(...) Afinal, a definição romântica do amor como “até que a morte nos separe” está decididamente fora de moda, tendo deixado para trás seu tempo de vida útil em função da radical alteração das estruturas de parentesco às quais costumava servir e de onde extraia seu vigor e sua valorização. Mas o desaparecimento dessa noção significa, inevitavelmente, a facilitação dos testes pelos quais uma experiência deve passar para ser chamada de “amor”: Em vez de haver mais pessoas atingindo mais vezes os elevados padrões do amor, esses padrões foram baixados.
Como resultado, o conjunto de experiências às quais nos referimos com a palavra amor expandiu-se muito. Noites avulsas de sexo são referidas pelo codinome de “fazer amor”. A súbita abundância e a evidente disponibilidade das “experiências amorosas” podem alimentar (e de fato alimentam) a convicção de que amar (apaixonar-se, instigar o amor) é uma habilidade que se pode adquirir, e que o domínio dessa habilidade aumenta com a prática e a assiduidade do exercício.
Pode-se até acreditar (e freqüentemente se acredita) que as habilidades do fazer amor tendem a crescer com o acúmulo de experiências que o próximo amor será uma experiência ainda mais estimulante do que a que estamos vivendo atualmente, embora não tão emocionante ou excitante quanto a que virá depois. Essa é, contudo, outra ilusão... O conhecimento que se amplia juntamente com a série de eventos amorosos é o conhecimento do “amor” como episódios intensos, curtos e impactantes, desencadeados pela consciência a priori de sua própria fragilidade e curta duração.
As habilidades assim adquiridas são as de “terminar rapidamente e começar do início” das quais, segundo Soren Kierkegaard, o Don Giovanni de Mozart era o virtuoso arquetípico. Guiado pela compulsão de tentar novamente, e obcecado em evitar que cada sucessiva tentativa do presente pudesse atrapalhar uma outra no futuro, Don Giovanni era também um arquetípico “impotente amoroso”. Se o propósito dessa busca e experimentação infatigáveis fosse o amor, a compulsão a experimentar frustraria esse propósito. É tentador afirmar que o efeito dessa aparente “aquisição de habilidades” tende a ser, como no caso de Don Giovanni, o desaprendizado do amor - uma “exercitada incapacidade” para amar.
Trecho de "Amor Líquido", do Bauman.
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