É, eu acho que há mesmo um mistério em cada fato. Um mistério que confere a cada fato urgência e delicadeza, ainda que cada fato por si mesmo não seja mais do que um fiapo de nuvem, um fiapo de nuvem que se junta a outro fiapo de nuvem e mais outro e vai traçando no ar um desenho que, de um momento para outro, de ovelha pode tornar-se a cara do seu avô ou um coro de anjos dançando no céu. Essa plasticidade da vida é o fundamento positivíssimo dessa desimportância de todos os fatos: tudo sempre pode ser de outro modo. É ela que oferece o solo fértil para a vontade, do ato mais simples ao milagre. Para que amanhã você acorde e diga: "Não mais!".
Cada fato se abre para uma infinidade de outros fatos possíveis como um fruto carrega dentro de si uma infinidade de sementes e cada uma delas uma árvore capaz de produzir uma infinidade de outros frutos e assim infindavelmente. Por isso, exatamente por isso, haverá sempre sentido em tudo. Um sentido que, quanto mais atenção dermos ao fato, mais profundo e singular ele nos parecerá.
É como esses mapas que a gente encontra na internet: você começa focando o planeta, depois o continente, o país, o estado, a cidade, o bairro, o prédio e finalmente uma janela em particular que em ninguém mais haverá de provocar sorrisos e suspiros senão em mim. Repare: minha imaginação nada acrescenta ao sentido dessa janela, tão igual a todas as outras do prédio. É meu amor que alcança o sentido singular dela que, na verdade, nada tem de subjetivo. Pois, mesmo que outros duvidem das qualidades que atribuo a sua moradora, quem poderá dizer tê-la conhecido tão de perto? Quem pode então me desmentir?
Portanto, não é a imaginação que cria o sentido; é o amor que o descobre. Não criamos sentido, apenas nos dedicamos a encontrá-lo. O sentido das coisas está nas coisas e nenhum outro aparato - intelectual ou mecânico - é necessário para encontrá-lo além dessa "atenção dedicada" que bem podemos chamar de amor. Isso não significa que não possamos nos enganar. Muito mais vezes do que gostaríamos, o desejo nos cega e então deixamos de ver o que é e passamos a ver o que desejamos que fosse. Sim, não são os fatos que nos enganam. Somos nós mesmos que nos deixamos enganar - por arrogância, comodidade, fraqueza... Sim, só os erros são genuinamente nossos. A verdade pertence às coisas e nelas repousa mansamente à espera de nosso olhar mais amoroso.
Belo texto, de autoria do cronista carioca Antonio Caetano e encontrado aqui: http://www.cafeimpresso.com.br/ - Muito bom, vale uma visita!
"Não pense que eu ando atrás só de belas coisas simples. Eu quero qualquer coisa, desconexa, contraditória, insegura, não tem importância, desde que seja sua. As definições redondas e grandiloqüentes, as coisas categóricas e acabadas não me satisfazem, porque eu não sou assim", escreveu Maury Gurgel Valente para Clarice Lispector. Este blog traz excertos do cotidiano, poesias, devaneios sobre relacionamentos, cinema, literatura, música... Belas coisas simples, como eu, você e a vida.
Um comentário:
Excelente sugestão, Camila! Aguardo agora outros filmes. Beijo
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