terça-feira, 18 de março de 2008

coisas inolvidáveis

Limites

Destas ruas que afundam o poente
Há uma (eu não sei qual) que percorri
Já pela última vez, indiferente
E onde, sem o adivinhar, me submeti

A Quem pefixa onipotentes normas
E uma secreta e rígida medida
Às sombras, aos sonhos e às formas
Que destecem e tecem esta vida.

Se para tudo há fim, um nunca mais
E o último adeus, o esquecido
Quem nos dirá de quem, nestes umbrais,
Despedimo-nos desapercebidos?

Cessa a noite através do cristal gris
E, do cimo dos livros que partida
Sombra espalha pelo tampo impreciso,
Uma folha que nunca será lida.

No sul mais de um portão enferrujado
Com seus jarrões de gesso e alvenaria
E tunas, a meu trânsito vedado
Como se fosse uma litografia.

Para sempre alguma porta foi cerrada
Por ti. E em vão o espelho aguarda e espia;
A ti parece aberta a encruzilhada
E, quadrifonte, é Jano que a vigia.

Uma há, dentre as memórias todas tuas,
Que se perdeu irreparavelmente;
Não te verão baixar a água vertente
Nem o branco sol nem dourada lua.

Tua voz não voltará ao verso persa
Em sua língua de rosas e de aves,
Quando no ocaso, ante a luz dispersa,
Buscares por coisas inolvidáveis.

E o incessante Ródano e o lago
Todo esse ontem sobre o qual me inclino?
Tão perdido estará como Cártago
Que a sal e fogo apagou o latino.

Julgo ouvir, ao alvor, rumorejar
Laborioso da turba se afastando;
São quem me quis amar e me olvidar;
Espaço e tempo e Borges me deixando.

Jorge Luis Borges
In Obras Completas II (O Outro, O Mesmo, 1964)

Depois disso, não falo nem escrevo mais nada. Lindo demais!

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