Quando conheci a poesia do escritor português José Luis Peixoto, algum tempo atrás, imaginei um sujeito de meia idade, ligeiramente acima do peso, barba rala e cabelos alvoroçados. Qual não foi a minha surpresa ao descobrir que o gajo é todo moderninho, bem apessoado, tem apenas 34 anos e ainda ostenta piercings e uma tatoo no braço? rs
Recentemente, ele começou a escrever em um blog dentro do site da Revista Bravo!, o qual fiz o favor de ler, de cabo a rabo, e selecionar algumas coisas muito, muito boas.
A primeira delas, que eu achei insuportavelmente bela:
Efeito secundário (lado B)
O acto simples de estender a mão na luz e tocar-te
irá coincidir com os meus dedos a transformarem-se
em cores, nuvens de pó lançadas no ar. Esse será o
primeiro efeito da magia. Chamar-lhe-emos magia
por causa das crianças, mas saberemos que, em rigor,
será apenas uma ilusão. Talvez seja nesse instante
que os lábios começarão a fazer o playback de todo
o silêncio, como um beijo antigo, gravado noutro
disco. O efeito secundário dessa fotografia, desse
postal, desse pôr-do-sol, será um bombardeamento
de planos para o futuro, filhos em projecto, iremos
escolher mil nomes para menino, mil nomes para
menina, iremos perder tempo a pensar nos nomes
que daríamos se fôssemos ingleses, americanos, e
falássemos em inglês, americano, como as pessoas
felizes e garridas dos filmes de domingo à tarde
no primeiro canal, ou franceses e chatos, como as
pessoas tristes dos filmes de segunda-feira à noite
no segundo canal. O primeiro efeito desse instante
será um ardor à volta dos lábios ou a repetição da
guerra do Vietname, da mesma maneira que um
ciclone na China faz uma borboleta bater as asas
e pousar-me involuntária entre os olhos, asas como
óculos de cor, nuvens de pó lançadas no ar, ou
como esperança apregoada nas ruas por multidões
indecisas, confusas, incertas, frágeis, feitas de
homens humanos, mulheres humanas e crianças-
-crianças, futuros homens e futuras mulheres,
prontos a repetirem todas as nossas dúvidas e todas
as vezes que olhámos o horizonte. E talvez o seu
melhor momento seja um espelho estragado, um
penteado definitivo ou a constatação humilde
de não serem mágicos, mas ilusionistas, donos
de um espectáculo honesto, como nós agora
a sermos o efeito principal e secundário de tudo
o que chega a nós, de tudo o que parte de nós,
de tudo o que nos ignora, nos transcende e nos
lança pela eternidade a partir do instante simples
em que estendo a mão na luz e, simples, te toco.
Postado por: José Luís Peixoto | 20/11/2008 - 15:10
Breve biografia do moço aqui.
"Não pense que eu ando atrás só de belas coisas simples. Eu quero qualquer coisa, desconexa, contraditória, insegura, não tem importância, desde que seja sua. As definições redondas e grandiloqüentes, as coisas categóricas e acabadas não me satisfazem, porque eu não sou assim", escreveu Maury Gurgel Valente para Clarice Lispector. Este blog traz excertos do cotidiano, poesias, devaneios sobre relacionamentos, cinema, literatura, música... Belas coisas simples, como eu, você e a vida.
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Um comentário:
lindo!!
e terapêutico. bom pra refletir, né? de repente, vale mais que terapia!
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