domingo, 23 de novembro de 2008

Pequena elegia chamada domingo

O domingo era uma coisa pequena.
Uma coisa tão pequena
que cabia inteirinha nos teus olhos.
Nas tuas mãos
estavam os montes e os rios
e as nuvens.
Mas as rosas,
as rosas estavam na tua boca.

Hoje os montes e os rios
e as nuvens
não vêm nas tuas mãos.
(Se ao menos elas viessem
sem montes e sem nuvens
e sem rios ...)
O domingo está apenas nos meus olhos
e é grande.
Os montes estão distantes e ocultam
os rios e as nuvens
e as rosas.

Eugénio de Andrade

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

simples e genial...

"Se é caso sério eu me dôo, se é bobagem eu me abstenho, tenho vida própria e suficiente para lidar. Me aceito impura, me gosto com pecados e há muito me perdoei."

(Martha Medeiros)

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

le tourbillon de la vie

Que os dias de ócio que se seguem sejam leves e divertidos. E que os "le tourbillon" que perturbam a vidinha diária (não vem que não tem, cada um tem o seu) dêem uma trégua e voltem apenas na segunda-feira. Ou, melhor ainda, nem voltem. :)



Do filme francês Jules e Jim (François Truffaut, 1962), lindinho que só ele.

entre versos e prosas

Porque ler poesia continua sendo um exercício díário, assim como escovar os dentes e comer chocolate:

A leitura se tornou para ele um vício insaciável. (…)A única coisa que sabia com clareza era que entre a prosa e os versos preferia os versos, e entre estes preferia os de amor, que decorava mesmo sem querer a partir da segunda leitura, o que lhe era ainda mais fácil quanto mais se tratasse de versos bem rimados, bem medidos, bem desesperados.

Gabriel Garcia Marquez in “O Amor no Tempo do Cólera”

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

tudo que dói em nós

PRECE DE UM DIA QUASE IGUAL A TODOS

Deus dos delicados, não me abandone nessa guerra insana. Minha máquina de ser beira a pane enquanto o veludo da voz de Billie lambe as paredes do lusco-fusco. Abençoe, senhor, tudo que dói em nós, indispensável. As tardes despenteadas em Grumari, as lágrimas do homem que me amou e nunca disse, o negro agonizante sob o sol narcísico de Ipanema, as crianças que tão cedo me deixaram farta de lágrimas e leite, o eco esquivo de Frederico, sinais de musgo. Abençoe as escarpas da minha vida enquanto desenterro estas palavras — o carmim destas palavras — com as lascas afiadas da dor. Sonho piscinas, atraída pelas labaredas. Preciso dormir bem dentro das suas asas enormes, pai.

Ledusha B. A. Spinardi

sobra taaaanta falta :-(



(...)
"Falta tanto tempo no relógio
Quanto uma semana
Sobra tanta falta de paciência
Que me desespero
Sobram tantas meias-verdades
Que guardo pra mim mesmo
Sobram tantos medos
Que nem me protejo mais
Sobra tanto espaço
Dentro do abraço
Falta tanta coisa pra dizer
Que nunca consigo"
(...)

Teatro Mágico

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

No Limite...


Do cansaço.
Da saudade.
De querer e não ter.
Da impossibilidade.
Da cabeça cheia de problemas.
Do coração apertado.
Das dúvidas que consomem.
De tudo que há.
De tudo que houve um dia.

De verdade, estou cansada. Pode ser apenas a necessidade cada vez mais urgente de férias. Ou não. :-/

pelas intermitências de José

Se tivesse que escolher um escritor que marcou o ano de 2008, um deles certamente seria José Saramago. Foi neste ano que ele lançou um blog. Como ele mesmo diz, sempre foi contrário à idéia de escrever regularmente para um jornal, mas acabou se rendendo às graças da web, onde escreve com frequência - e de graça. Saramago continua cheio de idéias e projetos (espero chegar com tamanha garra e vontade de viver aos 87) e acaba de lançar um livro (A Viagem do Elefante, Companhia das Letras, 258 págs., preço a definir). Além disso, Ensaio sobre a Cegueira virou filme pelas habilidosas mãos de Fernando Meirelles, teve boa aceitação da crítica e já foi visto por mais de 600 mil pessoas, só no Brasil. Completa a boa fase uma exposição sobre sua vida e obra, no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, chamada de A Consistência dos Sonhos. Começou dia 28/10 e vai até 15/02/2009. Totally free of charge. :))

Para ler reportagem da Revista Bravo, clique aqui.

