Acende o cigarro, rapariga. E olha para a
rua onde passam transeuntes desconhecidos.
A tarde vai avançando e nós morrendo nela
ou morrendo nela as nossas esperanças,
a ilusão de eternidade. A beleza o que é?
Braços nus, o ventre liso nu, os cabelos caídos
nos ombros. A desconhecida concentra em si
a atenção do homem desocupado. Para
distrair-se, ele olha para ela e recorda-se
da história antiga do amor, reconstrói
ficções que sabe serem apenas ficções. Assim
passa o tempo, depois irá para casa. Quem
sabe o segredo mais secreto da existência
de cada um? Todos nós temos uma
história. Uns calam-na, outros murmuram
entre dentes os episódios essenciais, outros
encontram palavras com que construir o
poema hermético. Que diferença é que faz?
De tudo se constrói a existência, se alimenta
o sentido. Camisa branca à flor da pele, a
rapariga levantou-se e foi lá dentro do café
comprar qualquer coisa. Palavras, deixai-me
celebrar o vão movimento dos ponteiros do
relógio, os episódios vãos, a nossa morte.
João Camilo
In revista Inimigo Rumor 13 - 2o. semestre 2002
Editora 7 Letras, Rio de Janeiro/
Livros Cotovia, Lisboa
"Não pense que eu ando atrás só de belas coisas simples. Eu quero qualquer coisa, desconexa, contraditória, insegura, não tem importância, desde que seja sua. As definições redondas e grandiloqüentes, as coisas categóricas e acabadas não me satisfazem, porque eu não sou assim", escreveu Maury Gurgel Valente para Clarice Lispector. Este blog traz excertos do cotidiano, poesias, devaneios sobre relacionamentos, cinema, literatura, música... Belas coisas simples, como eu, você e a vida.
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