quinta-feira, 24 de maio de 2012

A questão

Como decidir do desejo?
Algum padrão diz do que
e de quanto vive?


Ele vive do que deseja?
É uma necessidade?
Subsiste no fundo do tempo? 


Faz-se num minuto? Morre 
no outro? Perdura uma existência inteira?
O desejo que não desejamos,


refreá-lo como? Respiramos.
Há interromper-lhe o passo?
O desejo nos ouve? 


É cego? É doido? O desejo vê 
mais que tudo? São os nossos 
os seus olhos? Se os fechamos, 


ele finda? Quem pôs o desejo em nós?
Onde está posto? E onde não?
Penetra o sonho, o trabalho, infiltra 


nos livros, no óbvio, nos óculos, 
na cervical, na segunda-feira e os versos 
não sabem outro tema. 


Há quem não deseje? 
Tudo o que vive deseja? 
Faça-se o exercício: não desejar, 


por um mês, uma semana,
um dia. O desejo fabrica-se
de nenhum aval? Ele não teme?


Não receia o sal à face da razão?
Não teme a dor, decerto, que dela 
parece, por vezes, primo-irmão. 


E perguntamos, perplexos. O desejo 
é uma forma oblíqua de alegria? Brinca 
conosco? Mas, brincarmos com ele, 


ai de nós, é de seus truques 
o mais fatal. Morremos de desejo? 
Com ele removemos pedras? 


Por ele removemos montanhas? 
Pode o desejo mover o não? 
(O não: esta seta o mata? 


Ou esta farpa fomenta o que nele nos ultrapassa 
e que, sem nome nem fim, não desistirá 
senão quando tudo morto em nós?)


Química tão secreta,
não vale a pena qualquer pesquisa, 
uma pluma, este poema.

EUCANAÃ FERRAZ
in Rua do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. 
in Rua do mundo. Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2007. 

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