E diretamente do blog, sobre seu conterrâneo Fernando:

Sobre Fernando Pessoa
Outubro 5, 2008 by José Saramago
Era um homem que sabia idiomas e fazia versos. Ganhou o pão e o vinho pondo palavras no lugar de palavras, fez versos como os versos se fazem, como se fosse a primeira vez. Começou por se chamar Fernando, pessoa como toda a gente. Um dia lembrou-se de anunciar o aparecimento iminente de um super-Camões, um camões muito maior que o antigo, mas, sendo uma pessoa conhecidamente discreta, que soía andar pelos Douradores de gabardina clara, gravata de lacinho e chapéu sem plumas, não disse que o super-Camões era ele próprio. Afinal, um super-Camões não vai além de ser um camões maior, e ele estava de reserva para ser Fernando Pessoas, fenómeno nunca visto antes em Portugal. Naturalmente, a sua vida era feita de dias, e dos dias sabemos nós que são iguais mas não se repetem, por isso não surpreende que em um desses, ao passar Fernando diante de um espelho, nele tivesse percebido, de relance, outra pessoa. Pensou que havia sido mais uma ilusão de óptica, das que sempre estão a acontecer sem que lhes prestemos atenção, ou que o último copo de aguardente lhe assentara mal no fígado e na cabeça, mas, à cautela, deu um passo atrás para confirmar se, como é voz corrente, os espelhos não se enganam quando mostram. Pelo menos este tinha-se enganado: havia um homem a olhar de dentro do espelho, e esse homem não era Fernando Pessoa. Era até um pouco mais baixo, tinha a cara a puxar para o moreno, toda ela rapada. Com um movimento inconsciente, Fernando levou a mão ao lábio superior, depois respirou fundo com infantil alívio, o bigode estava lá. Muita coisa se pode esperar de figuras que apareçam nos espelhos, menos que falem. E porque estes, Fernando e a imagem que não era a sua, não iriam ficar ali eternamente a olhar-se, Fernando Pessoa disse: “Chamo-me Ricardo Reis”. O outro sorriu, assentiu com a cabeça e desapareceu. Durante um momento, o espelho ficou vazio, nu, mas logo a seguir outra imagem surgiu, a de um homem magro, pálido, com aspecto de quem não vai ter muita vida para viver. A Fernando pareceu-lhe que este deveria ter sido o primeiro, porém não fez qualquer comentário, só disse: “Chamo-me Alberto Caeiro”. O outro não sorriu, acenou apenas, frouxamente, concordando, e foi-se embora. Fernando Pessoa deixou-se ficar à espera, sempre tinha ouvido dizer que não há duas sem três. A terceira figura tardou uns segundos, era um homem daqueles que exibem saúde para dar e vender, com o ar inconfundível de engenheiro diplomado em Inglaterra. Fernando disse: “Chamo-me Álvaro de Campos”, mas desta vez não esperou que a imagem desaparecesse do espelho, afastou-se ele, provavelmente tinha-se cansado de ter sido tantos em tão pouco tempo. Nessa noite, madrugada alta, Fernando Pessoa acordou a pensar se o tal Álvaro de Campos teria ficado no espelho. Levantou-se, e o que estava lá era a sua própria cara. Disse então: “Chamo-me Bernardo Soares”, e voltou para a cama. Foi depois destes nomes e alguns mais que Fernando achou que era hora de ser também ele ridículo e escreveu as cartas de amor mais ridículas do mundo. Quando já ia muito adiantado nos trabalhos de tradução e poesia, morreu. Os amigos diziam-lhe que tinha um grande futuro na sua frente, mas ele não deve ter acreditado, tanto assim que decidiu morrer injustamente na flor da idade, aos 47 anos, imagine-se. Um momento antes de acabar pediu que lhe dessem os óculos: “Dá-me os óculos” foram as suas últimas e formais palavras. Até hoje nunca ninguém se interessou por saber para que os queria ele, assim se vêm ignorando ou desprezando as últimas vontades dos moribundos, mas parece bastante plausível que a sua intenção fosse olhar-se num espelho para saber quem finalmente lá estava. Não lhe deu tempo a parca. Aliás, nem espelho havia no quarto. Este Fernando Pessoa nunca chegou a ter verdadeiramente a certeza de quem era, mas por causa dessa dúvida é que nós vamos conseguindo saber um pouco mais quem somos.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

vale o quanto brilha

Acontecimentos
Marina Lima
Composição: Marina Lima/Antonio Cicero

Eu espero
Acontecimentos
Só que quando anoitece
É festa no outro apartamento

Todo amor
Vale o quanto brilha
E o meu brilhava
E brilha de jóia e de fantasia

O que que há com nós dois, amor?
Me responda depois
Me diz por onde você me prende
Por onde foge
E o que pretende de mim

