quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

shadows

Um dia comprido, cumprido. Nem tudo precisa ser o tempo todo bom ou bonito. Nem a gente. Às vezes as virtudes também tiram folga... Mas não é para a sombra nos engolir, é só para conhecermos o nosso lado obscuro e tentar entender o do Outro. A crise é preciosa, nos tira do mesmo lugar, nos inquieta, convida à reformulação interna. Aprecia a luz quem transitou no escuro e se assustou com ele. Mas não há o que temer. É inútil. Então, medo para quê? É noite, mas um agora vigora. A vida não mobiliza as auroras. Que tenhamos tranquilidade e confiança para amanhecer.

Desejo boas notícias.

Marla de Queiroz

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Bela e Exigente, a Vida...

Viver é uma peripécia. Um dever, um afazer, um prazer, um susto, uma cambalhota. Entre o ânimo e o desânimo, um entusiasmo ora doce, ora dinâmico e agressivo.

Viver não é cumprir nenhum destino, não é ser empurrado ou rasteirado pela sorte. Ou pelo azar. Ou por Deus, que também tem a sua vida. Viver é ter fome. Fome de tudo. De aventura e de amor, de sucesso e de comemoração de cada um dos dias que se podem partilhar com os outros. Viver é não estar quieto, nem conformado, nem ficar ansiosamente à espera.

Viver é romper, rasgar, repetir com criatividade. A vida não é fácil, nem justa, e não dá para a comparar a nossa com a de ninguém. De um dia para o outro ela muda, muda-nos, faz-nos ver e sentir o que não víamos nem sentíamos antes e, possivelmente, o que não veremos nem sentiremos mais tarde.

Viver é observar, fixar, transformar. Experimentar mudanças. E ensinar, acompanhar, aprendendo sempre. A vida é uma sala de aula onde todos somos professores, onde todos somos alunos. Viver é sempre uma ocasião especial. Uma dádiva de nós para nós mesmos. Os milagres que nos acontecem têm sempre uma impressão digital. A vida é um espaço e um tempo maravilhosos mas não se contenta com a contemplação. Ela exige reflexão. E exige soluções.

A vida é exigente porque é generosa. É dura porque é terna. É amarga porque é doce. É ela que nos coloca as perguntas, cabendo-nos a nós encontrar as respostas. Mas nada disso é um jogo. A vida é a mais séria das coisas divertidas. 

Joaquim Pessoa

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

e você, o que causa no outro?

"‎Tem gente que faz oceanos em nós. Tem gente que faz sol e amanhece. Tem gente que faz naufrágios, tormentas e outros fazem ilhas. Tem gente que nos despedaça e parte sem volta. Tem gente que nos borda. Gente que cura e gente que arde. Ou ambos. Tem gente que é abrigo e outras são abismo. Tem gente que faz escuridões em nós. Tem gente que faz frio. Outras, fazem destino. Fazem vento e ventando nos fazem voo. Toda gente existe. Toda gente. Tudo o que fazem, se faz em nós."
Van Luchiari

Filme Amor à Flor da Pele (In the Mood for Love), 2000, Diretor Wong Kar-Wai

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

entre vazios e plenitudes

Deve ser a TPM, a saudade, a tristeza que vezenquando bate. 
Mas confesso que chorei ao ler isso: 

Dia 281.

Conta comigo sempre. Desde a sílaba inicial até à última gota
de sangue. Venho do silêncio incerto do poema e sou, umas ve-
zes constelação e outras vezes árvore, tantas vezes equilíbrio,
outras tantas tempestade. A nossa memória é um mistério, re-
cordo-me de uma música maravilhosa que nunca ouvi, na qual
consigo distinguir com clareza as flautas, os violinos, o oboé.
O sonho é, e será sempre e apenas, dos vivos, dos que masti-
gam o pão amadurecido da dúvida e a carne deslumbrada das
pupilas. Estou entre vazios e plenitudes, encho as mãos com
uma fragilidade que é um pássaro sábio e distraído que se a-
ninha no coração e se alimenta de amor, esse amor acima do
desejo, bem acima do sofrimento.
Conta comigo sempre. Piso as mesmas pedras que tu pisas,
ergo-me da face da mesma moeda em que te reconheço, con-
tigo quero festejar dias antigos e os dias que hão-de vir, con-
tigo repartirei também a minha fome mas, e sobretudo, repar-
tirei até o que é indivisível.
Tu sabes onde estou. Sabes como me chamo. Estarei presente
quando já mais ninguém estiver contigo, quando chegar a ho-
ra decisiva e não encontrares mais esperança, quando a tua
antiga coragem vacilar. Caminharei a teu lado. Haverá decerto
algumas flores derrubadas, mas haverá igualmente um sol lim-
po que interrogará as tuas mãos e que te ajudará a encontrar,
entre as respostas possíveis, as mais humildes, quero eu dizer,
as mais sábias e as mais livres.
Conta comigo. Sempre.

JOAQUIM PESSOA, in ANO COMUM (Litexa, 2011)

das possibilidades

"a gente não ama quem quer.

a gente ama quem pode, quando dá, da maneira que é possível, apesar de nossas melhores intenções e mais elaboradas teorias.

e ainda lambe os beiços."

(Alex Castro)  

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Comparações líquidas e certas

Achei bem apropriado, diante dos tempos úmidos e inconstantes: 

Volúvel como as marés.
Desinteressante como uma piscina vazia.
Certeiro como uma goteira.
Impessoal como uma pedra de gelo.
Versátil como bacia de pobre.
Traiçoeira como uma poça d´água.
Medroso como idoso em banheira.
Objetivo como esguicho de mangueira.
Sedento como um ralo.
Autêntico como um penico de ágata.
Prolixo como uma cachoeira.
Egoísta como um reservatório no verão.
Desprezada como uma bóia murcha.
Incapaz como um bueiro da periferia.
Animado como banho de criança.
Generoso como um hidrante rebentado.
Separatista como um coador.
Inoportuno como um temporal às 18h.
Absurdo como uma taxa d´água.
Exibicionista como um chafariz.
Despersonalizado como balde sem alça.
Avarento como um conta-gotas.
Convidativa como fonte à beira da estrada.
Trágico como entupimento de vaso sanitário.
Inexpugnável como o Muro da Mauá.
Sereno como orvalho na folha.
Endiabrado como um redemoinho.
Exótico como um par de galochas.
Devastador como conserto de pia.
Taciturno como um poço.
Irrecuperável como um guarda-chuva.
Esbaforido como vapor de chaleira.
Insistente como uma torneira vazando.
Íntimo como uma lágrima.

Ademir Antônio Bacca



quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O regresso


Como quem, vindo de países distantes fora de
si, chega finalmente aonde sempre esteve
e encontra tudo no seu lugar,
o passado no passado, o presente no presente,
assim chega o viajante à tardia idade
em que se confundem ele e o caminho.

Entra então pela primeira vez na sua casa
e deita-se pela primeira vez na sua cama.
Para trás ficaram portos, ilhas, lembranças,
cidades, estações do ano.
E come agora por fim um pão primeiro
sem o sabor de palavras estrangeiras na boca.

Manuel António Pina