores do romance "Ana em Veneza", de João Silvério Trevisan.

Nesse universo em que o elemento masculino é a regra e o elemento feminino, a diferença, não se pode adivinhar uma certa rarefação artística? "Por mais que ninguém vá admitir isso em público", diz a pesquisadora, "percebe-se que a experiência de vida da mulher ainda não é vista como tão rica, significativa, plural e reveladora da multiplicidade da existência humana quanto a do homem". O fato é que talvez a imaginação dos escritores é que não ande lá muito ativa.

Marçal Aquino, autor de "Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios" e elegante exemplo do estilo masculino de escrever, é um franco defensor da palavra feminina. "Acredito que este é um momento singular na história da literatura brasileira, pelo número de mulheres que estão escrevendo e publicando", afirma. "E com muita qualidade. Elas não fazem literatura 'feminina', que isso de rótulo me parece bobagem. Fazem literatura - em alguns casos, alta literatura. Tanto na prosa quanto na poesia." Ivana Arruda Leite, Índigo, Andrea del Fuego e Adriana Lisboa são exemplos de autoras que ele acompanha com atenção e prazer.

Para Aquino, autor visivelmente dedicado ao mundo violento dos homens, o universo feminino é muito mais amplo, complexo e rico. "Então acredito que, de forma até meio fragmentada, ao menos alguns aspectos do universo feminino estão refletidos na produção dessas autoras que admiro", comenta. "São reflexões sobre o que é ser mulher no Brasil no século XXI. Belas reflexões." As autoras citadas por Aquino começaram a aparecer com mais força nos últimos três ou quatro anos. E a maior parte publica por editoras menores: elas não aparecem na pesquisa.

"Longe de mim ser contra as feministas, mas algumas coisas atrasam em vez de adiantar", argumenta a escritora e professora Vilma Arêas, autora de "Trouxa Frouxa" e de "Clarice Lispector com a Ponta dos Dedos". "Achar que tudo o que mulher escreve é bom porque é mulher só faz infantilizar as autoras", observa. "Militância é bom e eu gosto, mas em arte tem de haver suspensão de militância. Senão, todos os avançados politicamente seriam ótimos artistas e os chamados afro-brasileiros idem. E as mulheres, nem falar."

Quanto ao fato de, aparentemente, os homens não entenderem as mulheres, Vilma é ainda mais categórica: "Em 'Vidas Secas', siá Vitória é muito mais inteligente e interessante do que Fabiano. O mesmo para Capitu, de 'Dom Casmurro'. A melhor personagem de 'Resumo de Ana' (Modesto Carone) é uma mulher." Claro que Graciliano Ramos e Machado de Assis ficaram fora do estudo. Quanto a Carone, analisado pela pesquisa, sua extraordinária personagem é uma exceção.

O fato é que, para além da qualidade literária e da capacidade criativa dos autores contemporâneos, a mulher permanece nas sombras. A universidade, no Brasil, é uma conquista que remonta apenas aos anos 30 do século XIX - bem antes que qualquer mulher botasse os pés nela. "Em 2006, uma aluna minha do curso noturno da Unicamp, operária de uma fábrica em Valinhos [interior de São Paulo], foi demitida depois de ter fundado, com inacreditável esforço pessoal, um curso de português para os menores que trabalhavam na fábrica", conta Vilma. "O curso foi um sucesso, saiu no jornal, mas os patrões justificaram a demissão explicando que ela 'não tinha temperamento de operária' e os meninos estavam ficando 'muito saidinhos'."

Se, de acordo com a pesquisa de Regina Dalcastagné, os autores brasileiros, sejam homens ou mulheres, não têm conseguido capturar a complexidade da alma feminina, a culpa pode ser debitada a uma pálida imaginação? "Creio que é um processo que se realimenta. Escritores criam a partir das suas vivências, mas também, em grande medida, a partir de modelos da tradição literária. Esses modelos estão em falta - e aqueles existentes parecem defasados", diz a professora.

E, se as mulheres que escrevem no Brasil contemporâneo não são gênios do tamanho de Clarice Lispector - uma influência angustiosa, aliás, para quem começa a escrever pensando no elemento feminino -, quem sabe o tempo não possa remediar a situação? "Imitar Clarice é inútil", afirma Vilma Arêas. "Porque ela era muito intuitiva, errava muito, acertava loucamente, e todos os deslizes no final tinham rendimento estético." E conclui: "Essa adoração por ela hoje acaba sendo um desserviço. O texto escapole, ninguém tem uma experiência verdadeira com ele, de antemão adoram tudo, mesmo lendo às vezes errado e seqüestrando a autora da literatura brasileira, mostrando-a sem relação com nada."

Ou seja, está na hora de as autoras brasileiras acharem o seu caminho. E falar delas mesmas, porque, se depender das pesquisas da UnB, os autores contemporâneos estão longe de dar conta do recado.

(jornal Valor Econômico)

2 comentários:

Anônimo disse...

Desteso. Me policio. Mas preciso dizer: Cadâo Volpato foi MEU colega de colégio estadual em SP.
ahahahahha.... ah! Charles Gavin do Titãs também. Mas deixa prah lah vai... Hj eh sexta-feira! bjs

Anônimo disse...

onde lê-se: Desteso

Leia-se: DETESTO...

Falha involuntária.

rs