Era fácil
Nem dá prá esquecer
E eu nem sabia
Como era feliz de ter você

Como pôde
Queimar nosso filme
Um longe do outro
Morrendo de tédio e de ciúmes

O que que há com nós dois amor?
Me responda depois
Me diz por onde você me prende
Por onde foge
E o que pretende de mim

***

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

o que eu também não entendo

Tenho pensado bastante nas leis que regem a atração por este ou aquele ser. O que faz uma pessoa ser interessante pra mim e completamente invisível para o outro? Comigo, a beleza nunca foi o fator primordial e eu bem sei que ela não se basta, mas claro, ajuda bastante a fazer daquele ser o escolhido. Se o papo rendeu e a pessoa é interessante aos olhos, vem o desejo de sair da superfície, ir mais a fundo, conhecer mais e melhor. Saber as preferências, qualidades e defeitos, o que ela tem a dizer. Sua história de vida, o que a faz ser quem é hoje. Como se comporta diante de mim e dos outros. Os sonhos. Os meus, os seus, os nossos.

Diante do que o outro é e como se apresenta pra mim, parece que um alarme interno sinaliza: vai, pode ser uma boa. E com o alarme vem toda uma mala gigantesca de expectativas. E depois as necessidades, no caso de ser uma relação que se pretenda longa, com um projeto para futuro a curto, médio e longo prazo. Um filho, um cachorro, uma viagem? Na minha casa ou na sua? Talvez tudo, talvez nada? O que é essencial? E qual a parte que me cabe neste latifúndio? Como ajustar os meus sonhos e expectativas às querências do outro, e fazer deste um projeto em comum?

O problema, tenho percebido isso, é que diante de pessoas parecidas este fundo é tão vasto e tão complexo que, muitas vezes, nos perdemos dentro dele. Como conhecer a fundo alguém que mostre, talvez, o lado mais sombrio e mais desconhecido de mim mesma? Seria natural se afastar e ir em busca de uma relação mais superficial. Mas a vida implica em escolhas, cada dia mais sinto esta questão tão básica e primária na minha face, implorando uma solução. E será que estou diposta a pagar pelo preço das minhas escolhas? Tudo indica que sim mas, afe, como é difícil...

Ainda não sei as respostas. São muitas dúvidas e muitas vontades. O leque de possibilidades é imenso e por muitas vezes tenho vontade de querer menos. E principalmente me preocupar menos. Será possível? Viver, simplesmente? Sem esperar, sem sofrer ou se machucar demais? Porque cada escolha tem de ser um dilema?

Isto foi apenas um desabafo, sem nenhuma ordem lógica e sem bases científicas. Está tudo bem, não tomarei nenhuma medida drástica e continuo amando e sendo uma das mais otimistas da turma, mas precisava ser tudo tão complicado? :-(

sábado, 1 de novembro de 2008

no lado quente da saudade...

Felizmente, podemos dizer que a semana terminou melhor do que começou. Ainda bem que o mês de outubro já é coisa do passado, foi intenso e tenso demais, há de vir dias melhores e palavras de um futuro bom. E, claro, já estou fazendo a contagem regressiva: falta pouco mais de 40 dias de trabalho para o ano acabar e terei necessários dias de descanso em breve, além disso está praticamente certo que o carnaval será em Buenos, com 2 das pessoas mais queridas, comida boa, música melhor ainda, passeios bacanas, diversão de primeira y otras coisitas más. :-)

Para animar, uma linda música, quase um recado:

Abraça-me bem
Mafalda Veiga

Levantas o teu corpo cansado do chão
Afasta esse peso que te esmaga o coração
Abres uma janela e pergunta-te quem és
Respiras mais fundo e enfrentas o mundo de pé

Eu venho de tão longe e procuro há mil anos por ti
Estendo a minha mão até te sentir
Não sabemos nada do que somos nós
Mas sabemos tanto do que muda por não estarmos sós

Abraça-me bem

Levantas os teus olhos para me olhar assim
Procuras cá dentro onde me escondi
E eu tenho medo, confesso, de dar
O mundo onde guardo tudo o que mais quis salvar

Tu dizes que não há outra forma de ficarmos perto
Não há como saber se o caminho é o certo
Só pode voar quem arriscar cair
Só se pode dar quem arriscar sentir

Abraça-me bem

Para ouvir o português rasgado da Mafalda nesta e em outras músicas igualmente belas, siga por aqui.