sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

entre vazios e plenitudes

Deve ser a TPM, a saudade, a tristeza que vezenquando bate. 
Mas confesso que chorei ao ler isso: 

Dia 281.

Conta comigo sempre. Desde a sílaba inicial até à última gota
de sangue. Venho do silêncio incerto do poema e sou, umas ve-
zes constelação e outras vezes árvore, tantas vezes equilíbrio,
outras tantas tempestade. A nossa memória é um mistério, re-
cordo-me de uma música maravilhosa que nunca ouvi, na qual
consigo distinguir com clareza as flautas, os violinos, o oboé.
O sonho é, e será sempre e apenas, dos vivos, dos que masti-
gam o pão amadurecido da dúvida e a carne deslumbrada das
pupilas. Estou entre vazios e plenitudes, encho as mãos com
uma fragilidade que é um pássaro sábio e distraído que se a-
ninha no coração e se alimenta de amor, esse amor acima do
desejo, bem acima do sofrimento.
Conta comigo sempre. Piso as mesmas pedras que tu pisas,
ergo-me da face da mesma moeda em que te reconheço, con-
tigo quero festejar dias antigos e os dias que hão-de vir, con-
tigo repartirei também a minha fome mas, e sobretudo, repar-
tirei até o que é indivisível.
Tu sabes onde estou. Sabes como me chamo. Estarei presente
quando já mais ninguém estiver contigo, quando chegar a ho-
ra decisiva e não encontrares mais esperança, quando a tua
antiga coragem vacilar. Caminharei a teu lado. Haverá decerto
algumas flores derrubadas, mas haverá igualmente um sol lim-
po que interrogará as tuas mãos e que te ajudará a encontrar,
entre as respostas possíveis, as mais humildes, quero eu dizer,
as mais sábias e as mais livres.
Conta comigo. Sempre.

JOAQUIM PESSOA, in ANO COMUM (Litexa, 2011)

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