Hoje, 14 de março, é o Dia Nacional da Poesia. A minha singela homenagem com um exemplar que conheci outro dia e gostei bastante:
Canto de Ofício
A cada dia, por ser hoje,
Eu te agradeço.
Por esse quarto à meia luz
E outros mundos,
Por esse gosto de amêndoa
E outros prazeres.
Quem quer que sejas tu
E onde estiveres,
Sob qualquer face
Que me apareças,
Assim é.
Pela incerteza essencial
Sobre mim mesma,
E estas palavras
Desde há pouco sem proveito,
Entranha, mistério, vereda
- Eu agradeço.
A cada noite inaugural
E derradeira,
Que me sustém
Não menos que o suficiente,
Bendito o fruto, o sal, o chão
E este silêncio.
Fundo de ravina o meu lugar,
Se já não creio.
Alto de um monte, se resisto.
E descrendo, resistindo,
Eu agradeço.
Que me possua o antro
Dos meus edifícios,
Como a pedra ordinária
É possuída
Por sóis e luas
Em seu tempo de maré.
Que eu me refaça
De quanto tenha desistido
Como a dizimação de um povo
No testemunho dos vivos.
E que eu envelheça
Par a par com esta casa,
Debaixo do musgo e da poeira,
O corpo palpitando ainda,
Mas num insensível batimento.
Por tudo o que se eleva
Numa onda
Logo se quebrando
Junto à espuma,
Pelo que no adeus se perpetua,
Sim, louvado seja.
Embora muito fique por saber
Das letras e dos números,
E tanto por dizer
Sobre o mal e a loucura,
Embora o rosto penso,
O grito, os pés inúteis.
Quão breve o momento
E quão vasto seu milagre.
Os favores da pele,
O céu de um poema,
A benção do pão e da água.
A benção, apesar
Do irremediável olho cego,
Das almas perseguidas
E do aborto solitário.
Porque aqui se chega,
A este dia e a esta luz
E é tão raro aceitá-lo.
Porque daqui se vai.
O adágio,
A flor do ourives,
O vermelho da China,
Um giro de bailarina,
Graças a ti, todas as artes.
Por esse vinho
E seus quinze outonos.
Pelo descanso da terra.
Por essa terra.
Mariana Ianelli
"Não pense que eu ando atrás só de belas coisas simples. Eu quero qualquer coisa, desconexa, contraditória, insegura, não tem importância, desde que seja sua. As definições redondas e grandiloqüentes, as coisas categóricas e acabadas não me satisfazem, porque eu não sou assim", escreveu Maury Gurgel Valente para Clarice Lispector. Este blog traz excertos do cotidiano, poesias, devaneios sobre relacionamentos, cinema, literatura, música... Belas coisas simples, como eu, você e a vida.
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